A análise do Arcebispo Primaz de Braga D. Jorge Ortiga sobre os resultados do referendo
de Domingo em Portugal, sobre o aborto
(13/2/2007) No dia do referendo sobre o aborto: e agora? Sei que a expectativa de
um pronunciamento sobre o resultado deste referendo de 11 de Fevereiro é naturalmente
grande e não quero defraudá-la. Numa reacção meramente pessoal, como Arcebispo de
Braga, desejaria enunciar alguns comentários, feitos no momento em que acabo de conhecer
os resultados: 1. Este como qualquer outro resultado do referendo não é decisivo
pois a Igreja sempre considerou que a questão da vida não é referendável. Neste momento
quero acentuar o que os Bispos portugueses sempre disseram: a vida é um dom inviolável,
um direito fundamental de todos os seres humanos e fonte de todos os outros direitos.
Como tal deve ser acolhida e promovida em todas as suas dimensões e num âmbito universal,
onde os mais frágeis merecem um acolhimento preferencial. 2. A Igreja em Portugal
propôs, a propósito deste referendo, desnecessário, um esclarecimento das consciências,
esse sim manifestamente oportuno e permanente, que não se esgota nos tempos duma campanha.
Espero que os cidadãos possam hoje avaliar com mais profunda consciência o que esteve
e está em causa: uma cultura da vida numa luta incessante com uma crescente cultura
da morte. Neste sentido, não podemos sentir-nos dispensados dum empenho sempre renovado
no cuidar da vida, de todos e de cada um. 3. A questão do aborto, na complexidade
dos seus sintomas, na intensidade dos seus dramas, não se resolve num legítimo instrumento
democrático, como é o referendo, mas apela a uma dinâmica colectiva de solidariedade
com as mulheres, os pais, as famílias, que não descansa após a luta, em tantas situações,
desigual, a favor da vida e dos seus protagonistas, desde o apenas concebido até ao
ancião. 4. Neste momento, não posso deixar de referir a espontaneidade e ousadia
de portugueses e portuguesas que se organizaram para promover uma reflexão serena
e interpelar as consciências para uma tomada de posição responsável. Foi a hora dos
cristãos leigos. E bastaria esse empenho, independentemente do resultado, para me
alegrar, dizer-lhes um obrigado e expressar a minha convicção de que a Igreja pode
contar com esses movimentos para a permanente defesa da vida que começa sempre que
se anuncia a aurora de um novo ser, gerado e amado até à plenitude de um ocaso feliz.
Muito obrigado a todos vós que soubestes escolher as razões a favor da vida, que sabeis
viver o serviço à Vida, quando seria mais cómodo pactuar com as forças imperantes
da negligência, que pode ser traição mortal. 5. Já tive oportunidade de referir
com clareza que não é o facto de o Estado elaborar uma lei que torna o “intrinsecamente
mau” num bem para a sociedade. O que pode ser legal não é necessariamente moral; há
até situações em que o legal é imoral. Continuaremos, na linha de Jesus Cristo e do
Seu Evangelho, o Evangelho da Vida na expressão do saudoso Papa João Paulo II, a acolher,
a compreender, a perdoar a mulher que outros queriam condenar: “Mulher, ninguém te
condenou? Também Eu não te condeno; vai e não voltes a pecar”. O pecado pode ter acontecido,
mas Jesus manifesta solicitude de transformação do protagonista e ainda que não deixe
de dizer que é pecado, perdoa e transforma o pecador. Esta é a atitude profética da
Igreja: condenar com firmeza o erro e acolher, na misericórdia, o pecador. Este lema
não pode ser frase ideológica de uma campanha mas provocação permanente aos crentes.
E aí talvez a lei, qualquer lei, seja um acidente de percurso. Foram cinco As
razões para escolher a Vida propostas pelo Episcopado Português antes, bem antes,
duma campanha, na esperança de um esclarecimento das consciências. Cinco são os comentários
breves que o momento me oferece. Espero que para todos, crentes e não crentes, homens
políticos e simples cidadãos, esta hora seja de uma saudável provocação: Escolher
a vida não é apenas questão de um dia, nas mesas do voto, mas uma opção permanente
que dá sentido ao empenho do passado e aos desafios que estão aí à porta de cada um.
Nestes casos não há vencedores nem vencidos mas homens e mulheres que apostam e arriscam
a vida pela vida e querem lutar, dum modo persistente, para que as causas dos males
sociais deixem de continuar a provocar vítimas. O pessimismo não é a melhor solução
nem o melhor conselheiro. Perante os inúmeros e dramáticos problemas que afligem a
sociedade portuguesa, a Igreja continuará a procurar ser denúncia profética e solidariedade
activa. Porque o “homem é o caminho quotidiano da Igreja” (João Paulo II) estamos
com tudo o que é humano e nada do que é humano nos é alheio. Continuaremos na alegria
duma esperança geradora dum mundo de maior dignidade para todos, porque esta é a vocação
do homem no horizonte do Amor que é Deus (Bento XVI, Deus charitas est). + Jorge
Ferreira da Costa Ortiga Arcebispo Primaz de Braga