Cidade do Vaticano, 24 dez (RV) - Homilia de S. Santidade, Bento XVI, para
a Missa do Galo Amados irmãos e irmãs!
Acabamos de ouvir no Evangelho
a palavra que os Anjos, na Noite santa, disseram aos pastores e que agora a Igreja
grita para nós: "Nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é o Messias
Senhor. Isso vos servirá de sinal: achareis um Menino envolto em panos e deitado numa
manjedoura" (Lc 2,11 ss). Nada de maravilhoso, nada de extraordinário, nada de magnífico
é dado como sinal aos pastores. Verão só um menino envolto em panos que, como todos
os meninos, precisa dos cuidados maternos; um menino que nasceu num estábulo e, por
isso, não está deitado num berço, mas numa manjedoura. O sinal de Deus é o menino
carente de ajuda e pobre. Os pastores, somente com o coração, poderão ver que neste
menino tornou-se realidade a promessa do profeta Isaías, que escutamos na primeira
leitura: "Um Menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido. Tem o poder sobre
os ombros" (Is 9,5). A nós também não e nos dado um sinal distinto. O anjo de Deus,
mediante a mensagem do Evangelho, nos convida também a encaminhar-nos com o coração
para ver o menino que jaz na manjedoura.
O sinal de Deus é a simplicidade.
O sinal de Deus é o menino. O sinal de Deus é que Ele faz-se pequeno por nós. Este
é o seu modo de reinar. Ele não vem com poder e grandiosidades externas. Ele vem como
menino - inerme e necessitado da nossa ajuda. Não nos quer dominar com a força. Tira-nos
o medo da sua grandeza. Ele pede o nosso amor: por isso faz-se menino. Nada mais quer
de nós senão o nosso amor, mediante o qual aprendemos espontaneamente a entrar nos
seus sentimentos, no seu pensamento e na sua vontade - aprendemos a viver com Ele
e a praticar com Ele a humildade da renúncia que faz parte da essência do amor. Deus
fez-se pequeno a fim de que nós pudéssemos compreendê-Lo, acolhê-Lo, amá-Lo. Os Padres
da Igreja, na sua tradução grega do Antigo Testamento, encontravam uma palavra do
profeta Isaías que Paulo também cita para mostrar como os novos caminhos de Deus já
fossem anunciados no Antigo Testamento. Assim se lia: "Deus tornou breve a sua Palavra,
Ele abreviou-a" (Is 10,23; Rom 9,28). Os Padres interpretavam num duplo sentido. O
mesmo Filho é a Palavra, o Logos; a Palavra eterna fez-se pequena - tão pequena a
ponto de caber numa manjedoura. Fez-se menino, para que a Palavra possa ser compreendida
por nós. Assim, Deus nos ensina a amar os pequeninos. Assim nos ensina a amar os frágeis.
Deste modo, nos ensina a respeitar as crianças. O menino de Belém dirige o nosso olhar
a todas as crianças que sofrem e que sofrem abusos no mundo, os nascidos e os não
nascidos. Dirige-o a crianças que, como soldados, são introduzidas num mundo de violência;
a crianças que são obrigadas a mendigar; a crianças que sofrem a miséria e a fome;
a crianças que não experimentam sequer amor. Nelas todas é o menino de Belém que nos
interpela; interpela-nos o Deus que se fez pequeno. Rezemos nesta noite, para que
o esplendor do amor de Deus acaricie todos estas crianças, e peçamos-lhe que nos ajude
a fazer o que podamos para que seja respeitada a dignidade das crianças; para que
desponte a luz do amor da qual mais precisa o homem, e não das coisas materiais necessárias
para viver.
Com isso chegamos ao segundo significado que os Padres encontraram
na frase: "Ele abreviou-a". A Palavra que Deus nos comunica nos livros da Sagrada
Escritura, ao longo dos tempos, tornou-se extensa. Extensa e complicada não só para
as pessoas simples e analfabetas, mas inclusive muito mais para os entendidos de Sagrada
Escritura, para os doutos que, claramente, perdiam-se nas particularidades e nos respectivos
problemas, sem quase conseguir mais encontrar uma visão de conjunto. Jesus "abreviou"
a Palavra - fez-nos rever a sua mais profunda simplicidade e unidade. Tudo aquilo
que nos ensina a Lei e os profetas está resumido - Ele diz - na palavra: "Amarás ao
Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente
[...] Amarás a teu próximo como a ti mesmo" (Mt 22, 37-40). Está tudo aí - toda a
fé se resolve neste único ato de amor que abraça Deus e os homens. Logo a seguir,
porém, surgem as perguntas: como podemos amar Deus com toda a nossa mente, se nos
custa encontrá-lo com a nossa capacidade metal? Como amá-Lo com todo o nosso coração
e a nossa alma, se este coração consegue entrevê-Lo só de longe e contempla tantas
coisas contraditórias no mundo que velam o seu rosto diante de nós? Neste ponto se
encontram os dois modos com os quais Deus "abreviou" a sua Palavra. Ele não está mais
longe. Não é mais desconhecido. Não é inalcançável para o nosso coração. Fez-se menino
por nós e, com isso, dissolveu toda ambigüidade. Fez-se o nosso próximo, restabelecendo
também deste modo a imagem do homem que, com freqüência, se nos revela tão pouco amável.
Deus, por nós, fez-se dom. Doou-se a si próprio. Perde tempo conosco. Ele, o Eterno
que supera o tempo, assumiu o tempo, atraiu a si próprio para o alto o nosso tempo.
O Natal veio a ser a festa dos dons para imitar Deus que por nós doou-se a si próprio.
Deixemos que o nosso coração, a nossa alma e a nossa mente fiquem tocados por este
fato! Entre os inúmeros dons que compramos e recebemos não esqueçamos o verdadeiro
dom: de nos doarmos mutuamente algo de nós próprios! De nos doarmos mutuamente o nosso
tempo. De abrir o nosso tempo para Deus. Assim desvanece-se a agitação. Deste modo
brota a alegria, assim se cria a festa. E lembremos nos banquetes festivos destes
dias a palavra do Senhor: "Quando deres um banquete, não convides os que, por sua
vez, vão retribuir-te, mas convida os que não são convidados por ninguém e não poderão
convidar-te" (cf. Lc 14,12-14). Isso também significa precisamente: Quando deres um
presente de Natal não o faças só aos que, por sua vez, te fazem presentes, mas fá-lo
aos que não o recebem de ninguém e que nada podem retribuir-te. Assim mesmo fez o
Senhor: Ele nos convida ao seu banquete de bodas, que não podemos retribuir, mas só
receber com alegria. Imitemo-lo! Amemos a Deus e, por Ele, também ao homem, para depois
redescobrir a Deus, a partir dos homens, de um novo modo!
Surge, enfim, ainda
um terceiro significado da afirmação sobre a Palavra feita "breve" e "pequena". Aos
pastores foi dito que teriam encontrado o menino numa manjedoura para animais, que
eram os verdadeiros habitantes do estábulo. Lendo Isaías (1,3) os Padres deduziram
que junto à manjedoura de Belém estavam um boi e um asno. Interpretaram assim o texto
no sentido de que haveria um símbolo dos judeus e dos pagãos - portanto, de toda a
humanidade - que, uns e outros, necessitam, ao seu modo, de um salvador: daquele Deus
que se fez menino. O homem, para viver, precisa de pão, do fruto da terra e do seu
trabalho. Mas não vive só de pão. Precisa de alimento para a sua alma: precisa de
um sentido que encha a sua vida. Por isso, segundo os Padres, a manjedoura dos animais
veio a ser o símbolo do altar, sobre o qual jaz o Pão que é o mesmo Cristo: o verdadeiro
alimento para os nossos corações. Uma vez mais vemos como Ele se fez pequeno: na humilde
aparência da hóstia, de um pedacinho de pão, Ele se nos doa si próprio.
De
tudo isso nos diz o sinal que foi dado aos pastores e que nos vem dado: o menino nos
foi dado; o menino no qual Deus se fez pequeno por nós. Rezemos ao Senhor para que
nos dê a graça de ver nesta noite o presépio com a simplicidade dos pastores, para
receber assim a alegria com a qual eles voltam para casa (cf. Lc 2,20). Peçamos que
nos dê a humildade e a fé com a qual São José contemplou o menino que Maria tinha
concebido pelo Espírito Santo. Peçamos que nos ajude a vê-Lo com aquele amor com que
Maria o contemplava. E, assim, peçamos por que a luz que viram os pastores, também
nos ilumine e que se cumpra em todo o mundo aquilo que os anjos cantaram naquela noite:
"Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens por Ele amados". Amém.