"Deus vem": homilia de Bento XVI nas I Vésperas do I Domingo do Advento, em S. Pedro
Eis o texto integral da homilia do Santo Padre: A primeira antífona desta celebração
vespertina apresenta-se como abertura do tempo do Advento e ressoa como antífona de
todo o ano litúrgico. Escutemo-la de novo: “Anunciai aos povos: Eis que Deus vem,
o nosso Salvador”. No início de um novo ciclo anual, a liturgia convida a Igreja a
renovar o seu anúncio a todas as gentes e resume-o em duas palavras: “Deus vem”. Esta
expressão tão sintética contém uma força de sugestão sempre nova. Detenhamo-nos um
momento a reflectir. Não se usa o passado (Deus veio), nem o futuro (Deus virá), mas
sim o presente: “Deus vem”. Trata-se, na realidade, de um presente contínuo, isto
é, de uma acção sempre em acto: aconteceu, acontece agora e acontecerá ainda. Em qualquer
momento, “Deus vem”. O verbo “vir” aparece aqui como um verbo “teológico”, até mesmo
“teologal”, porque diz algo que refere a própria natureza de Deus. Anunciar que “Deus
vem” equivale, portanto, a anunciar simplesmente o próprio Deus, através de um seu
dado essencial e qualificante: o seu ser o Deus-que-vem. O Advento chama os cristãos
a tomar consciência desta verdade e a agir em consequência. Ressoa como um apelo salutar
no repetir-se dos dias, das semanas, dos meses: Desperta! Recorda-te que Deus vem!
Não ontem, não amanhã, mas hoje, agora mesmo! O único Deus verdadeiro, “o Deus de
Abraão, de Isaac e de Jacob”, não é um Deus que está lá no céu, indiferente a nós
e à nossa história, mas é o-Deus-que-vem. É um Pai que nunca cessa de pensar em nós
e, no máximo respeito da nossa liberdade, deseja encontrar-nos e visitar-nos. Quer
vir, permanecer no meio de nós, ficar connosco. O seu “vir” é animado pela vontade
de nos libertar do mal e da morte, de tudo o que impede a nossa verdadeira felicidade.
Deus vem a salvar-nos. Os Padres da Igreja observam que o “vir” de Deus – contínuo
e, por assim dizer – conatural ao seu próprio ser – se concentra nas duas principais
vindas de Cristo, a da sua Incarnação e a do seu retorno glorioso no final da história.
O tempo de Advento vive todo desta polaridade. Nos primeiros dias, o acento cai na
expectativa da última vinda do Senhor, como demonstram também os textos desta celebração
vespertina de hoje. Depois, à medida que nos aproximaremos do Natal, prevalecerá pelo
contrário a memória do acontecimento de Belém, para nele reconhecermos a “plenitude
do tempo. Entre estas duas vindas “manifestas”, pode-se identificar mais uma terceira
vinda, que São Bernardo chama “intermédia” e “oculta”, a qual tem lugar na alma dos
crentes e lança como que uma “ponte” entre a primeira e a última. “Na primeira – escreve
S. Bernardo, Cristo foi a nossa redenção; na última, manifestar-se-á como nossa vida;
nesta, é nosso repouso e consolação. Por esta vinda de Cristo, que poderíamos chamar
“incarnação espiritual”, o arquétipo é sempre Maria. Como a Virgem Maria guardou no
seu coração o Verbo feito carne, assim cada alma e toda a Igreja são chamadas, na
sua peregrinação terrena, a aguardar Cristo que vem e a acolhê-lo com fé e amor sempre
renovados. Assim, a liturgia do Advento mostra como a Igreja dá voz à espera
de Deus profundamente inscrita na história da humanidade. Uma expectativa infelizmente
demasiadas vezes sufocada ou desviada em falsas direcções. Corpo misticamente unido
a Cristo Cabeça, a Igreja é sacramento, isto é, sinal e instrumento eficaz também
desta espera de Deus. Numa medida que só Ele conhece, a comunidade cristã pode apressar
a sua vinda final, ajudando a humanidade a ir ao encontro do Senhor que vem. E faz
isto antes de mais, mas não só, com a oração. Essenciais e inseparáveis da oração
são as “boas obras”, como recorda a oração deste primeiro Domingo do Advento, com
a qual pedimos ao Pai celeste que suscite em nós “a vontade de ir com as boas obras
ao encontro” de Cristo que vem. Nesta perspectiva, o Advento é mais do que nunca apropriado
para ser um tempo vivido em comunhão com todos os que – e graças a Deus muitos são
– esperam num mundo mais justo e mais fraterno. Neste empenho pela justiça podem em
certa medida reencontrar-se conjuntamente homens de todas as nacionalidades e culturas,
crentes e não crentes. Todos são de facto animados por uma aspiração comum, embora
diferente nas motivações, em direcção a um futuro de justiça e de paz. A paz é
a meta a que aspira toda a humanidade! Para os crentes, “paz” é um dos mais belos
nomes de Deus, que deseja o entendimento de todos os seus filhos, como tive ocasião
de recordar também na peregrinação dos últimos dias, na Turquia. Um canto de paz ressoou
nos céus quando Deus se fez homem e nasceu de uma mulher, na plenitude do tempo –
despertando nos nossos corações a espera do Deus-que-vem e a esperança que o seu Nome
seja santificado, que venha o seu Reino de justiça e de paz, que seja feita a sua
Vontade assim na terra como no Céu. Nesta espera, deixemo-nos guiar pela Virgem
Maria, Mãe do Deus-que-vem, Mãe da Esperança. Maria, que dentro de dias celebraremos
Imaculada, nos obtenha ser encontrados santos e imaculados no amor, quando vier nosso
Senhor Jesus Cristo, ao qual, com o Pai e o Espírito, seja dado louvor e glória nos
séculos dos séculos. Ámen.