Razões para escolher a vida: a nota pastoral do conselho permanente da confereência
episcopal portuguesa sobre o referendo ao aborto
1. A Assembleia da República decidiu sujeitar, mais uma vez, a referendo popular o
alargamento das condições legais para a interrupção voluntária da gravidez, acto vulgarmente
designado por aborto voluntário. Esta proposta já foi rejeitada em referendo anterior,
embora a percentagem de opiniões expressas não tivesse sido suficiente para tornar
a escolha do eleitorado constitucionalmente irreversível, o que foi aproveitado pelos
defensores do alargamento legal do aborto voluntário. Nós, Bispos Católicos, sentimos
perplexidade acerca desta situação. Antes de mais porque acreditamos, como o fez a
Igreja desde os primeiros séculos, que a vida humana, com toda a sua dignidade, existe
desde o primeiro momento da concepção. Porque consideramos a vida humana um valor
absoluto, a defender e a promover em todas as circunstâncias, achamos que ela não
é referendável e que nenhuma lei permissiva respeita os valores éticos fundamentais
acerca da Vida, o que se aplica também à Lei já aprovada. Uma hipotética vitória do
“não” no próximo referendo não significa a nossa concordância com a Lei vigente. 2.
Para os fiéis católicos o aborto provocado é um pecado grave porque é uma violação
do 5º Mandamento da Lei de Deus, “não matarás”, e é-o mesmo quando legalmente permitido.
Mas este mandamento limita-se a exprimir um valor da lei natural, fundamento de
uma ética universal. O aborto não é, pois, uma questão exclusivamente da moral religiosa;
ele agride valores universais de respeito pela vida. Para os crentes acresce o facto
de, na Sua Lei, Deus ter confirmado que esse valor universal é Sua vontade. Não
podemos, pois, deixar de dizer aos fiéis católicos que devem votar “não” e ajudar
a esclarecer outras pessoas sobre a dignidade da vida humana, desde o seu primeiro
momento. O período de debate e esclarecimento que antecede o referendo não é uma qualquer
campanha política, mas sim um período de esclarecimento das consciências. A escolha
no dia do referendo é uma opção de consciência, que não deve ser influenciada por
políticas e correntes de opinião. Nós, os Bispos, não entramos em campanhas de tipo
político, mas não podemos deixar de contribuir para o esclarecimento das consciências.
Pensamos particularmente nos jovens, muitos dos quais votam pela primeira vez e para
quem a vida é uma paixão e tem de ser uma descoberta. Assim enunciamos, de modo
simples, as razões para votar “não” e escolher a Vida: 1ª. O ser humano está todo
presente desde o início da vida, quando ela é apenas embrião. E esta é hoje uma certeza
confirmada pela Ciência: todas as características e potencialidades do ser humano
estão presentes no embrião. A vida é, a partir desse momento, um processo de desenvolvimento
e realização progressiva, que só acabará na morte natural. O aborto provocado, sejam
quais forem as razões que levam a ele, é sempre uma violência injusta contra um ser
humano, que nenhuma razão justifica eticamente. 2ª. A legalização não é o caminho
adequado para resolver o drama do “aborto clandestino”, que acrescenta aos traumas
espirituais no coração da mulher-mãe que interrompe a sua gravidez, os riscos de saúde
inerentes à precariedade das situações em que consuma esse acto. Não somos insensíveis
a esse drama; na confidencialidade do nosso ministério conhecemos-lhe dimensões que
mais ninguém conhece. A luta contra este drama social deve empenhar todos e passa
por um planeamento equilibrado da fecundidade, por um apoio decisivo às mulheres para
quem a maternidade é difícil, pela dissuasão de todos os que intervêm lateralmente
no processo, frequentemente com meros fins lucrativos. 3ª. Não se trata de uma
mera “despenalização”, mas sim de uma “liberalização legalizada”, pois cria-se um
direito cívico, de recurso às instituições públicas de saúde, preparadas para defender
a vida e pagas com dinheiro de todos os cidadãos. “Penalizar” ou “despenalizar”
o aborto clandestino, é uma questão de Direito Penal. Nunca fizemos disso uma prioridade
na nossa defesa da vida, porque pensamos que as mulheres que passam por essa provação
precisam mais de um tratamento social do que penal. Elas precisam de ser ajudadas
e não condenadas; foi a atitude de Jesus perante a mulher surpreendida em adultério:
“alguém te condenou?... Eu também não te condeno. Vai e doravante não tornes a pecar”.
Mas nem todas as mulheres que abortam estão nas mesmas circunstâncias e há outros
intervenientes no aborto que merecem ser julgados. É que tirar a vida a um ser humano
é, em si mesmo, criminoso. 4ª. O aborto não é um direito da mulher. Ninguém tem
direito de decidir se um ser humano vive ou não vive, mesmo que seja a mãe que o acolheu
no seu ventre. A mulher tem o direito de decidir se concebe ou não. Mas desde que
uma vida foi gerada no seu seio, é outro ser humano, em relação ao qual tem particular
obrigação de o proteger e defender. 5ª. O aborto não é uma questão política, mas
de direitos fundamentais. O respeito pela vida é o principal fundamento da ética,
e está profundamente impresso na nossa cultura. É função das leis promoverem a prática
desse respeito pela vida. A lei sobre a qual os portugueses vão ser consultados em
referendo, a ser aprovada, significa a degenerescência da própria lei. Seria mais
um caso em que aquilo que é legal não é moral. 3. Pedimos a todos os fiéis católicos
e a quantos partilham connosco esta visão da vida, que se empenhem neste esclarecimento
das consciências. Façam-no com serenidade, com respeito e com um grande amor à vida.
E encorajamos as pessoas e instituições que já se dedicam generosamente às mães em
dificuldade e às próprias crianças que conseguiram nascer. Lisboa, 19 de Outubro
de 2006