Uma sentida evocação dos milhões de vítimas do campo de concentração de Auschwitz
(“lugar de horror, de cúmulo de crimes contra Deus e contra o homem”) e ao mesmo tempo
um “grito ao Deus vivo para que nunca mais permite semelhante coisa”: nas palavras
de Bento XVI, domingo à tarde, na última etapa da sua “peregrina
O Papa alemão começou por sublinhar a dificuldade de exprimir por palavras os sentimentos
e ideias suscitados por esta visita. Se João Paulo II visitou Auschwitz “como filho
do povo polaco”, o Papa Ratzinger afirmou deslocar-se ali “como filho do povo alemão”,
como “filho daquele povo sobre o qual um grupo de criminosos alcançou o poder através
de falsas promessas, em nome de perspectivas de grandeza, de recuperação da honra
da nação e da sua importância, com previsões de bem-estar e também com a força do
terror e da intimidação, de tal modo que o nosso povo pode ser usado e abusado como
instrumento das suas pretensões de destruição e de domínio”.
“Encontro-me
hoje aqui – declarou Bento XVI – para implorar a graça da reconciliação – antes de
mais nada de Deus, o único que pode abrir e purificar os corações; e depois também
dos homens que aqui sofreram; e finalmente a graça da reconciliação para todos os
que nesta hora da nossa história sofrem de modo novo sob o poder do ódio e sob a violência
fomentada pelo ódio”.
Evocando as lápides das vítimas que pereceram neste
campo de horror, o Papa sublinhou que elas “abalam a nossa memória, abalam o nosso
coração”, mas não devem suscitar o ódio, mas sim a coragem do bem, da resistência
contra o mal, o amor: “Não querem provocar em nós o ódio: ao contrário, demonstram-nos
até que ponto é terrível a obra do ódio. Querem levar a razão a reconhecer o mal como
mal e a recusá-lo; querem suscitar em nós a coragem do bem, da resistência contra
o mal. Querem levar-nos àqueles sentimentos que se exprimem nas palavras que Sófocles
coloca nos lábios de Antígona perante o horror que a circunda: Estou aqui não para
odiar conjuntamente, mas para – juntos –amar”.
A grande pergunta que sempre
emerge neste lugar – observou o Papa – é: “Onde estava Deus naqueles dias? Por que
é que se calou? Como pôde tolerar aquele excesso de destruição, este triunfo do mal?”
Evocando o Salmo 44, lamento de Israel no meio da tribulação suprema, o Pontífice
alargou o seu horizonte a todo o que sofre de modo desamparado e grita para Deus,
sem pretender ser seu juiz:
“Este grito de angústia que Israel sofredor eleva
a Deus em períodos de extrema angústia é ao mesmo tempo o grito de todos os que no
decurso da história – ontem, hoje e amanhã – sofrem por amor de Deus, por amor da
verdade e do bem; e muitos são, também hoje. Nós não podemos perscrutar o segredo
de Deus – vemos apenas fragmentos e erramos se queremos tornar-nos juízes de Deus
e da história. Não defenderemos assim o homem, contribuiremos apenas para a sua destruição.
Não, em última análise, temos que continuar a gritar para Deus, com humildade e insistência:
Desperta! Não esqueças a tua criatura, o homem! E o nosso grito a Deus deve ser ao
mesmo tempo um grito que penetra no nosso próprio coração para que desperte em nós
a sua presença escondida– para que aquele poder que Ele depositou nos nossos corações
não fique coberto e sufocado em nós pela lama do egoísmo, do medo dos homens, da indiferença,
do oportunismo”.
“Nós gritamos para Deus (acrescentou ainda Bento XVI)
para que leve os homens a emendar-se, reconhecendo que a violência não cria a paz,
mas suscita apenas outra violência – uma espiral de destruições”. “O Deus em que
nós acreditamos é um Deus da razão, mas que não é, está claro, uma neutra matemática
do universo, pois que é inseparável do bem, do amor. Nós rezamos a Deus e gritamos
aos homens para que esta razão, a razão do amor e do reconhecimento da força da reconciliação
e da paz, prevaleça sobre as ameaças da irracionalidade ou de uma falsa razão, separada
de Deus”.
Classificando Auschwitz como “um lugar da memória”, Bento XVI
observou que “o passado nunca é apenas passado”, pois que “nos diz respeito e nos
indica os caminhos a não seguir e os caminhos a percorrer”. Evocando (como fez a seu
tempo, em idêntica visita, João Paulo II), a variedade de línguas das lápides que
recordam as vítimas deste campo de concentração, o Papa recordou de modo especial
a língua hebraica, polaca, russa, alemã e a dos Sinti e Rom (ciganos). A propósito
do holocausto dos judeus, afirmou textualmente: “Os potentados do Terceiro Reich
queriam esmagar o povo hebraico na sua totalidade; eliminá-lo do elenco dos povos
da terra… No fundo, com a aniquilação deste povo, aqueles criminosos violentos pretendiam
matar aquele Deus que chamou Abraão, (aquele Deus) que, falando no Sinai, estabeleceu
os critérios orientativos da humanidade, que permanecem eternamente válidos… Com a
destruição de Israel queriam, ao fim e ao cabo, arrancar também a raiz em que se baseia
a fé cristã, substituindo-a definitivamente pela fé por eles criada, a fé no domínio
do homem, do potente”.
Uma referência quase final reservou-a ainda o Papa
alemão à lápide que evoca “Edith Stein, Teresa Benedita da Cruz, judia e alemã”. Os
alemães levados àquele campo de concentração e ali eliminados (observou) eram considerados
“o refugo da nação”. “Agora porém nós os reconhecemos com gratidão como testemunhas
da verdade e do bem, que também no nosso povo (alemão) não tinha desaparecido”. “Agradecemos
a estas pessoas, porque não se submeteram ao poder do mal e agora se apresentam diante
de nós como luzes numa noite obscura”, merecendo “profundo respeito e gratidão”. Uma
sentida evocação dos milhões de vítimas do campo de concentração de Auschwitz (“lugar
de horror, de cúmulo de crimes contra Deus e contra o homem”) e ao mesmo tempo um
“grito ao Deus vivo para que nunca mais permite semelhante coisa”: nas palavras de
Bento XVI, domingo à tarde, na última etapa da sua “peregrina