2006-05-12 14:57:56

Um desafio á Igreja a assumir a necessidade de mudanças no congresso dedicado a D. Antonio Ferreira Gomes


A Igreja Católica deve assumir o desafio de enfrentar um mundo em mudança, evitando cair na repetição de fórmulas e esquemas que não são percebidos nem valorizados pela sociedade actual. Este é um dos grandes apelos resultantes do Congresso Internacional evocativo do centenário do nascimento de D. António Ferreira Gomes (1906-1989), que hoje se concluiu no Porto.

Ao longo de três dias, diversos especialistas nacionais e internacionais debruçaram-se sobre o tema “Ser cristão na sociedade, aqui e no futuro”, procurando retirar implicações práticas do legado oferecido pelo “famoso Bispo do Porto”, como dizia João Paulo II.

Na sessão de encerramento, D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa e membro da Comissão Científica do Congresso, destacou “o sentido da vida e o rigor mental de um cristão a sério, que foi verdadeiro bispo e figura rara da Igreja”.

A homenagem a D. António Ferreira Gomes passou, sobretudo, por procurar novas perspectivas para a o futuro da Igreja e da sociedade, respeitando o seu legado. Nesse sentido, D. Carlos Azevedo frisou que “é urgente e sempre necessário passar a religião pela crítica, na permanente procura da verdade”.

Lembrando a carta de António Ferreira Gomes a “um jovem padre da Igreja deste tempo” (único escrito do género epistolar em que o Bispo do Porto trata o destinatário por tu), o Bispo Auxiliar de Lisboa assegura que “os cristãos, sejam eles leigos ou religiosos, diáconos ou padres ou bispos, são credíveis se tiverem razão de ser, se aparecerem como aquilo que são perante si próprios e perante a sociedade”.



Relativismo e secularização

O desafio é maior, para os cristãos, quando eles se deparam com a crise actual do mundo ocidental secularizado, em que pontifica a “cultura da trivialidade” e o relativismo. “Um maior nível cultural, técnico-cientifico, uma maior consciência da liberdade e da dignidade do ser humano, uma maior sensibilidade social, aliada a uma mentalidade pragmática, podem favorecer a conclusão de que Deus é supérfluo”, alerta D. Carlos Azevedo.

O perigo está também presente na “diversificação de propostas ideológicas, inserida no cultivo da diferença e da pluralidade”, que relativiza a escolha de uma opção e “faz com que dependa unicamente da estrutura da personalidade”.

Este quadro de progressiva autonomia e de novos protagonismos desafia a Igreja a compreender, segundo o Bispo Auxiliar de Lisboa, que “repetir esquemas perante as enormes mudanças e rápidas alterações culturais e socio-económicas é ridículo, insignificante”.

“Ser cristão ou não parece ser indiferente dentro do relativismo, que encontra algo de bom em todas as opções”, observa D. Carlos Azevedo.

O caminho, por isso, “passa por configurar com audácia o futuro, a partir do melhor do passado, sem idolatrar a tradição ou a repetir servilmente”.

“Quando as mediações não são significativas na história, na cultura e para o ser humano, algo tem de ser revisto, repensado. Foi esse o serviço que D. António realizou e nos legou”, apontou.



Presença cultural e política

As dificuldades que se colocam ao anúncio da mensagem cristã, nos nossos dias, exigem uma atenção particular à sociedade em que os cristãos se inserem. “O que torna credível o nosso discurso (...) é a maneira como funciona na prática a representação concreta do divino. Não é possível isolar o funcionamento social da fé da sua representação teológica”, precisou D. Carlos Azevedo.

Entre os desafios que se colocam à Igreja está a resposta a uma cultura “que acentua o imaginário do êxito e do poder e a exultação do gozo desmedido como únicos objectivos da vida”. “A visão positiva do prazer e a humanização da sexualidade, com pleno sentido no amor, será um modo para cada cristão se reconciliar com o desejo e evitar tantos dramas afectivos, prevenir tantas consciências desfeitas”, disse o Bispo Auxiliar de Lisboa.

Na senda de D. António Ferreira Gomes, “ser cristão aqui e no futuro obriga-nos ao dever fundamental e primário de sermos livres”, explicou o membro da Comissão Científica do Congresso, alertando contra “o abuso do poder, utilizando o nome de Deus” e exigindo a tomada de posições políticas.

“D. António repetiu com clareza: «Dizer que não se faz política... é a pior maneira de a fazer»”, lembrou o prelado.

“Como educar concretamente, eficazmente, para uma cidadania participativa e responsável? Quem está a preparar a nova geração de políticos? Com que ética”, interrogou.

D. Carlos Azevedo foi ainda mais longe e deixou aos participantes no Congresso uma pergunta: “No futuro próximo, não será que teremos de apelar para a recomendação de D. António e assumirmos ser «desobedientes civis às dominações ilegítimas e às leis injustas»”.








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