A actualidade da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, na homilia da Celebração da Paixão
do Senhor, presidida na Sé de Lisboa pelo Cardeal Patriarca D. José Policarpo
Nesta Sexta-Feira Santa, em que todos os cristãos se reúnem, em silêncio recolhido,
para meditar na Paixão do Senhor e adorar a Sua Cruz, uma pergunta inquieta o nosso
coração: que sentido tem, hoje, a Cruz de Cristo? Ele voltaria a morrer pelo nosso
mundo? Quantos, ao contemplarem a Cruz, têm consciência da actualidade do sacrifício
de Cristo e da sua importância salvífica para os homens de todos os tempos? Foi
com estas palavras que D. José Policarpo iniciou a homilia da Celebração da Paixão
do Senhor na Sé Patriarcal de Lisboa salientando em seguida que nesta solene Liturgia,
a Cruz ocupa o lugar mais nobre e verdadeiro que lhe pode ser reservado: a adoração.
Mas para muitos, ela é ornamento, peça de museu, sinal religioso sem lugar numa sociedade
marcada pelo laicismo. Há um ano, o Papa João Paulo II, a viver corajosamente o sacrifício
da própria vida, deixou-nos uma imagem indelével, grito silencioso da actualidade
da Cruz, que aperta contra o seu coração, pondo nela toda a esperança da sua vitória
sobre o sofrimento, oferecido, como o de Cristo, pela salvação do nosso mundo. Naquele
gesto com que abraça a Cruz do Senhor o Papa resume todo o seu incansável ministério,
ao serviço da Igreja e da humanidade. É do coração dos crentes que abraçam a Cruz
do Senhor, que brota a mais forte afirmação da actualidade da Cruz. O seu significado
profundo está no facto de ela se poder tornar, para cada um de nós, uma experiência
decisiva em que se decide o sentido da nossa vida. O Patriarca de Lisboa recordou
depois que algumas passagens da narração de São João, afirmam a actualidade do drama
do Calvário. Jesus foi executado em conjunto com outros dois condenados: “Ali O crucificaram
e com Ele mais dois: um de cada lado e Jesus no meio” (Jo. 19,18). Segundo a narração
de São Lucas, estes dois eram malfeitores, cumprindo o que tinha sido anunciado pelo
Profeta Isaías: “Foi-lhe dada sepultura entre os ímpios e um túmulo no meio de malfeitores”
(Is. 53,9). Este facto faz ressaltar o sacrifício do Justo inocente, que sublinha
a fecundidade misteriosa da Sua vida, oferecida para redenção dos pecadores. A reacção
daqueles dois malfeitores condenados, exprime o drama de todos os tempos. Perante
a morte de Cristo, o que é irremediavelmente grave não é o pecado praticado, mas a
impenitênca e a revolta perante o sofrimento. Um representa a multidão daqueles e
daquelas que são capazes de partir do seu pecado para um caminho novo de conversão
e de esperança. “Jesus lembra-te de mim quando estiveres no Teu Reino”; e a resposta
não se fez esperar: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso” (Lc. 23,42). O outro representa
todos os pecadores endurecidos no mal, revoltados com o sofrimento, incapazes da humildade
da esperança: “Se és o Messias, salva-Te a Ti mesmo e a nós” (Lc. 23,29). Perante
os males do mundo contemporâneo, injustiças, violências, mentira e ganância, o que
é dramática é a incapacidade de pessoas e grupos reconhecerem as suas acções erradas,
aceitarem a hipótese de mudar e encetar corajosamente o caminho da conversão. E
o sofrimento não oferecido, que provoca revolta e desespero, e não encontra sentido
na humildade e na generosa coragem de o oferecer? O Padre Teillard de Chardin escrevia
no fim da sua vida, impressionado pela dimensão dramática da nossa civilização: se
esta mole imensa de sofrimento humano fosse oferecida, o mundo daria um salto para
a frente, em direcção ao ponto Ómega, que é a libertação. Só Deus conhece a força
redentora do sofrimento oferecido, em união aos sofrimentos de Nosso Senhor Jesus
Cristo. ……………………