Radiografia preocupante de Portugal apresentada pela Comissão Nacional Justiça e Paz
A Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) apresentou uma radiografia preocupante da
situação do país, alertando para as situações de pobreza, desigualdade social, desemprego
e aumento da violência numa sociedade marcada, em larga medida, pelo desânimo e o
pessimismo.
Assim, a Comissão mostra-se preocupado com “a extensão e a severidade
da pobreza de uma parte considerável da população no nosso país (cerca de dois milhões),
associada a uma visível e muito gritante e crescente desigualdade na repartição da
riqueza, do rendimento e das oportunidades”.
Numa reflexão para a Quaresma
de 2006, intitulada «Recuperar a alegria de viver e o nosso compromisso com o mundo»,
os membros da Comissão apelam a profundas mudanças no plano social, político e económico.
“A frequência com que se invoca a inevitabilidade do devir, à escala mundial, e se
exaltam os riscos da crise económica tem servido para alimentar o comportamento egocêntrico
e insano, desencorajando a procura de caminhos alternativos e de soluções mais humanas,
face aos novos desafios”, refere o documento, apresentado em Lisboa.
A CNJP
quer dar um rosto a todas as situações problemáticas enunciadas ao longo do documento,
frisando que “a pobreza e a exclusão social não podem ser vistas, apenas, à luz fria
dos indicadores estatísticos”.
“Por detrás dos números, estão rostos e vidas
de homens, mulheres, crianças, jovens e idosos”, acrescenta o texto.
Em declarações
aos jornalistas, Manuela Silva, presidente da CNJP, deixou claro que considera “o
direito a não ser pobre, nos nossos dias, como um direito humano”.
Na conferência
de imprensa onde foi apresentado o documento, esta responsável pediu que se olhe para
“todas as vertentes” do problema da pobreza, desde a falta de rendimentos à questão
do urbanismo, passando pela precariedade do trabalho, as minorias étnicas e as situações
de “patologia social”.
Desigualdade e desconfiança
O documento
da CNJP condena a progressiva concentração da riqueza, observando que “por detrás
de uma grande desigualdade, está sempre uma injustiça gritante e um funcionamento
injusto de um sistema de organização da economia e da sociedade”.
Nesse sentido,
pede um maior empenho do Estado, dos partidos políticos, dos Media e da própria sociedade
civil nesta luta, da qual não se podem alhear “os cristãos e suas comunidades”, seja
pela denuncia das situações geradoras de pobreza, seja “no apoio e viabilização de
propostas que visem a erradicação da pobreza, no nosso país e no mundo”.
O
texto mostra-se particularmente crítico para com o “nível de remunerações de alguns
gestores públicos e privados”, num momento de “contenção de salários”. “Se não se
arrepiar caminho nesta desigualdade crescente, é de esperar um aumento da conflitualidade
social”, alerta a CNJP.
Para os membros da Comissão, é importante perceber
que “a proliferação de armas e o tráfico ilegal das mesmas encontram, neste contexto
de violência potencial, um terreno fértil”.
O documento lamenta que, neste
clima, cresça a desconfiança e o descrédito da política, com Manuela Silva a falar
mesmo em “ameaças de atentado à democracia”. Para a CNJP “é imperioso reverter este
panorama, eliminando os seus possíveis fundamentos. Em particular, é urgente credibilizar
a justiça no nosso País, tornando-a mais célere e responsável”.
Ao poder político
é pedido que não ignore a importância de acesso a bens públicos como á agua e saneamento
básico, serviços de saúde ou de educação. “Neste domínio, cabe aos cristãos uma particular
responsabilidade no sentido de defender a manutenção deste tipo de bens de interesse
geral na esfera não lucrativa”, defende a reflexão para a Quaresma de 2006.
Pela
dignificação do trabalho
Um dos pontos centrais do documento refere-se
ao desemprego e à crescente precarização do emprego, considerados como “um dos fenómenos
sociais mais preocupantes da nossa sociedade”.
Maria Eduarda Ribeiro, secretária
da CNJP, lembrou aos jornalistas que a pouca segurança no emprego e o problema do
“falso trabalho independente” têm um efeito pernicioso na propalada “flexibilização
do trabalho”, ao contrário do que poderia parecer.
O documento da CNJP alerta
para a situação do desemprego juvenil, em especial: “Muitas vezes com elevadas qualificações
universitárias, os jovens que não têm acesso ao primeiro emprego estão a desperdiçar
um recurso que, por sua natureza, não pode ser acumulado para ser utilizado mais tarde”.
Neste
quadro de reflexão, a Comissão pede uma repartição mais justa do emprego e questiona
“em alguns casos, o duplo (e às vezes triplo) emprego, ou o recurso excessivo ao trabalho
extraordinário”.
“Não seria possível, a nível local, incluindo as próprias
paróquias cuidar de ajudar os desempregados a criar para si próprios novos empregos
em actividades consideradas úteis do ponto de vista da colectividade ou mesmo em áreas
de produção de bens e serviços?”, pode ler-se.
O progressivo endividamento
das famílias e o aumento do stress nos ritmos de trabalho são outras das questões
levantadas pelo documento.
A CNJP aponta ainda para os dramas dos imigrantes,
tendo como pano de fundo os recentes acontecimentos em Ceuta e em Paris, exigindo
que estas pessoas “não continuem a ser presa fácil de alguns patrões sem escrúpulos
e sujeitas a uma sobre-exploração porque não têm documentos, não conhecem as leis
do País e as suas estruturas administrativas”. (Ecclesia)