2006-02-23 11:44:26

Radiografia preocupante de Portugal apresentada pela Comissão Nacional Justiça e Paz


A Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) apresentou uma radiografia preocupante da situação do país, alertando para as situações de pobreza, desigualdade social, desemprego e aumento da violência numa sociedade marcada, em larga medida, pelo desânimo e o pessimismo.

Assim, a Comissão mostra-se preocupado com “a extensão e a severidade da pobreza de uma parte considerável da população no nosso país (cerca de dois milhões), associada a uma visível e muito gritante e crescente desigualdade na repartição da riqueza, do rendimento e das oportunidades”.

Numa reflexão para a Quaresma de 2006, intitulada «Recuperar a alegria de viver e o nosso compromisso com o mundo», os membros da Comissão apelam a profundas mudanças no plano social, político e económico. “A frequência com que se invoca a inevitabilidade do devir, à escala mundial, e se exaltam os riscos da crise económica tem servido para alimentar o comportamento egocêntrico e insano, desencorajando a procura de caminhos alternativos e de soluções mais humanas, face aos novos desafios”, refere o documento, apresentado em Lisboa.

A CNJP quer dar um rosto a todas as situações problemáticas enunciadas ao longo do documento, frisando que “a pobreza e a exclusão social não podem ser vistas, apenas, à luz fria dos indicadores estatísticos”.

“Por detrás dos números, estão rostos e vidas de homens, mulheres, crianças, jovens e idosos”, acrescenta o texto.

Em declarações aos jornalistas, Manuela Silva, presidente da CNJP, deixou claro que considera “o direito a não ser pobre, nos nossos dias, como um direito humano”.

Na conferência de imprensa onde foi apresentado o documento, esta responsável pediu que se olhe para “todas as vertentes” do problema da pobreza, desde a falta de rendimentos à questão do urbanismo, passando pela precariedade do trabalho, as minorias étnicas e as situações de “patologia social”.

Desigualdade e desconfiança

O documento da CNJP condena a progressiva concentração da riqueza, observando que “por detrás de uma grande desigualdade, está sempre uma injustiça gritante e um funcionamento injusto de um sistema de organização da economia e da sociedade”.

Nesse sentido, pede um maior empenho do Estado, dos partidos políticos, dos Media e da própria sociedade civil nesta luta, da qual não se podem alhear “os cristãos e suas comunidades”, seja pela denuncia das situações geradoras de pobreza, seja “no apoio e viabilização de propostas que visem a erradicação da pobreza, no nosso país e no mundo”.

O texto mostra-se particularmente crítico para com o “nível de remunerações de alguns gestores públicos e privados”, num momento de “contenção de salários”. “Se não se arrepiar caminho nesta desigualdade crescente, é de esperar um aumento da conflitualidade social”, alerta a CNJP.

Para os membros da Comissão, é importante perceber que “a proliferação de armas e o tráfico ilegal das mesmas encontram, neste contexto de violência potencial, um terreno fértil”.

O documento lamenta que, neste clima, cresça a desconfiança e o descrédito da política, com Manuela Silva a falar mesmo em “ameaças de atentado à democracia”. Para a CNJP “é imperioso reverter este panorama, eliminando os seus possíveis fundamentos. Em particular, é urgente credibilizar a justiça no nosso País, tornando-a mais célere e responsável”.

Ao poder político é pedido que não ignore a importância de acesso a bens públicos como á agua e saneamento básico, serviços de saúde ou de educação. “Neste domínio, cabe aos cristãos uma particular responsabilidade no sentido de defender a manutenção deste tipo de bens de interesse geral na esfera não lucrativa”, defende a reflexão para a Quaresma de 2006.

Pela dignificação do trabalho

Um dos pontos centrais do documento refere-se ao desemprego e à crescente precarização do emprego, considerados como “um dos fenómenos sociais mais preocupantes da nossa sociedade”.

Maria Eduarda Ribeiro, secretária da CNJP, lembrou aos jornalistas que a pouca segurança no emprego e o problema do “falso trabalho independente” têm um efeito pernicioso na propalada “flexibilização do trabalho”, ao contrário do que poderia parecer.

O documento da CNJP alerta para a situação do desemprego juvenil, em especial: “Muitas vezes com elevadas qualificações universitárias, os jovens que não têm acesso ao primeiro emprego estão a desperdiçar um recurso que, por sua natureza, não pode ser acumulado para ser utilizado mais tarde”.

Neste quadro de reflexão, a Comissão pede uma repartição mais justa do emprego e questiona “em alguns casos, o duplo (e às vezes triplo) emprego, ou o recurso excessivo ao trabalho extraordinário”.

“Não seria possível, a nível local, incluindo as próprias paróquias cuidar de ajudar os desempregados a criar para si próprios novos empregos em actividades consideradas úteis do ponto de vista da colectividade ou mesmo em áreas de produção de bens e serviços?”, pode ler-se.

O progressivo endividamento das famílias e o aumento do stress nos ritmos de trabalho são outras das questões levantadas pelo documento.

A CNJP aponta ainda para os dramas dos imigrantes, tendo como pano de fundo os recentes acontecimentos em Ceuta e em Paris, exigindo que estas pessoas “não continuem a ser presa fácil de alguns patrões sem escrúpulos e sujeitas a uma sobre-exploração porque não têm documentos, não conhecem as leis do País e as suas estruturas administrativas”.
(Ecclesia)
 







All the contents on this site are copyrighted ©.