Unidade da fé em Deus e da caridade, na primeira Encíclica de Bento XVI, como ele
próprio explicou, nesta segunda-feira.
“A palavra amor está hoje em dia tão abusada que quase se tem medo de a deixar aflorar
aos lábios. E contudo é uma palavra primordial, expressão da realidade primordial:
não a podemos abandonar, temos que a retomar, purificar e restabelecer no seu esplendor
originário, para que possa iluminar a nossa vida”: palavras de Bento XVI, falando
da sua primeira Encíclica “Deus caritas est”, que será publicada na próxima quarta-feira,
dia 25. Dirigindo-se nesta segunda-feira aos participantes num Encontro promovido
pelo Conselho Pontifício “Cor Unum”, o Papa sublinhou que não há que contrapor fé
e caridade, nem “eros” e “ágape”, pois em Cristo, estão chamadas a ser vividas em
profunda unidade. Partindo de uma citação da “Divina Comédia”, de Dante, cantando
a Luz perene, que é o próprio Deus, mas que é ao mesmo tempo “o amor que move o sol
e as outras estrelas” e que se revela em três círculos que partindo do conhecimento
culminam no amor, o Papa sublinhou toda a novidade cristã, “a novidade que só o próprio
Deus nos podia revelar: a novidade de um amor que levou Deus a assumir um rosto humano,
a assumir carne e sangue, a assumir todo o ser humano”. Assim, “o eros de Deus não
é apenas uma força cósmica primordial; é amor que criou o homem e se inclina sobre
ele, como se inclinou o bom Samaritano para com o homem ferido e despojado, que jaz
à margem da estrada que descia de Jerusalém para Jericó”.
“A palavra amor
está hoje em dia tão deturpada, tão gasta, tão abusada, que uma pessoa quase tem medo
de a deixar aflorar aos lábios. E contudo é uma palavra primordial, expressão da realidade
primordial; não podemos pô-la de lado, devemos antes retomá-la, purificá-la, restabelecê-la
no seu esplendor originário, para que possa iluminar a nossa vida e conduzi-la ao
recto caminho. Foi este consciência que me levou a escolher o amor como tema da minha
primeira Encíclica”.
E isso – prosseguiu o Papa – para “que a fé se torne
uma visão-compreensão que nos transforma. Era minha intenção pôr em evidência a centralidade
da fé em Deus – naquele Deus que assumiu um rosto humano e um coração humano.
“A
fé não é uma teoria que se pode fazer própria ou pôr de lado. É uma coisa muito concreta:
é o critério que decide sobre o nosso estilo de vida. Numa época em que a hostilidade
e a avidez se tornaram superpotências, numa época em que assistimos ao abuso da religião
até à apoteose do ódio, a mera racionalidade neutra não é capaz de nos proteger. Temos
necessidade do Deus vivo, que nos amou até à morte”.
Bento XVI explicou
que nesta sua Encíclica, os temas “Deus”, “Cristo” e “Amor” se fundem conjuntamente
como guia central da fé cristã. Era seu desejo “mostrar a humanidade da fé, de que
faz parte o eros. Aliás, observa, “a ágape cristã, o amor pelo próximo no seguimento
de Cristo, não algo de alheio, situado ao lado ou mesmo contra o eros; mais ainda:
no sacrifício que Cristo fez de si a favor do homem, encontrou uma nova dimensão que,
na história da dedicação caritativa dos cristãos aos pobres e aos que sofrem, se foi
desenvolvendo cada vez mais.
O Papa fez questão de sublinhar a profunda
unidade com que deve ser lida toda a Encíclica, que consta de duas partes: uma primeira
parte teórica, que fala da essência do amor, e uma segunda parte que trata da caridade
eclesial, das organizações caritativas. “Porém, o que interessava era precisamente
a unidade dos dois temas que só se compreendem bem se vistos como uma só coisa.”
“A
organização eclesial da caridade não é uma forma de assistência social que se vem
a juntar casualmente à realidade da Igreja, uma iniciativa que se poderia deixar também
a outros. Não. Ela faz parte da natureza da Igreja. … A força da Caritas depende da
força da fé de todos os membros e colaboradores… O empenho caritativo tem um sentido
que vai bem para além da mera filantropia. É o próprio Deus que nos leva no nosso
íntimo a aliviar a miséria. Assim, em última análise, é Ele próprio que nós lavamos
ao mundo sofredor. Quanto mais consciente e claramente O levamos como dom, tanto mais
eficazmente o nosso amor transformará o mundo, despertando a esperança – uma esperança
que vai para além da morte”.