2006 ano internacional dos desertos e desertificação
As Nações Unidas declararam 2006 como o Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação.
O fenómeno, que afecta anualmente mais de mil milhões de seres humanos, é «uma das
formas mais alarmantes de degradação do ambiente». E, também, um factor de pobreza.
O termo «desertificação» começou a ser utilizado no final da década de 40
para caracterizar as áreas que estavam a ficar semelhantes aos desertos. Durante muito
tempo discutiu-se se tal se devia apenas a processos naturais ou também à acção do
homem, discussão esta que está longe de ser meramente académica, pois pode influenciar
a definição de políticas que afectam a vida de todos os habitantes da Terra.
Finalmente,
o conceito foi negociado durante a Conferência do Rio, em 1992, e, hoje, a definição
dada pelas Nações Unidas engloba as duas causas essenciais do fenómeno: desertificação
é «a degradação da terra das zonas áridas, semiáridas e sub-húmidas secas, resultante
de factores diversos, como as variações climáticas e as actividades humanas».
Hoje
em dia, calcula-se que 1000 milhões de pessoas – um sexto da população mundial – estejam
ameaçadas pela desertificação em todo o planeta. E a Terra corre o risco de ver 41
por cento da sua superfície transformada em deserto.
A desertificação ocorre
especialmente nas terras secas, onde o solo é particularmente frágil, a precipitação
é nula ou escassa e o clima severo. Calcula-se que 3600 milhões dos 5200 milhões de
hectares de terra árida utilizável para agricultura têm vindo a sofrer a erosão e
degradação dos solos, obrigando as populações a migrar para as cidades em busca da
sua subsistência, com o impacto económico e humano que isso inevitavelmente representa.
As
alterações climáticas podem desencadear processos de desertificação, mas muitas vezes
a causa próxima é a actividade humana: cultivos excessivos esgotam os solos, a desflorestação
elimina árvores que ajudariam a fixar os solos, o pastoreio em excesso priva a terras
do coberto vegetal.
Ao mesmo tempo, a desertificação cria condições que facilitam
os incêndios e os ventos fortes: as poeiras transportadas pelos ventos a partir do
deserto atingem a Europa e mesmo os Estados Unidos; ultimamente, os Cabo-Verdianos
já se habituaram a ver o seu arquipélago atingido pelas areias do Sara.
Mais
fome e mais pobreza
Os efeitos da desertificação são bem conhecidos: perda
de vegetação, a erosão provocada pelos ventos ou pelos rios, o empobrecimento dos
solos, a descida da produção agrícola e alimentar, a perda da biodiversidade, as catástrofes
relacionadas com o clima, incluindo os riscos para a saúde provocados pelas movimentações
de poeiras, o problema dos refugiados ecológicos, a perda de fontes de receita e até
mesmo a ruptura das estruturas sociais.
O empobrecimento dos solos provoca
perdas de fertilidade que, em alguns casos, chegam aos 50 por cento. Isso contribui
para agravar a insegurança alimentar, a fome e a pobreza – o que, por sua vez, gera
tensões sociais, económicas e políticas. De acordo com estimativas recentes, dos 1000
milhões de seres humanos afectados pela desertificação, 135 milhões poderão ver-se
obrigados a abandonar as suas terras para encontrar novos meios de subsistência.
Ao
contrário do que se possa pensar, a desertificação não é apenas um problema dos países
do Sul. E, ainda que o fosse, os seus efeitos transcendem largamente as suas fronteiras.
Calcula-se que 100 milhões de toneladas de poeiras oriundas dos desertos de África
são transportadas anualmente pelos ventos, através do Atlântico, em direcção a ocidente,
com todos os efeitos que isso poderá ter na saúde daqueles que as inalam.
Ainda
recentemente, o director do Departamento de Economia de uma universidade madrilena,
Carlos San Juan, afirmava que o Sara «atravessou» o estreito de Gibraltar e estava
a provocar uma crescente desertificação em zonas de Espanha, de Portugal e de Itália,
fenómeno que no futuro poderá vir a alastrar à Grécia e outras áreas do Mediterrâneo.
Desflorestação
compensada
Num relatório recente, a Organização para a Alimentação e Agricultura
(FAO) alertava que a desflorestação continua a um ritmo alarmante – perdem-se anualmente
13 milhões de hectares de floresta – mas que, ainda assim, a perda líquida de floresta
está a abrandar devido a novas plantações e à expansão das florestas existentes.
Entre
2000 e 2005, a perda líquida de floresta foi de 7,3 milhões de hectares por ano, menos
do que os 8,9 milhões de hectares perdidos entre 1990 e 2000. Ou seja, anualmente
desaparecem 0,18 por cento das florestas mundiais.
Num estudo intitulado «Avaliação
dos Recursos Florestais Globais 2005», que abrangeu 229 países e territórios e foi
realizado entre 1990 e 2005, a FAO pôde concluir que as florestas cobrem actualmente
4000 milhões de hectares (ou 30 por cento por cento) da superfície da Terra, mas que
somente dez países possuem dois terços daquele total: Austrália, Brasil, Canadá, China,
Estados Unidos, Federação Russa, Índia, Indonésia, Peru e República Democrática do
Congo.
A América do Sul foi a região que sofreu a maior perda de florestas
nos últimos cinco anos: cerca de 4,3 milhões de hectares por ano. Em segundo lugar
está o continente africano, que perdeu 4,0 milhões de hectares anualmente. Já na Europa,
as áreas florestais continuaram a expandir-se, embora a um ritmo mais lento do que
na década de 90, enquanto a Ásia passou de uma perda de 800 mil hectares anuais na
década de 90 para um ganho de um milhão de hectares por ano entre 2000 e 2005, principalmente
resultante do esforço de florestação feito pela China, onde as zonas desérticas representavam
há poucos anos quase 30 por cento da superfície do país.
Segundo o mesmo documento,
novas florestas e árvores estão a ser plantadas a um ritmo cada vez maior, mais ainda
assim as plantações não representam mais de cinco por cento de toda a área florestal
do planeta.
As conclusões deste relatório foram enviadas pela FAO aos governos
nacionais e especialistas em avaliação de recursos naturais, pois elas permitem «fundamentar
a tomada de decisões em matéria de política, programas e estudos sobre florestação
e desenvolvimento sustentável, tanto a nível local, como nacional e internacional»,
segundo frisou Mette Løyche Wilkie, a coordenadora do estudo.
Na Conferência
da ONU sobre Alterações Climáticas, que decorreu em Montreal, a FAO salientou que
a desflorestação representa o envio para a atmosfera de 2000 milhões de toneladas
de dióxido de carbono, ou seja, um quarto do total das emissões deste gás, um dos
que produzem o efeito de estufa, e disponibilizou-se para fornecer aos países dados
e opções de incentivos económicos para reduzir as perdas de florestas nos países em
desenvolvimento.
A FAO tem desempenhado um papel importante na implementação
da «Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação nos Países que Sofrem
Seca Grave e/ou Desertificação, Especialmente em África», aprovada em 1994 e que entrou
em vigor em Dezembro de 1996. Os projectos da FAO no terreno abrangem, designadamente,
o controlo da erosão, a melhoria do fornecimento de água, a gestão de florestas e
pastagens, a segurança alimentar e o desenvolvimento rural.
Perdas
astronómicas
Na mensagem que dirigiu por ocasião do Dia Mundial do Combate
à Desertificação, em Junho passado, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, classificou
a desertificação como «uma das formas mais alarmantes de degradação do ambiente».
Além de ameaçar a saúde e os meios de subsistência de uma parte considerável da Humanidade,
causa, juntamente com a seca, «uma perda da produção agrícola da ordem dos 42 mil
milhões de dólares».
Foi neste contexto que as Nações Unidas decidiram proclamar
2006 como o Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação, como uma oportunidade
para dar maior visibilidade a esta questão no âmbito da agenda ambiental.
Todos
os países e organizações da sociedade civil foram incentivados a desenvolver iniciativas
com vista a assinalar o ano. Do que já está programado, pode-se destacar, por exemplo,
conferências sobre «Juventude e Desertificação», agendada para Bamako (Mali), sobre
«Mulheres e Desertificação» (em Pequim), «Desertificação e Emigração» (Almeria, Espanha)
ou «Pobreza, Fome e Desertificação» (em Genebra). A culminar o Ano Internacional,
a Argélia será o país anfitrião de uma cimeira de Chefes de Estado sobre «Desertificação,
Migração e Segurança».
Ana Glória Lucas, Jornalista – in “Além-Mar”,
Janeiro 2006