2006-01-05 11:10:46

2006 ano internacional dos desertos e desertificação


As Nações Unidas declararam 2006 como o Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação. O fenómeno, que afecta anualmente mais de mil milhões de seres humanos, é «uma das formas mais alarmantes de degradação do ambiente». E, também, um factor de pobreza.

O termo «desertificação» começou a ser utilizado no final da década de 40 para caracterizar as áreas que estavam a ficar semelhantes aos desertos. Durante muito tempo discutiu-se se tal se devia apenas a processos naturais ou também à acção do homem, discussão esta que está longe de ser meramente académica, pois pode influenciar a definição de políticas que afectam a vida de todos os habitantes da Terra.

Finalmente, o conceito foi negociado durante a Conferência do Rio, em 1992, e, hoje, a definição dada pelas Nações Unidas engloba as duas causas essenciais do fenómeno: desertificação é «a degradação da terra das zonas áridas, semiáridas e sub-húmidas secas, resultante de factores diversos, como as variações climáticas e as actividades humanas».

Hoje em dia, calcula-se que 1000 milhões de pessoas – um sexto da população mundial – estejam ameaçadas pela desertificação em todo o planeta. E a Terra corre o risco de ver 41 por cento da sua superfície transformada em deserto.

A desertificação ocorre especialmente nas terras secas, onde o solo é particularmente frágil, a precipitação é nula ou escassa e o clima severo. Calcula-se que 3600 milhões dos 5200 milhões de hectares de terra árida utilizável para agricultura têm vindo a sofrer a erosão e degradação dos solos, obrigando as populações a migrar para as cidades em busca da sua subsistência, com o impacto económico e humano que isso inevitavelmente representa.

As alterações climáticas podem desencadear processos de desertificação, mas muitas vezes a causa próxima é a actividade humana: cultivos excessivos esgotam os solos, a desflorestação elimina árvores que ajudariam a fixar os solos, o pastoreio em excesso priva a terras do coberto vegetal.

Ao mesmo tempo, a desertificação cria condições que facilitam os incêndios e os ventos fortes: as poeiras transportadas pelos ventos a partir do deserto atingem a Europa e mesmo os Estados Unidos; ultimamente, os Cabo-Verdianos já se habituaram a ver o seu arquipélago atingido pelas areias do Sara.



Mais fome e mais pobreza

Os efeitos da desertificação são bem conhecidos: perda de vegetação, a erosão provocada pelos ventos ou pelos rios, o empobrecimento dos solos, a descida da produção agrícola e alimentar, a perda da biodiversidade, as catástrofes relacionadas com o clima, incluindo os riscos para a saúde provocados pelas movimentações de poeiras, o problema dos refugiados ecológicos, a perda de fontes de receita e até mesmo a ruptura das estruturas sociais.

O empobrecimento dos solos provoca perdas de fertilidade que, em alguns casos, chegam aos 50 por cento. Isso contribui para agravar a insegurança alimentar, a fome e a pobreza – o que, por sua vez, gera tensões sociais, económicas e políticas. De acordo com estimativas recentes, dos 1000 milhões de seres humanos afectados pela desertificação, 135 milhões poderão ver-se obrigados a abandonar as suas terras para encontrar novos meios de subsistência.

Ao contrário do que se possa pensar, a desertificação não é apenas um problema dos países do Sul. E, ainda que o fosse, os seus efeitos transcendem largamente as suas fronteiras. Calcula-se que 100 milhões de toneladas de poeiras oriundas dos desertos de África são transportadas anualmente pelos ventos, através do Atlântico, em direcção a ocidente, com todos os efeitos que isso poderá ter na saúde daqueles que as inalam.

Ainda recentemente, o director do Departamento de Economia de uma universidade madrilena, Carlos San Juan, afirmava que o Sara «atravessou» o estreito de Gibraltar e estava a provocar uma crescente desertificação em zonas de Espanha, de Portugal e de Itália, fenómeno que no futuro poderá vir a alastrar à Grécia e outras áreas do Mediterrâneo.



Desflorestação compensada

Num relatório recente, a Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) alertava que a desflorestação continua a um ritmo alarmante – perdem-se anualmente 13 milhões de hectares de floresta – mas que, ainda assim, a perda líquida de floresta está a abrandar devido a novas plantações e à expansão das florestas existentes.

Entre 2000 e 2005, a perda líquida de floresta foi de 7,3 milhões de hectares por ano, menos do que os 8,9 milhões de hectares perdidos entre 1990 e 2000. Ou seja, anualmente desaparecem 0,18 por cento das florestas mundiais.

Num estudo intitulado «Avaliação dos Recursos Florestais Globais 2005», que abrangeu 229 países e territórios e foi realizado entre 1990 e 2005, a FAO pôde concluir que as florestas cobrem actualmente 4000 milhões de hectares (ou 30 por cento por cento) da superfície da Terra, mas que somente dez países possuem dois terços daquele total: Austrália, Brasil, Canadá, China, Estados Unidos, Federação Russa, Índia, Indonésia, Peru e República Democrática do Congo.

A América do Sul foi a região que sofreu a maior perda de florestas nos últimos cinco anos: cerca de 4,3 milhões de hectares por ano. Em segundo lugar está o continente africano, que perdeu 4,0 milhões de hectares anualmente. Já na Europa, as áreas florestais continuaram a expandir-se, embora a um ritmo mais lento do que na década de 90, enquanto a Ásia passou de uma perda de 800 mil hectares anuais na década de 90 para um ganho de um milhão de hectares por ano entre 2000 e 2005, principalmente resultante do esforço de florestação feito pela China, onde as zonas desérticas representavam há poucos anos quase 30 por cento da superfície do país.

Segundo o mesmo documento, novas florestas e árvores estão a ser plantadas a um ritmo cada vez maior, mais ainda assim as plantações não representam mais de cinco por cento de toda a área florestal do planeta.

As conclusões deste relatório foram enviadas pela FAO aos governos nacionais e especialistas em avaliação de recursos naturais, pois elas permitem «fundamentar a tomada de decisões em matéria de política, programas e estudos sobre florestação e desenvolvimento sustentável, tanto a nível local, como nacional e internacional», segundo frisou Mette Løyche Wilkie, a coordenadora do estudo.

Na Conferência da ONU sobre Alterações Climáticas, que decorreu em Montreal, a FAO salientou que a desflorestação representa o envio para a atmosfera de 2000 milhões de toneladas de dióxido de carbono, ou seja, um quarto do total das emissões deste gás, um dos que produzem o efeito de estufa, e disponibilizou-se para fornecer aos países dados e opções de incentivos económicos para reduzir as perdas de florestas nos países em desenvolvimento.

A FAO tem desempenhado um papel importante na implementação da «Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação nos Países que Sofrem Seca Grave e/ou Desertificação, Especialmente em África», aprovada em 1994 e que entrou em vigor em Dezembro de 1996. Os projectos da FAO no terreno abrangem, designadamente, o controlo da erosão, a melhoria do fornecimento de água, a gestão de florestas e pastagens, a segurança alimentar e o desenvolvimento rural.



Perdas astronómicas

Na mensagem que dirigiu por ocasião do Dia Mundial do Combate à Desertificação, em Junho passado, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, classificou a desertificação como «uma das formas mais alarmantes de degradação do ambiente». Além de ameaçar a saúde e os meios de subsistência de uma parte considerável da Humanidade, causa, juntamente com a seca, «uma perda da produção agrícola da ordem dos 42 mil milhões de dólares».

Foi neste contexto que as Nações Unidas decidiram proclamar 2006 como o Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação, como uma oportunidade para dar maior visibilidade a esta questão no âmbito da agenda ambiental.

Todos os países e organizações da sociedade civil foram incentivados a desenvolver iniciativas com vista a assinalar o ano. Do que já está programado, pode-se destacar, por exemplo, conferências sobre «Juventude e Desertificação», agendada para Bamako (Mali), sobre «Mulheres e Desertificação» (em Pequim), «Desertificação e Emigração» (Almeria, Espanha) ou «Pobreza, Fome e Desertificação» (em Genebra). A culminar o Ano Internacional, a Argélia será o país anfitrião de uma cimeira de Chefes de Estado sobre «Desertificação, Migração e Segurança».



Ana Glória Lucas, Jornalista – in “Além-Mar”, Janeiro 2006








All the contents on this site are copyrighted ©.