Nota pastoral dos bispos portugueses nos 500 anos do nascimento de São Francisco Xavier
Ocorrendo em 2006 o V Centenário do Nascimento de São Francisco Xavier, a Conferência
Episcopal Portuguesa congratula-se com o acontecimento e deseja associar-se às celebrações
anunciadas, colhendo delas exemplo e estímulo para a acção evangelizadora que hoje
Deus espera de nós.
Consagrado como o “Apóstolo do Oriente”, proclamado “Padroeiro das Missões” (Pio X,
em 1904), São Francisco Xavier foi reconhecido por João Paulo II como “o apóstolo
mundial dos tempos modernos” e apontado como exemplo para os missionários e para a
acção evangelizadora da Igreja.
Este navarro, que se considera “português de coração”, partiu para o Oriente, a pedido
do Rei de Portugal, D. João III. Mais tarde, confirmará ao mesmo Rei que, sem as naus
e a ajuda dos portugueses, jamais poderia realizar a missão evangelizadora, para a
qual se sentia tão motivado pela graça de Deus.
Celebrar o V Centenário de Francisco Xavier renovará nas comunidades cristãs a busca
confiante da vontade de Pai, o zelo apaixonado pelo Reino inaugurado por Cristo e
a responsabilidade de todos na actual largueza da missão impulsionada pelo Espírito
Santo.
1. A vontade de Deus motiva a fé e a confiança
O grau de fé e confiança em Deus, demonstrado por Francisco Xavier, foi crescendo
continuamente, a par do espírito de oração, num esforço diário por conhecer a vontade
de Deus e por cumpri-la da forma mais perfeita possível.
Desde a conversão, ocorrida enquanto estudante e professor em Paris (1526-1536), criou
disponibilidade para cumprir o plano de Deus. A decisão da sua missão para a Índia
foi-lhe dada a conhecer apenas vinte e quatro horas antes da partida: tinha que substituir
um companheiro cuja doença se prolongava. Tratava-se de uma viagem de alto risco de
vida, com a duração de mais de um ano. Francisco obedeceu prontamente pois estava
seguro que aquele caminho da obediência era a perfeitíssima vontade de Deus.
Vindo para Portugal, a 7 de Abril de 1541, dia do seu 35.º aniversário, recebeu, com
a maior simplicidade, as cartas em que era nomeado Embaixador do Rei de Portugal,
Representante do Papa e Administrador Apostólico para todo o mundo cristão no Oriente
(descoberto ou a descobrir), à excepção do Bispado de Goa, já existente naquela altura.
Orientava-o apenas a correspondência ao desígnio de Deus, para o cumprir, com um espírito
de fé que afronta os perigos dos mares.
Mais tarde, após cerca de um ano de experiência na Índia, sentirá a ansiedade das
grandes incertezas do futuro. O contraste de civilizações tão diferentes que ia encontrando,
e, numa expressão sua, “o medo de ter medo”, orientaram-no, como reacção e vencimento
próprio, para o valor da confiança absoluta em Deus. Será a dimensão mística da sua
missão, como experiência de alegria, sentida no meio das tormentas e perigos mortais,
que o lançará nos braços de uma confiança total no Deus que o chamou àquele serviço.
Qualquer acção evangelizadora deverá partir da descoberta de um apelo de Deus, ao
qual o cristão se sente atraído e lhe surge como determinante forma de realizar a
sua missão no mundo. As dificuldades e condições adversas não justificarão uma indecisão,
mas constituem terreno onde semear, com fortaleza, as convicções nascidas do encontro
com a vontade de Deus.
2. Paixão pelo reino e pela glória de Deus
A certeza interior da vontade de Deus confrontava-se com o ambiente de conquista que
rodeava São Francisco Xavier, por vezes em contraste com a perspectiva evangélica
que o movia. Apaixonado por Jesus Cristo, vivendo numa contínua presença de Deus,
foi apostolicamente missionário do Mundo. Partindo da Europa, tocou a América (Brasil),
a África (Moçambique), a Ásia e a Oceania (Molucas).
Xavier conhece uma cidade de Goa, de origem cultural indiana, mas agora habitada também
por marinheiros, soldados e comerciantes portugueses, ali chegados há quatro décadas,
e, por isso, já caldeada com alguns princípios cristãos e determinados costumes europeus.
A promiscuidade, já existente nas relações comerciais, políticas, sociais e familiares,
não estava a ser enfrentada eficazmente pelos missionários, que se sentiam mais capelães
dos portugueses do que missionários dedicados aos chamados gentios.
É este ambiente que Francisco Xavier pretende purificar: rectificando costumes e comportamentos
e criticando o oportunismo e a falta de elevação moral. Lança uma outra iniciativa
de grande alcance pedagógico, que julga prioritária em relação ao futuro: reúne as
crianças, todas as tardes, e ensina-lhes o Evangelho, colocando os textos da fé em
melodias de canções infantis, que cada criança depois cantava aos pais em casa.
Depois de vários meses passados em Goa, tendo já alguns conhecimentos da língua local,
deixa os seus trabalhos entregues a outros e parte para o Sul. Com esta mesma energia
interior, fruto da Graça de Deus, dirigir-se-á a Malaca e às Molucas, no Extremo Oriente,
pois lhe indicaram aqueles locais como pontos de referência para maior divulgação
do Evangelho. E foi nesses caminhos que tomou conhecimento da excelência da cultura
e da prática religiosa do povo japonês, ideia que o fascinou a ponto de voltar a Goa
e preparar o que entendia ser a grande missão da sua vida, a evangelização do Japão.
São fruto da experiência destas viagens de evangelização alguns apelos que se tornaram
célebres, em cartas aos seus companheiros de vida religiosa, aos alunos da Universidade
de Paris e ao Rei D. João III. Escrevia aos seus Irmãos que, algumas vezes, tinha
os braços tão cansados de celebrar o baptismo, que mal os podia mexer, terminando
por desabafar: “Se houvesse mais missionários que me ajudassem!...
Dirigindo-se ao Japão, encontra ali o gosto pelo diálogo filosófico e teológico mais
profundo, que ele tanto apreciava. São também os japoneses que o convencem de que,
se queria dar a conhecer a filosofia do cristianismo ao mundo inteiro, teria que se
revelar à cultura chinesa, de onde provinha a sua própria cultura japonesa. E foi
então que Xavier, para quem não havia obstáculos intransponíveis quando se tratava
da difusão do Evangelho, toma a decisão de partir ele próprio para a aventura do grande
diálogo com o “Império Celeste”.
Depois de voltar a Goa para reorganizar a missionação dos jesuítas, entretanto chegados
de Lisboa, dirige-se à China, onde o seu ideal o levava, mas onde não chegou a entrar,
morto pelo cansaço até à exaustão, aos 46 anos de idade.
A duríssima aventura do Japão, prova bem um amor mais forte que a morte: desprovido
e abandonado, mas com total confiança em Deus, convertido em chama pura, abrasado
no amor de Deus. Fogo de amor que ultrapassa o gelo e a neve do Japão. Fogo que anseia
depois pela chegada ao Grande Imperador da China, para dali irradiar a Boa Nova a
todo o Oriente e ao mundo inteiro.
3. Missão e Nova Evangelização
Francisco Xavier empregou em viagens, de barco ou a pé, praticamente metade dos cerca
de onze anos da sua missionação. Postos em linha recta, os passos deste homem desassombrado
e insaciável, dariam duas voltas e meia ao nosso planeta.
A missão na Igreja, segundo a encíclica “Redemptoris Missio” (nº 30), está hoje ainda
no seu início. As mudanças sociais e a permanência de povos não evangelizados responsabilizam
a acção da Igreja, se quer ser fiel a Cristo seu fundador. O crescimento demográfico
no Sul e no Oriente, em Países não cristãos, faz aumentar continuamente o número das
pessoas que ignoram a redenção de Cristo (cf. R.M. nº 40).
O processo de enraizamento do Evangelho nas culturas concretas de cada sociedade é
ainda hoje uma exigência a cumprir. Envolve não só a mensagem, mas também a reflexão
sobre ela e a acção prática consequente. Sem este processo, não há verdadeira evangelização.
O testemunho de vida do missionário e do cristão, de cada família e da comunidade
eclesial são as formas primárias e essenciais da evangelização.
A participação e a cooperação na actividade missionária são, por força do seu baptismo,
uma responsabilidade de cada um dos membros da Igreja. Hoje, pelas facilidades que
propõe o turismo ou outros géneros de mobilidade humana, tornou-se mais fácil a informação
sobre os diferentes povos e sobre as próprias circunstâncias em que se procede à evangelização.
Fomentam-se até geminações entre comunidades ou instituições do mundo ocidental e
outras congéneres do Sul ou do Oriente, que estão a produzir frutos muito positivos.
É necessário que amadureça em todos a consciência de que “cooperar para a missão”
não significa apenas dar, mas também saber receber. Todas as igrejas particulares,
jovens e antigas, são chamadas a dar e a receber da missão universal, e nenhuma se
deve fechar em si própria.
Ao serviço da missão e da nova evangelização, a exemplo e segundo o carisma de S.
Francisco Xavier, continuam hoje a surgir vocações generosas para a vida sacerdotal,
religiosa e missionária. Este centenário oferece-nos uma oportunidade de darmos graças
a Deus por tantas vidas entregues à missão e de interpelarmos os nossos contemporâneos
para esta entrega radical a Cristo e à Igreja, abrindo horizontes e alargando fronteiras,
cumprindo o mandato de Jesus: «Ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho» (Mc 16,15).
Conclusão
Ao longo da história, Francisco Xavier tem sido grande modelo de apóstolo e missionário
para tantas pessoas, movimentos e institutos religiosos. Que também hoje seja nossa
inspiração e nosso apoio na constituição de uma comunidade cristã, cheia de zelo apostólico,
fiel à força dinamizadora do Espírito Santo. Que o seu apelo aos jovens estudantes
da Universidade tenha voz renovada no zelo interpelante dos animadores cristãos e
encontre idêntica resposta generosa, sinal real de que faz parte da natureza da Igreja
ser missionária.