2005-10-29 19:56:27

DOM PEDRO CASALDÁLIGA: UM BISPO DE DIREITA QUE SE DESCOBRE "COMUNISTA"


Roma, 28 out (RV) - "Se ajudo um pobre, me chamam de santo; se questiono as razões de sua pobreza, me chamam comunista." É difícil encontrar uma frase que, com tanta precisão, traduza um difuso e hipócrita modo de pensar que se tem cristalizado ao longo dos anos, nas diversas culturas. E foram exatamente essa hipocrisia e esse recusar-se a ver a realidade que impulsionaram o Bispo claretiano espanhol, Dom Pedro Casaldáliga, a deixar a Espanha e a fazer-se missionário no Brasil, em Mato Grosso _ na Prelazia de São Félix _ onde se tornou um daqueles padres (e depois bispo) que combatem as arbitrariedades dos ricos latifundiários, em detrimento de tantos camponeses pobres. Um padre rebelde e, portanto, rotulado de "comunista".

Acaba de ser lançado na Itália, o livro "A piedi nudi sulla terra rossa" (Descalço sobre a terra vermelha) da Editora Missionária Italiana, de Francesc Escribano, diretor de televisão na Catalunha, terra natal de Dom Casaldáliga, que esteve em São Félix por oito vezes, para encontrar-se com o Bispo, naquele longínquo Araguaia brasileiro.

Hoje, com quase 80 anos, depois de oito malárias, uma hepatite e duas operações de catarata, Dom Pedro se move pouco e transcorre muito tempo em sua casinha diante do rio Araguaia. Mas enquanto permaneceu à frente do governo pastoral da Prelazia de São Félix, percorria inteiramente os 150 mil km2 que compõem o território da Prelazia, pelo menos uma vez por ano. E 30 anos atrás, quando ali chegou outro claretiano, Pe. Manuel Luzon (já falecido) não era nada fácil locomover-se naquele território.

Naquela época, não havia outra coisa senão os latifundiários e a ditadura militar. Eram anos difíceis para um "padre rebelde". Só por acaso, ele conseguiu escapar de pelo menos um atentado e das numerosas tentativas de expulsá-lo do Brasil. Era muito incômodo _ primeiramente um padre e depois um bispo _ que apoiava os sem-terra, ajudando-os a se tornar posseiros (proprietários), ou seja, a tomar posse das terras incultivadas e dela tirar o que servia para o próprio sustento. Era muito mais fácil estabelecer laços com os fortes latifundiários, que deixavam morrer de fome os pobres camponeses, quando não os escravizavam.

Essa situação foi lentamente melhorando, com o passar dos anos, mas ainda não está resolvida, como o demonstra o longo rol de sindicalistas e homens da Igreja eliminados pelos pistoleiros. Sem citar o rol, ainda mais longo, dos indígenas exterminados, e cujos nomes permanecerão desconhecidos para sempre.

Dom Pedro Casaldáliga, filho de uma ilustre família espanhola, de tendência de direita, nos anos franquistas, fez-se forte com o uso do cilício e realizando duros exercícios espirituais antes de desembarcar no Novo Mundo. Deve ter sido muito duro para ele _ homem de direita _ descobrir-se "comunista". Ele optou por viver como os pobres e ter o mesmo que eles tinham: nada mais! Nomeado Bispo, continuou a viajar de ônibus, em vez de usar os aviões, e levando dias e dias para se transferir de um lugar para outro.

Por semanas a fio, Francesc Escribano seguiu Dom Pedro, em sua incansável atividade e traçou dele, um preciso "retrato": o retrato de um herói involuntário e, em parte, inconsciente de sê-lo. Outro, no lugar de Dom Casaldáliga, teria embarcado no primeiro avião e teria retornado à Espanha, depois que tivesse encontrado _ como efetivamente lhe aconteceu _ diante de sua própria casa, poucos dias depois de sua chegada a São Félix, os corpos sem vida de quatro recém-nascido, mortos de fome. Poucos teriam tido a audácia que ele teve, de excomungar Piraguaçu e Frenova _ os dois latifundiários mais cruéis da região.

A história de Dom Pedro Casaldáliga não é apenas a narrativa de um compromisso prático, mas também a epopéia de um poeta e de um teórico da doutrina religiosa, defensor da Teologia da Libertação, que encontrou tantos obstáculos, até mesmo na Cúria romana.

Assina o prefácio do livro Alex Zanotelli. Além da Itália, a obra está sendo lançada na Espanha, França, Alemanha e, obviamente, também no Brasil. (AF)








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