DOM PEDRO CASALDÁLIGA: UM BISPO DE DIREITA QUE SE DESCOBRE "COMUNISTA"
Roma, 28 out (RV) - "Se ajudo um pobre, me chamam de santo; se questiono as
razões de sua pobreza, me chamam comunista." É difícil encontrar uma frase que, com
tanta precisão, traduza um difuso e hipócrita modo de pensar que se tem cristalizado
ao longo dos anos, nas diversas culturas. E foram exatamente essa hipocrisia e esse
recusar-se a ver a realidade que impulsionaram o Bispo claretiano espanhol, Dom Pedro
Casaldáliga, a deixar a Espanha e a fazer-se missionário no Brasil, em Mato Grosso
_ na Prelazia de São Félix _ onde se tornou um daqueles padres (e depois bispo) que
combatem as arbitrariedades dos ricos latifundiários, em detrimento de tantos camponeses
pobres. Um padre rebelde e, portanto, rotulado de "comunista".
Acaba de ser
lançado na Itália, o livro "A piedi nudi sulla terra rossa" (Descalço sobre a terra
vermelha) da Editora Missionária Italiana, de Francesc Escribano, diretor de televisão
na Catalunha, terra natal de Dom Casaldáliga, que esteve em São Félix por oito vezes,
para encontrar-se com o Bispo, naquele longínquo Araguaia brasileiro.
Hoje,
com quase 80 anos, depois de oito malárias, uma hepatite e duas operações de catarata,
Dom Pedro se move pouco e transcorre muito tempo em sua casinha diante do rio Araguaia.
Mas enquanto permaneceu à frente do governo pastoral da Prelazia de São Félix, percorria
inteiramente os 150 mil km2 que compõem o território da Prelazia, pelo
menos uma vez por ano. E 30 anos atrás, quando ali chegou outro claretiano, Pe. Manuel
Luzon (já falecido) não era nada fácil locomover-se naquele território.
Naquela
época, não havia outra coisa senão os latifundiários e a ditadura militar. Eram anos
difíceis para um "padre rebelde". Só por acaso, ele conseguiu escapar de pelo menos
um atentado e das numerosas tentativas de expulsá-lo do Brasil. Era muito incômodo
_ primeiramente um padre e depois um bispo _ que apoiava os sem-terra, ajudando-os
a se tornar posseiros (proprietários), ou seja, a tomar posse das terras incultivadas
e dela tirar o que servia para o próprio sustento. Era muito mais fácil estabelecer
laços com os fortes latifundiários, que deixavam morrer de fome os pobres camponeses,
quando não os escravizavam.
Essa situação foi lentamente melhorando, com o
passar dos anos, mas ainda não está resolvida, como o demonstra o longo rol de sindicalistas
e homens da Igreja eliminados pelos pistoleiros. Sem citar o rol, ainda mais longo,
dos indígenas exterminados, e cujos nomes permanecerão desconhecidos para sempre.
Dom
Pedro Casaldáliga, filho de uma ilustre família espanhola, de tendência de direita,
nos anos franquistas, fez-se forte com o uso do cilício e realizando duros exercícios
espirituais antes de desembarcar no Novo Mundo. Deve ter sido muito duro para ele
_ homem de direita _ descobrir-se "comunista". Ele optou por viver como os pobres
e ter o mesmo que eles tinham: nada mais! Nomeado Bispo, continuou a viajar de ônibus,
em vez de usar os aviões, e levando dias e dias para se transferir de um lugar para
outro.
Por semanas a fio, Francesc Escribano seguiu Dom Pedro, em sua incansável
atividade e traçou dele, um preciso "retrato": o retrato de um herói involuntário
e, em parte, inconsciente de sê-lo. Outro, no lugar de Dom Casaldáliga, teria embarcado
no primeiro avião e teria retornado à Espanha, depois que tivesse encontrado _ como
efetivamente lhe aconteceu _ diante de sua própria casa, poucos dias depois de sua
chegada a São Félix, os corpos sem vida de quatro recém-nascido, mortos de fome. Poucos
teriam tido a audácia que ele teve, de excomungar Piraguaçu e Frenova _ os dois latifundiários
mais cruéis da região.
A história de Dom Pedro Casaldáliga não é apenas a
narrativa de um compromisso prático, mas também a epopéia de um poeta e de um teórico
da doutrina religiosa, defensor da Teologia da Libertação, que encontrou tantos obstáculos,
até mesmo na Cúria romana.
Assina o prefácio do livro Alex Zanotelli. Além
da Itália, a obra está sendo lançada na Espanha, França, Alemanha e, obviamente, também
no Brasil. (AF)