Cristãos perseguidos em 60 paises: dados do relatório sobre a liberdade religiosa
no mundo
Rezar em público, ler a Bíblia sob o olhar de outras pessoas, ter um escapulário ao
pescoço ou celebrar a Missa são, ainda hoje, gestos considerados “criminosos” que
podem trazer graves consequências em quase 60 países de todo o mundo.
Este é um dos dados centrais apresentado pela sétima edição do Relatório da Liberdade
Religiosa no Mundo, publicado pela Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS). O volume
em português foi apresentado em conferência de imprensa esta quarta feira, no Grémio
Literário em Lisboa, por Marcelo Rebelo de Sousa.
Esta nova edição do "Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo" retrata uma situação
crítica, a nível mundial, da liberdade de culto. Os conflitos militares, o terrorismo
e as ditaduras contribuíram para as situações mais alarmantes que se verificam em
alguns países como o Iraque, a China, Cuba ou a Nigéria.
O relatório analisa a situação da liberdade religiosa em cada país, com base nos testemunhos
de representantes da Igreja local, documentos oficiais, artigos de agências de notícias
e outros media especializados em assuntos religiosos, bem como nas informações fornecidas
por organizações de direitos humanos.
As antigas repúblicas soviéticas, os Estados de regime comunista e os de maioria islâmica
são aqueles em que se encontram maiores restrições à Liberdade Religiosa, tanto para
cristãos como para outras comunidades religiosas cujos casos são retratados no livro.
Nos países que surgiram do desmembramento da antiga URSS, segundo o relatório, “a
influência do ateísmo ideológico sobre os funcionários do Estado é ainda extremamente
poderosa”. Na Bielorússia, por exemplo, “o controlo estrito do Estado sobre qualquer
expressão de culto tende a sufocar as crenças religiosas do povo”.
Noutros casos, a intolerância assume tons nacionalistas como acontece na Rússia, onde
os obstáculos burocráticos prevalecem, mesmo numa situação na qual as relações ecuménicas
entre as igrejas ortodoxas e católicas estão a progredir. Perseguições e ameaças
Os países de maioria islâmica são avaliados de forma muito negativa no que diz respeito
à Liberdade Religiosa. Na Turquia, aponta o texto, o respeito pelas minorias de crentes
“continua a ser totalmente insatisfatório”, sendo negado aos cristãos o acesso a lugares
institucionais civis e militares, para além de ser quase impossível a construção de
templos.
A Nigéria é outro caso considerado “extremamente grave”. Durante os últimos anos mais
de 10 mil pessoas foram mortas e centenas de milhares foram forçadas a abandonar as
suas casas, na sua maioria pertencentes à religião cristã.
No Iraque do pós-guerra há a registar que grupos ultra-extremistas islâmicos dirigiram
ameaças de morte às comunidades cristãs com o objectivo de as levar a abandonar o
Iraque. A comunidade mais atingida é a assírio-caldeia, uma das mais antigas do Cristianismo.
Os regimes comunistas também não passam no exame da AIS. Em Cuba a situação da Igreja
Católica é “grave” e o Relatório apresenta uma entrevista ao Cardeal Jaime Ortega
y Alamino, Arcebispo de São Cristóvão de Havana, que denuncia o facto de qualquer
apelo apresentado ao Governo pela Igreja ser sistematicamente ignorado. O prelado
especifica que não existe perseguição física aos católicos, mas antes uma forma de
perseguição mais subtil.
Na Coreia do Norte, durante os últimos 50 anos, cerca de 300 mil cristãos desapareceram
e já não há no país sacerdotes ou religiosas, que provavelmente terão sido mortos
durante as perseguições. Existem actualmente 100 mil pessoas em campos de trabalho
sujeitas à fome, à tortura e à execução. China, a maior preocupação
A situação na China foi apresentada por Marcelo Rebelo de Sousa como “a mais preocupantes”
de todas as apresentadas no Relatório. “Persistem restrições graves à Liberdade Religiosa,
sinal de restrições mais amplas a liberdades e direitos de pessoas concretas”, disse.
Para Rebelo de Sousa, seria muito preocupante se a comunidade internacional “se convertesse
ao poderio económico da China, aceitando violações da Liberdade Religiosa”.
O documento assinala que Pequim admite a pratica da fé apenas no interior dos grupos
religiosos autorizados pelo Governo e cujo pessoal e actividades sejam supervisionadas
pelas associações patrióticas. Tudo isto conduz a uma vivência na fé na qual os ideais
são, acima de tudo, servir a segurança do Estado e o progresso da nação. Consequentemente,
existem 2 tipos de violações à liberdade religiosa: É assumido a priori nas comunidades
“oficiais”, as que são reconhecidas pelo Governo, que a liberdade de culto não é um
direito inato dos seres humanos, mas uma concessão dada pelo Estado, que estabelece
a sua forma e os seus limites.
O segundo tipo de violação é a perseguição contra todas as expressões religiosas que
– em referência à Constituição onde se expressa a liberdade religiosa em sentido lato
– exigem poder expressar livremente a sua fé sem serem controladas pelo Estado, desde
que não implementem práticas conspirativas ou violentas. Onda de secularismo
É com alguma surpresa que o leitor se pode deparar, neste relatório, com países como
a França e a Alemanha, elencados entre aqueles onde acontecem atropelos à Liberdade
Religiosa. A Grécia, a Roménia e a Bulgária são outros países com restrições ao direito
de Liberdade Religiosa.
O Relatório refere que na França se regista “uma atitude de separação activista ou
laicista em relação aos grupos e às manifestações religiosas”. Na Alemanha, por outro
lado, várias regiões –com autonomia relativamente a diversas matérias – adoptaram
normas que regulamentam o uso de símbolos religiosos pelos empregados públicos no
exercício das suas funções.
Para Marcelo Rebelo de Sousa estamos na presença de fenómenos “preocupantes” por mostrarem
“respostas secularistas a práticas das comunidades crentes”. Nesse sentido, alerta
para o surgimento de “posições fundamentalistas anti-religiosas”.
O documento aponta ainda para medidas tomadas na Holanda e Reino Unido por causa da
emergência do extremismo islâmico. “Estas medidas parecem não ter um efeito real,
e o mesmo se aplica a outros modelos de coexistência baseado em políticas multiculturais
na Holanda e no Reino Unido, onde episódios recorrentes de violência envolvendo as
comunidades muçulmanas trazem este problema à atenção da opinião pública”, refere
a AIS.
Marcelo Rebelo de Sousa lembra que as sociedades a braços com o terrorismo podem correr
o risco da generalização. “Se não houver liberdade, se as pessoas forem rejeitadas
e excluídas, isso só aumenta a violência”, adverte.
Considerando que o fundamentalismo não se combate com políticas repressivas, que considera
furto de “uma visão culturalmente pobre”, Rebelo de Sousa explica que “ uma coisa
é travar esses fundamentalismos religiosos, outra coisa é converter a intervenção
militar na solução de um problema de cultura, social”.
“É preciso construir a democracia, a liberdade e a paz para além da mera intervenção
repressiva”, aponta, citando o magistério de João Paulo II e Bento XVI.