O Sinodo mostra abordagens diferentes a grandes problemas da Igreja:bispos estão contra
"falsas expectativas" de mudança, sem esconderem a necessidade de debate
Após nove Congregações Gerais, cinco sessões de intervenções livres e uma sessão de
trabalho nos Círculos menores, os padres sinodais continuam a apresentar uma leitura
diversificada da situação eclesial – estimulada pelas primeiras intervenções do próprio
Papa, que falava na “legítima diversidade” na vivência da fé.
Ao longo destes primeiros dias, os vários intervenientes têm partido do tema genérico,
“Eucaristia: fonte e cume da vida da Igreja”, para lançar um olhar sobre o mundo contemporâneo.
Nele detectam a perda do sentido do sagrado, a crise de valores, a secularização,
a destruição da natureza, as injustiças e desigualdades sociais, que desafiam a Igreja.
A estas questões juntam-se questões internas, de não menor importância, como as falhas
na vida litúrgica e na celebração do Domingo, a crise de vocações, a situação dos
divorciados, as dificuldades no ecumenismo, a falta de compreensão do mistério eucarístico,
a incapacidade de transformar o homem.
Perante a pressão mediática que, apesar dos trabalhos decorrerem à porta fechada não
se deixa de fazer sentir, os Bispos já deixaram claro que não passam de “falsas expectativas”
as ideias de mudança veiculadas pela comunicação social, sobretudo no que se refere
às questões relacionadas com o celibato dos padres.
Essa matéria esteve presente no “Relatório antes da discussão” apresentada pelo Cardeal
Angelo Scola, Relator Geral do Sínodo. Sobre a possível ordenação de homens casados
(viri probati), na ordem do dia por causa da falta de padres, o relatório sublinha
que o celibato tem como base “profundos motivos teológicos”, apesar de reconhecer
que a crise vocacional assume “proporções extremamente graves” de que são testemunhas
numerosos Bispos.
O Cardeal Scola defendeu o “valor profético e educativo do celibato” e sustentou que
a Igreja não pode resolver esta questão “como uma empresa que se tem de dotar de uma
determinada quota de quadros dirigentes”.
Esta intervenção serviu como ponto de partida para muitas outras, com os participantes
a pronunciarem-se em diversos sentidos, preocupados com a falta de padres nas comunidades
cristãs.Nesta sexta feira, por exemplo, o Cardeal Nasrallah Pierre Sfeir, Patriarca
de Antioquia dos Maronitas (Líbano), que admite ao sacerdócio homens casados, diz
que essa prática “resolve um problema, mas cria outros graves”, como a impossibilidade
de transferir um padre quando a família não pode segui-lo.
“O celibato é a jóia mais preciosa do tesouro da Igreja Católica”, assegurou o Cardeal
Sfeir, uma das figuras mais respeitadas na Igreja do Oriente.
Em sentido diverso se manifestou o Bispo Denis George Browne, da Nova Zelândia, que
pediu à Igreja abertura para “encontrar modos para que a Eucaristia seja de fácil
acesso a todos os nosso fiéis”. O prelado deixou ainda votos de que o Sínodo seja
sensível às perguntas dos fiéis que se interrogam “porque pode ser ordenado como sacerdote
católico um padre casado na Comunhão Anglicana e os sacerdotes dispensados do voto
do celibato não podem desempenhar qualquer função pastoral”.
Gregório II Lahan, Patriarca da Igreja Oriental de Antioquia, dos greco-melquitas
católicos, lançou um desafio aos Bispos do Ocidente ao perguntar-lhes "onde encontram
o fundamento ao celibato dos sacerdotes?". Segundo Gregório II Laham, o celibato dos
sacerdotes não tem nenhum fundamento teológico, citando a esse propósito os exemplos
presentes na Igreja Antiga.
A discussão, contudo, subiu verdadeiramente de tom na quinta-feira, com uma sequência
de intervenções inteiramente dedicadas a este tema. O Bispo coadjutor de Wabag, na
Papua Nova Guiné, colocou em cima da mesa uma proposta de alteração no tipo de formação
sacerdotal adoptado nos Seminários daquela região. Segundo D. Arnold Orowae, o isolamento
das populações questiona “o tipo de sacerdotes” existentes. “Será que são necessários
anos de formação intelectual em filosofia e teologia para realizar os serviços necessários
aos mais pobres nas zonas isoladas, que não têm a mesma preparação intelectual?”
Para o prelado, a questão seria resolvida se se colocasse um ponto final no celibato
dos padres. “Será que a Igreja não deveria permitir uma formação fundamental a cristãos
maduros, com uma fé sólida, comprometidos, para que pudessem presidir à celebração
eucarística? “
Numa resposta acalorada, o presidente da Conferência Episcopal dos Países Baixos discordou
peremptoriamente desta proposta. O discurso do Cardeal Adrianus Simonis, que foi proferido
logo de seguida, acabou por ser uma advertência “contra as influências e impulsos
externos de um mundo secularizado e individualista “. Para o Arcebispo de Utrecht,
“as mudanças estruturais, como por exemplo o acesso de homens casados ao sacerdócio,
não parecem ser a solução” do problema apresentado.
O Bispo moçambicano D. Lúcio Andrice Muandula, da diocese de Xai-Xai, procurou uma
abordagem mais pragmática, apresentando como solução “a justa redistribuição dos sacerdotes
no mundo”, para fazer face à falta de padres. Mesmo esta solução, contudo, pareceu
desagradar aos padres sinodais e o cardeal Sfeir frisou que “enviar sacerdotes para
um país onde eles fazem falta não é uma solução ideal, porque não se têm em conta
as tradições, os costumes e a mentalidade, pelo que o problema permanece em aberto”.
Fé e vida pública
Outro dos temas que tem dominado as intervenções é a ligação entre a fé de cada fiel
e as suas consequências na vida pública. Os participantes no Sínodo sentem que a Eucaristia
é, cada vez mais, um acontecimento sem impacto maior na vida das pessoas e que esse
facto destrói a relação concreta entre o quotidiano e aquilo que se celebra.
Esta ligação das questões sociais à vida dos fiéis marcou uma intervenção do sucessor
de Joseph Ratzinger à frente da Congregação para a Doutrina da Fé. O Arcebispo William
Joseph Levada frisou que o voto em políticos que apoiem o aborto “é pecado”, escolhendo
este exemplo para iluminar a relação entre a Eucaristia e a Moral.
O presidente do Conselho Pontifício para a Família, Cardeal Alfonso López Trujillo,
insurgiu-se esta manhã contra projectos legislativos que, em vários países, “colocam
em grave perigo o Evangelho da vida e da família”. O Cardeal criticou as “posições
ambíguas” dos legisladores que se afirmam católicos sobre o divórcio, as uniões de
facto ou o matrimónio.
“Pode permitir-se o acesso à comunhão eucarística dos que negam os princípios e os
valores humanos e cristãos?”, interrogou o membro da Cúria Romana, frisando que “não
se pode separar a chamada opção pessoa do labor socio-político.
A situação dos divorciados que voltaram a casar também tem merecido uma grande atenção
da assembleia sinodal, tendo o Arcebispo neozelandês de Wellington sugerido mesmo
que os divorciados recasados pudessem voltar a comungar. “Enriquecíamos as nossas
Igrejas se pudéssemos convidar os católicos comprometidos, e actualmente excluídos
da Eucaristia, a voltarem à mesa do Senhor. Aqueles cujo primeiro matrimónio terminou
de forma triste”, mas que “nunca abandonaram a Igreja”, explicou D. John Dew.
O prelado disse mesmo que “o Sínodo deve ter um enfoque pastoral” e que, por isso,
“há que avaliar as formas de incluir aqueles que têm fome do Pão da Vida. É necessário
enfrentar o escândalo daqueles que têm fome do alimento eucarístico, tal como se deve
encarar o escândalo da fome física “.
Abusos litúrgicos
Um dos temas mais frequentes na Assembleia do Sínodo continua a ser a discussão sobre
os “abusos” na celebração das missas. A violação das normas litúrgicas, praticadas
por sacerdotes ou leigos, tem feito parte, sistematicamente, do debate dos padres
sinodais.
Alguns Bispos intervieram para protestar contra homilias longas, contra a distribuição
da comunhão na mão dos fiéis e contra a presença de muitos concelebrantes para uma
única liturgia. Houve queixas também sobre a realização de missas sem o povo de Deus,
e sobre a falta de padres em paróquias com um grande número de fiéis.
A tendência que parece dominar as intervenções sobre esta matéria é que a reforma
litúrgica do Concílio trouxe novidades “indesejadas”. D. Javier Echevarría Rodríguez,
prelado do Opus Dei, indicou que os excessos posteriores ao Concílio Vaticano II colocam
em risco “o aspecto sagrado da missa”. E para reverter esta crise já desencadeada,
“seria necessário repensar algumas das normas da celebração”.
O prelado do Opus Dei sugeriu ainda que a participação exagerada de sacerdotes nas
concelebrações fosse revista. “Podemo-nos questionar se são oportunas as cerimónias
eucarísticas com um excessivo número de concelebrantes, que impede um desenvolvimento
digno do acto litúrgico”, disse D. Javier Echevarria Rodriguez, para quem “também
se deveria analisar a conveniência de distribuir a Comunhão a todos os participantes
numa Missa com um grande número de fiéis, quando a distribuição geral vai em detrimento
da dignidade do culto”.
Algumas práticas pré-conciliares seriam recebidas de volta com agrado, de acordo com
alguns padres sinodais: um Bispo da Bielorússia pediu que o sacrário voltasse a ter
o “lugar central” nas igrejas e um prelado do Cazaquistão gostaria que “a Santa Sé
estabelecesse uma norma universal segundo a qual o modo oficial de se receber a Comunhão
fosse na boca e de joelhos; a comunhão com a mão deveria estar reservada ao clero”.
Para estes e outros participantes no Sínodo, as “inovações litúrgicas” no mundo ocidental
obscurecem de certo modo o aspecto da centralidade e o carácter sagrado da Eucaristia.
O Cardeal Antonio Maria Rouco Varela, Arcebispo de Madrid, criticou o “subjectivismo
e a arbitrariedade” nas formas de celebração e do culto eucarístico, pedindo uma “pedagogia
canónica e pastoral” para estas situações.
Já o Cardeal Godfried Danneels, Arcebispo de Malines-Bruxelas, lembrou que o homem
contemporâneo “não ama o rito por causa da sua repetividade e da sua monotonia”. A
resposta da Igreja a esta realidade, contudo, “esqueceu que os nossos contemporâneos
têm uma autêntica sede de silêncio”, pelo que a liturgia não pode ser “demasiado activa
ou activista”.
O Cardeal Francis Arinze, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina
dos Sacramento, sustentou que os celebrantes “não podem isolar-se dos presentes, mas,
por outro lado, não podem tornar-se protagonistas que dão espectáculo por si próprios”.
O Arcebispo Levada exigiu a valorização da homilia, propondo que o Sínodo “faça a
recomendação de pedir um programa pastoral, preparado sobre a base da distribuição
em três anos do Lecionário”. O objectivo seria “ligar a proclamação da Doutrina da
fé aos textos bíblicos, com referências ao Catecismo da Igreja Católica”.
O Cardeal Jean-Louis Tauran, antigo chefe da diplomacia vaticana, criticou a queda
em desuso da genuflexão, convidando os Bispos a “recordar a importância do testemunho
dos cristãos e das comunidades que não hesitam em ajoelhar-se, para afirmar a grandeza
e a vizinhança de Deus na Eucaristia”.
O Sacramento da Penitência também foi alvo de reparos. O Prefeito da Congregação para
os Bispos, o Cardeal Giovanni Battista Re, falou da necessidade de os Bispos recuperarem
a “pedagogia da conversão”, que nasce da Eucaristia. Nas palavras do Cardeal Re, os
Bispos devem trabalhar ainda para difundir o recurso da confissão individual, além
de não permitir o recurso abusivo da absolvição geral ou colectiva.
Já o Bispo de Vilkaviskis, na Lituânia, referiu que “sem a prática da reconciliação,
aumenta o subjectivismo e é mais difícil valorizar o comportamento pessoal e a religiosidade
“.
D. Rimantas Norvila lembrou que “a prática do Sacramento da Penitência diminuiu em
todo o mundo” e que, por isso, têm crescido as “tendências opostas à fé cristã”. “Nas
sociedades actuais, especialmente nas ocidentais, estão muito difundidos o esoterismo,
a magia, o ocultismo, a tendência da New Age. Isto permite à pessoa criar novas relações
comunitárias, sociais, que a afastam cada vez mais da Igreja, do pensamento católico
e fragilizam a fé”, concluiu.
O Arcebispo de Agana, Guam, e presidente da Conferência Episcopal do Pacífico, enveredou
pelo mesmo diapasão: “no Pacífico, a escassez de sacerdotes e a agressividade das
seitas religiosas evangélicas representam um desafio para a própria sobrevivência
da fé católica”. Para D. Anthony Apuron, “a única resposta para este duplo obstáculo
é a formação de comunidades baseadas na fé”.
As denúncias feitas nos trabalhos do Sínodo preocupam os Bispos que, a propósito da
Eucaristia, reconhecem que muitos que se dizem cristãos constroiem uma religião à
sua medida, com práticas que se afastam, cada vez mais, do pensamento católico e que
enfraquecem a Fé.
D. Stanislaw Rilko, presidente do Conselho Pontifício para os Leigos, falou também
sobre o avanço do "processo de secularização" e a "difusão da indiferença religiosa
e um estranho esquecimento de Deus". Estes são fenómenos que "provocam, entre muitos
baptizados da nossa época um preocupante enfraquecimento, mesmo a perda da própria
identidade cristã", disse.