2005-10-08 11:52:13

O Sinodo mostra abordagens diferentes a grandes problemas da Igreja:bispos estão contra "falsas expectativas" de mudança, sem esconderem a necessidade de debate


Após nove Congregações Gerais, cinco sessões de intervenções livres e uma sessão de trabalho nos Círculos menores, os padres sinodais continuam a apresentar uma leitura diversificada da situação eclesial – estimulada pelas primeiras intervenções do próprio Papa, que falava na “legítima diversidade” na vivência da fé.
Ao longo destes primeiros dias, os vários intervenientes têm partido do tema genérico, “Eucaristia: fonte e cume da vida da Igreja”, para lançar um olhar sobre o mundo contemporâneo. Nele detectam a perda do sentido do sagrado, a crise de valores, a secularização, a destruição da natureza, as injustiças e desigualdades sociais, que desafiam a Igreja.
A estas questões juntam-se questões internas, de não menor importância, como as falhas na vida litúrgica e na celebração do Domingo, a crise de vocações, a situação dos divorciados, as dificuldades no ecumenismo, a falta de compreensão do mistério eucarístico, a incapacidade de transformar o homem.
Perante a pressão mediática que, apesar dos trabalhos decorrerem à porta fechada não se deixa de fazer sentir, os Bispos já deixaram claro que não passam de “falsas expectativas” as ideias de mudança veiculadas pela comunicação social, sobretudo no que se refere às questões relacionadas com o celibato dos padres.
Essa matéria esteve presente no “Relatório antes da discussão” apresentada pelo Cardeal Angelo Scola, Relator Geral do Sínodo. Sobre a possível ordenação de homens casados (viri probati), na ordem do dia por causa da falta de padres, o relatório sublinha que o celibato tem como base “profundos motivos teológicos”, apesar de reconhecer que a crise vocacional assume “proporções extremamente graves” de que são testemunhas numerosos Bispos.
O Cardeal Scola defendeu o “valor profético e educativo do celibato” e sustentou que a Igreja não pode resolver esta questão “como uma empresa que se tem de dotar de uma determinada quota de quadros dirigentes”.
Esta intervenção serviu como ponto de partida para muitas outras, com os participantes a pronunciarem-se em diversos sentidos, preocupados com a falta de padres nas comunidades cristãs.Nesta sexta feira, por exemplo, o Cardeal Nasrallah Pierre Sfeir, Patriarca de Antioquia dos Maronitas (Líbano), que admite ao sacerdócio homens casados, diz que essa prática “resolve um problema, mas cria outros graves”, como a impossibilidade de transferir um padre quando a família não pode segui-lo.
“O celibato é a jóia mais preciosa do tesouro da Igreja Católica”, assegurou o Cardeal Sfeir, uma das figuras mais respeitadas na Igreja do Oriente.
Em sentido diverso se manifestou o Bispo Denis George Browne, da Nova Zelândia, que pediu à Igreja abertura para “encontrar modos para que a Eucaristia seja de fácil acesso a todos os nosso fiéis”. O prelado deixou ainda votos de que o Sínodo seja sensível às perguntas dos fiéis que se interrogam “porque pode ser ordenado como sacerdote católico um padre casado na Comunhão Anglicana e os sacerdotes dispensados do voto do celibato não podem desempenhar qualquer função pastoral”.
Gregório II Lahan, Patriarca da Igreja Oriental de Antioquia, dos greco-melquitas católicos, lançou um desafio aos Bispos do Ocidente ao perguntar-lhes "onde encontram o fundamento ao celibato dos sacerdotes?". Segundo Gregório II Laham, o celibato dos sacerdotes não tem nenhum fundamento teológico, citando a esse propósito os exemplos presentes na Igreja Antiga.
A discussão, contudo, subiu verdadeiramente de tom na quinta-feira, com uma sequência de intervenções inteiramente dedicadas a este tema. O Bispo coadjutor de Wabag, na Papua Nova Guiné, colocou em cima da mesa uma proposta de alteração no tipo de formação sacerdotal adoptado nos Seminários daquela região. Segundo D. Arnold Orowae, o isolamento das populações questiona “o tipo de sacerdotes” existentes. “Será que são necessários anos de formação intelectual em filosofia e teologia para realizar os serviços necessários aos mais pobres nas zonas isoladas, que não têm a mesma preparação intelectual?”
Para o prelado, a questão seria resolvida se se colocasse um ponto final no celibato dos padres. “Será que a Igreja não deveria permitir uma formação fundamental a cristãos maduros, com uma fé sólida, comprometidos, para que pudessem presidir à celebração eucarística? “
Numa resposta acalorada, o presidente da Conferência Episcopal dos Países Baixos discordou peremptoriamente desta proposta. O discurso do Cardeal Adrianus Simonis, que foi proferido logo de seguida, acabou por ser uma advertência “contra as influências e impulsos externos de um mundo secularizado e individualista “. Para o Arcebispo de Utrecht, “as mudanças estruturais, como por exemplo o acesso de homens casados ao sacerdócio, não parecem ser a solução” do problema apresentado.
O Bispo moçambicano D. Lúcio Andrice Muandula, da diocese de Xai-Xai, procurou uma abordagem mais pragmática, apresentando como solução “a justa redistribuição dos sacerdotes no mundo”, para fazer face à falta de padres. Mesmo esta solução, contudo, pareceu desagradar aos padres sinodais e o cardeal Sfeir frisou que “enviar sacerdotes para um país onde eles fazem falta não é uma solução ideal, porque não se têm em conta as tradições, os costumes e a mentalidade, pelo que o problema permanece em aberto”.

Fé e vida pública
Outro dos temas que tem dominado as intervenções é a ligação entre a fé de cada fiel e as suas consequências na vida pública. Os participantes no Sínodo sentem que a Eucaristia é, cada vez mais, um acontecimento sem impacto maior na vida das pessoas e que esse facto destrói a relação concreta entre o quotidiano e aquilo que se celebra.
Esta ligação das questões sociais à vida dos fiéis marcou uma intervenção do sucessor de Joseph Ratzinger à frente da Congregação para a Doutrina da Fé. O Arcebispo William Joseph Levada frisou que o voto em políticos que apoiem o aborto “é pecado”, escolhendo este exemplo para iluminar a relação entre a Eucaristia e a Moral.
O presidente do Conselho Pontifício para a Família, Cardeal Alfonso López Trujillo, insurgiu-se esta manhã contra projectos legislativos que, em vários países, “colocam em grave perigo o Evangelho da vida e da família”. O Cardeal criticou as “posições ambíguas” dos legisladores que se afirmam católicos sobre o divórcio, as uniões de facto ou o matrimónio.
“Pode permitir-se o acesso à comunhão eucarística dos que negam os princípios e os valores humanos e cristãos?”, interrogou o membro da Cúria Romana, frisando que “não se pode separar a chamada opção pessoa do labor socio-político.
A situação dos divorciados que voltaram a casar também tem merecido uma grande atenção da assembleia sinodal, tendo o Arcebispo neozelandês de Wellington sugerido mesmo que os divorciados recasados pudessem voltar a comungar. “Enriquecíamos as nossas Igrejas se pudéssemos convidar os católicos comprometidos, e actualmente excluídos da Eucaristia, a voltarem à mesa do Senhor. Aqueles cujo primeiro matrimónio terminou de forma triste”, mas que “nunca abandonaram a Igreja”, explicou D. John Dew.
O prelado disse mesmo que “o Sínodo deve ter um enfoque pastoral” e que, por isso, “há que avaliar as formas de incluir aqueles que têm fome do Pão da Vida. É necessário enfrentar o escândalo daqueles que têm fome do alimento eucarístico, tal como se deve encarar o escândalo da fome física “.

Abusos litúrgicos
Um dos temas mais frequentes na Assembleia do Sínodo continua a ser a discussão sobre os “abusos” na celebração das missas. A violação das normas litúrgicas, praticadas por sacerdotes ou leigos, tem feito parte, sistematicamente, do debate dos padres sinodais.
Alguns Bispos intervieram para protestar contra homilias longas, contra a distribuição da comunhão na mão dos fiéis e contra a presença de muitos concelebrantes para uma única liturgia. Houve queixas também sobre a realização de missas sem o povo de Deus, e sobre a falta de padres em paróquias com um grande número de fiéis.
A tendência que parece dominar as intervenções sobre esta matéria é que a reforma litúrgica do Concílio trouxe novidades “indesejadas”. D. Javier Echevarría Rodríguez, prelado do Opus Dei, indicou que os excessos posteriores ao Concílio Vaticano II colocam em risco “o aspecto sagrado da missa”. E para reverter esta crise já desencadeada, “seria necessário repensar algumas das normas da celebração”.
O prelado do Opus Dei sugeriu ainda que a participação exagerada de sacerdotes nas concelebrações fosse revista. “Podemo-nos questionar se são oportunas as cerimónias eucarísticas com um excessivo número de concelebrantes, que impede um desenvolvimento digno do acto litúrgico”, disse D. Javier Echevarria Rodriguez, para quem “também se deveria analisar a conveniência de distribuir a Comunhão a todos os participantes numa Missa com um grande número de fiéis, quando a distribuição geral vai em detrimento da dignidade do culto”.
Algumas práticas pré-conciliares seriam recebidas de volta com agrado, de acordo com alguns padres sinodais: um Bispo da Bielorússia pediu que o sacrário voltasse a ter o “lugar central” nas igrejas e um prelado do Cazaquistão gostaria que “a Santa Sé estabelecesse uma norma universal segundo a qual o modo oficial de se receber a Comunhão fosse na boca e de joelhos; a comunhão com a mão deveria estar reservada ao clero”. Para estes e outros participantes no Sínodo, as “inovações litúrgicas” no mundo ocidental obscurecem de certo modo o aspecto da centralidade e o carácter sagrado da Eucaristia.
O Cardeal Antonio Maria Rouco Varela, Arcebispo de Madrid, criticou o “subjectivismo e a arbitrariedade” nas formas de celebração e do culto eucarístico, pedindo uma “pedagogia canónica e pastoral” para estas situações.
Já o Cardeal Godfried Danneels, Arcebispo de Malines-Bruxelas, lembrou que o homem contemporâneo “não ama o rito por causa da sua repetividade e da sua monotonia”. A resposta da Igreja a esta realidade, contudo, “esqueceu que os nossos contemporâneos têm uma autêntica sede de silêncio”, pelo que a liturgia não pode ser “demasiado activa ou activista”.
O Cardeal Francis Arinze, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramento, sustentou que os celebrantes “não podem isolar-se dos presentes, mas, por outro lado, não podem tornar-se protagonistas que dão espectáculo por si próprios”.
O Arcebispo Levada exigiu a valorização da homilia, propondo que o Sínodo “faça a recomendação de pedir um programa pastoral, preparado sobre a base da distribuição em três anos do Lecionário”. O objectivo seria “ligar a proclamação da Doutrina da fé aos textos bíblicos, com referências ao Catecismo da Igreja Católica”.
O Cardeal Jean-Louis Tauran, antigo chefe da diplomacia vaticana, criticou a queda em desuso da genuflexão, convidando os Bispos a “recordar a importância do testemunho dos cristãos e das comunidades que não hesitam em ajoelhar-se, para afirmar a grandeza e a vizinhança de Deus na Eucaristia”.
O Sacramento da Penitência também foi alvo de reparos. O Prefeito da Congregação para os Bispos, o Cardeal Giovanni Battista Re, falou da necessidade de os Bispos recuperarem a “pedagogia da conversão”, que nasce da Eucaristia. Nas palavras do Cardeal Re, os Bispos devem trabalhar ainda para difundir o recurso da confissão individual, além de não permitir o recurso abusivo da absolvição geral ou colectiva.
Já o Bispo de Vilkaviskis, na Lituânia, referiu que “sem a prática da reconciliação, aumenta o subjectivismo e é mais difícil valorizar o comportamento pessoal e a religiosidade “.
D. Rimantas Norvila lembrou que “a prática do Sacramento da Penitência diminuiu em todo o mundo” e que, por isso, têm crescido as “tendências opostas à fé cristã”. “Nas sociedades actuais, especialmente nas ocidentais, estão muito difundidos o esoterismo, a magia, o ocultismo, a tendência da New Age. Isto permite à pessoa criar novas relações comunitárias, sociais, que a afastam cada vez mais da Igreja, do pensamento católico e fragilizam a fé”, concluiu.
O Arcebispo de Agana, Guam, e presidente da Conferência Episcopal do Pacífico, enveredou pelo mesmo diapasão: “no Pacífico, a escassez de sacerdotes e a agressividade das seitas religiosas evangélicas representam um desafio para a própria sobrevivência da fé católica”. Para D. Anthony Apuron, “a única resposta para este duplo obstáculo é a formação de comunidades baseadas na fé”.
As denúncias feitas nos trabalhos do Sínodo preocupam os Bispos que, a propósito da Eucaristia, reconhecem que muitos que se dizem cristãos constroiem uma religião à sua medida, com práticas que se afastam, cada vez mais, do pensamento católico e que enfraquecem a Fé.
D. Stanislaw Rilko, presidente do Conselho Pontifício para os Leigos, falou também sobre o avanço do "processo de secularização" e a "difusão da indiferença religiosa e um estranho esquecimento de Deus". Estes são fenómenos que "provocam, entre muitos baptizados da nossa época um preocupante enfraquecimento, mesmo a perda da própria identidade cristã", disse.







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