Invocar a graça de uma verdadeira renovação: Bento XVI na Missa de abertura do Sínodo
sobre a Eucaristia
“A ameaça de juízo [de que falam as leituras da Missa] diz respeito também a nós,
à Igreja na Europa, à Europa e ao Ocidente em geral... Também a nós pode ser retirada
a luz, e fazemos bem em deixar ressoar na nossa alma, em toda a sua seriedade, esta
advertência, gritando ao mesmo tempo ao Senhor: Ajuda-nos e converte-nos! Dá a todos
nós a graça de uma verdadeira renovação!” Palavras de Bento XVI na solene celebração
eucarística de abertura da XI assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos, sobre
“a Eucaristia, fonte e cume da vida e da missão da Igreja”.
A homilia do Papa consistiu num comentário e aplicação das leituras deste XXVII domingo
do Tempo Comum. Antes de mais, Isaías, que exalta o amor do Senhor pela sua vinha.
“Com o cântico de amor do profeta Isaías – observou Bento XVI – Deus quer falar ao
coração de cada um de nós. “Eu mesmo sou o amor, e tu és a minha imagem na medida
em que em ti brilha o esplendor do amor, na medida em que me respondes com amor”.
Deus espera-nos. Ele quer ser amado por nós”. Ele vem ao nosso encontro. Encontrará
uma resposta? Ou “não será tantas vezes a nossa vida cristã, pelo contrário, mais
vinagre do que vinho? Autocomiseração, conflito, indiferença?”
Mas as leituras deste domingo (prosseguiu o Papa) “falam sobretudo da bondade da
criação de Deus e da grandeza da eleição com a qual Ele nos procura e nos ama. E falam
também, depois, da história sucessiva – do fracasso do homem... No Antigo Testamento,
está em primeiro lugar a acusação pela violação da justiça social, pelo desprezo do
homem da parte do homem. Mas como pano de fundo transparece o facto de que, com o
desprezo da Torah, do direito dado por Deus, é o próprio Deus que é desprezado; quer-se
pura e simplesmente gozar do próprio poder. Aspecto sublinhado pela parábola de Jesus:
os agricultores a quem foi confiada a vinha “constituem um espelho para todos nós.
Nós, homens - aos quais a criação foi, por assim dizer, confiada em gestão – usurpamo-la.
Queremos ser nós os padrões em primeira pessoa e sozinhos. Queremos possuir o mundo
e a nossa própria vida, de modo ilimitado. Deus estorva-nos. Ou se faz d’Ele uma simples
frase devota ou então Ele é mesmo completamente negado, excluído da vida pública...
Mas quando o homem se faz único patrão do mundo e proprietário de si mesmo, não pode
existir a justiça. Domina apenas o arbítrio do pode e dos interesses”
Neste contexto, observou ainda Bento XVI, sobressai (nas leituras desta Missa) um
terceiro aspecto: “O Senhor... anuncia à vinha infiel o juízo, o julgamento. O juízo
que Isaías previa realizou-se nas grandes guerras e exílios da parte dos Assírios
e dos Babilónios. O juízo anunciado pelo Senhor Jesus refere-se sobretudo à destruição
de Jerusalém, no ano 70.” Uma palavra de Deus que pode e deve ser actualizada...
“Mas a ameaça de juízo diz respeito também a nós, à Igreja na Europa, à Europa e ao
Ocidente em geral... Também a nós pode ser retirada a luz, e convém que deixemos ressoar,
na nossa alma, em toda a sua seriedade, esta advertência, gritando ao mesmo tempo
ao Senhor: Ajuda-nos a converter-nos! Dá a todos nós a graça de uma verdadeira renovação!
Não permitas que se extinga entre nós a tua luz! Reforça Tu a nossa fé, a nossa esperança
e o nosso amor, para que possamos produzir frutos bons!”
O Papa fez ainda questão de sublinhar que a liturgia deste domingo contém também uma
promessa e um conforto, não é mera ameaça de juízo. Promessa expressa sobretudo no
versículo evangélico do Alleluia: “Eu sou a videira e vós os ramos. Quem permanece
em mim e eu nele, esse produz muito fruto”. A verdadeira conclusão da história da
vinha... não é o fracasso: “Deus não fracassa. Ao fim e ao cabo, Ele vence, vence
o amor.” “Da morte do Filho, brota a vida, forma-se um novo edifício, uma nova vinha”.
É esse o mistério celebrado na Eucaristia. Como em Caná mudou a água em vinho, Jesus
transformou o seu sangue no vinho do verdadeiro amor e transforma assim o vinho no
seu sangue”.
No Cenáculo antecipou a sua morte e transformou-a no dom de si mesmo, num acto de
amor radical. O seu sangue é dom, é amor, e é portanto o verdadeiro vinho que o Criado
esperava. Deste modo, o próprio Cristo tornou-se a videira, e esta videira dá sempre
fruto bom: a presença do seu amor por nós, que é indestrutível”.