Católicos e Anglicanos chegam a acordo sobre a figura de Maria:assinada no passado
dia 16 declaração conjunta
A Igreja Católica e a Comunhão Anglicana colocaram um ponto final nas disputas teológicas
sobre o lugar e a importância de Maria na vida cristã com a declaração conjunta “Maria
Graça e Esperança em Cristo”.
Anglicanos e Católicos afirmam, juntos, que “Maria foi a mãe biológica de Jesus, que
ela era virgem e que Jesus foi concebido pelo poder do Espírito Santo”.
O documento, apresentado na cidade norte-americana de Seattle, é o fruto do trabalho
da Comissão Internacional Anglicano-Católica (ARCIC, siglas em inglês). Aos Católicos
é pedido que tenham mais “cuidado” nas suas práticas de devoção à Virgem Maria, mas
fica claro que honrá-la e pedir a sua intercessão não são práticas que possam separar
as duas Igrejas.
“Acreditamos que não há nenhuma razão teológica para divisões eclesiais nesta matéria”,
refere a declaração. Embora muitos apresentem a devoção mariana como uma prática católica
ou ortodoxa, as suas raízes na Escritura e na Tradição fazem dela uma parte da herança
anglicana, como esclarecem as Igrejas.
Os dois calendários litúrgicos assinalam grandes acontecimentos da vida de Maria e
as orações anglicanas falam da “sempre Virgem” e da “Mãe de Deus Incarnado”.
Foi a partir desta crença comum no que diz respeito à Virgem Maria que as duas partes
partiram para um texto que aborda os dogmas marianos da Imaculada Conceição e da Assunção
“num contexto comum”, apesar da polémica que dividiu as Igrejas durante 150 anos.
A Comissão Internacional Anglicano-Católica concluiu a redacção deste documento em
Fevereiro de 2004, tendo sido depois submetido ao Conselho Pontifício para a Promoção
da Unidade dos Cristãos e ao Conselho Consultivo Anglicano. Foram estes organismos
que autorizaram, agora, a publicação.
A questão das definições dogmáticas é parte integral da fé católica, mas completamente
alheia ao anglicanismo. Foi invocando a infalibilidade papal que, em 1854, se proclamou
o dogma da Imaculada Conceição e em 1950 o da Assunção.
Ao longo dos anos em que esta declaração foi trabalhada, os membros da ARCIC não discutiram,
directamente, a questão da infalibilidade papal, mas concentraram-se no conteúdo dos
dogmas, à luz da Bíblia, dos Padres da Igreja e do magistério eclesial nos primeiros
Concílios. “É impossível ser fiéis às Escrituras e não levar Maria a sério”, assegura
a declaração.
Sobre a virgindade de Maria, o documento cita os primeiros teólogos da Igreja para
frisar que “na sua reflexão, a virgindade não era apenas entendida como integridade
física, mas como uma disposição interior para a abertura, obediência e fidelidade
de coração a Cristo”.
A partir do século XVI, as Igrejas da Reforma restringiram em muito a devoção mariana
que lhes parecia ter ultrapassado em muito as Escrituras e a Tradição. “Na religiosidade
popular, Maria passou a ser vista, largamente, como uma intermediária entre Deus e
a humanidade, mesmo como uma operadora de milagres com poderes que mergulhavam no
divino”.
Esta visão de Maria como
mediatrix
(mediadora) equiparada a Cristo provocou uma forte reacção do lado anglicano, como
indica a declaração, dando ênfase ao papel de Jesus como único mediador entre Deus
e a humanidade. A condenação de abusos na devoção mariana fez, contudo, “que se perdessem
alguns aspectos positivos dessa devoção e levou à diminuição do seu papel na Igreja”.
Dado que as duas Igrejas acreditam que Maria vive, agora, com Jesus, podem também
acreditar em conjunto que “ela exerce um ministério distinto na assistência aos fiéis,
através da sua oração activa”.
Relativamente aos dogmas dos últimos 150 anos, a ARCIC sublinharam que “estes ensinamentos
fazem sentido à luz dos quadros da Escritura, através dos quais Deus prepara aquele
que chamou para uma missão especial e recompensa os que cooperaram com ele de todo
o coração”.
A declaração apela aos fiéis das duas Igrejas que olhem para os dogmas no contexto
do capítulo oito da Carta de São Paulo aos Romanos, no qual se afirma que “aqueles
que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu
Filho (..) e àqueles que predestinou, também os chamou; e aos que chamou, também os
justificou; e aos que justificou, também os glorificou” (Rom 8, 29a.30).
“Maria foi marcada desde o início como a escolhida, chamada e cheia de graça por Deus,
através do Espírito Santo, para a missão que se lhe apresentava” diz o documento de
Seattle.
Os membros da ARCIC explicam que, ao proclamar a Imaculada Conceição, a Igreja Católica
declara especificamente que Maria foi concebida sem pecado “em vista dos méritos de
Cristo”, afirmando assim que ela foi salva pela paixão, morte e ressurreição de Jesus.
“Podemos afirmar, conjuntamente, que o trabalho redentor de Cristo tocou Maria na
sua profundidade e nos seus começos”.
Sobre o dogma da Assunção, as duas Igrejas entendem que “o ensinamento de que Deus
levou a Virgem Maria na plenitude da sua pessoa para a Sua glória é consoante as Escrituras
e pode, de facto, ser entendido à luz das Escrituras”.
A publicação de “Maria: Graça e Esperança em Cristo” encerra a segunda fase do trabalho
da Comissão Internacional Anglicano-Católica, que foi estabelecida em 1982 por João
Paulo II e pelo arcebispo Robert Runcie. Nos últimos vinte anos, a Comissão publicou
outras quatro declarações: “Salvação e a Igreja” (1987), “A igreja como comunhão”
(1991), “Vida em Cristo” (1994) e “O dom da autoridade” (1999).