Fátima e a comunhão com o Santo Padre: homilia da peregrinação internacional ao santuário
de Fátima de 13 de maio 2005
Queridos Peregrinos,
1. Esta é a primeira Peregrinação Aniversaria depois da morte do Papa João Paulo II
e da eleição do seu sucessor, Sua Santidade Bento XVI. É ocasião propícia para meditar
e aprofundar a relação constitutiva da mensagem de Fátima com o Santo Padre, seja
ele qual for, porque o Papa da Igreja é sempre aquele que, em cada momento histórico,
Deus pôs à frente do Seu Povo, como presença sacramental de Cristo Bom Pastor.
O amor ao Papa está presente, desde o início, na mensagem e na espiritualidade de
Fátima. Os pastorinhos rezavam continuamente pelo Santo Padre; e antevendo, em visão
profética, os sofrimentos do Vigário de Cristo, a Jacinta exclama: “coitadinho do
Santo Padre”. João Paulo II, cujo amor a Nossa Senhora, desde a sua juventude, é bem
conhecido, tornou-se o Papa de Fátima, não hesitando em aplicar à sua pessoa a última
parte das revelações de Fátima, vulgarmente conhecidas como o “terceiro segredo” de
Fátima. Na sua paixão, cuja primeira concretização dramática foi o atentado de que
foi vítima, na Praça de São Pedro, no dia 13 de Maio de 1981, a vida e o ministério
de João Paulo II cruzaram-se misteriosamente com a Senhora de Fátima, pois considera
dever à Sua protecção maternal o dom da vida. Nas suas peregrinações a este Santuário,
nas visitas que, a seu pedido, a Imagem da “Capelinha” fez ao Vaticano, em momentos
solenes da vida da Igreja Universal, João Paulo II sublinhou o carácter sobrenatural
e a actualidade salvífica das aparições em Fátima, contribuindo para a credibilidade
eclesial e para a dimensão universal do que se passou e passa em Fátima. A Igreja
em geral e Fátima em particular ficam-lhe devedoras dessa coragem profética, que integra
as aparições de Fátima na actual história da salvação.
Este legado de João Paulo II constitui para este Santuário, desde os seus responsáveis
até aos peregrinos, não apenas uma dívida de gratidão, mas a responsabilidade de aprofundar
esse elemento constitutivo da “mensagem”, o amor ao Papa como sublime expressão de
amor eclesial. João Paulo II amou tanto Fátima, que arrasta Fátima para o amor ao
Papa, seja ele quem for e sejam quais forem as expressões pessoais de apreço por este
Santuário. Fátima tem de ser, cada vez mais, um lugar indiscutível de comunhão eclesial,
manifestada na união ao Santo Padre, amor à sua pessoa e obediência ao seu Magistério.
Mais do que qualquer outro lugar, Fátima deverá ser sempre o lugar onde a Igreja se
reúne, seguindo o seu Pastor, acatando a sua palavra, rezando pelo que ele reza, desejando
o que ele deseja, sofrendo com ele pelo triunfo do Reino de Deus. Só assim louvaremos
Nossa Senhora, que aqui manifestou o seu papel peculiar na história da salvação.
Hoje estou aqui a cumprir uma promessa que fiz a Sua Santidade Bento XVI. Quando,
no final do Conclave, chegou a minha vez de o cumprimentar e jurar-lhe comunhão e
obediência, o Santo Padre agarrou-me as mãos e falou-me de Fátima. E eu prometi-lhe,
e ele agradeceu-me, que no próximo dia 13 de Maio viria pôr aos pés de Nossa Senhora
o seu Pontificado. Aqui estou a cumprir a promessa, não apenas por devoção mas com
grande realismo pastoral, da visão da missão da Igreja no mundo contemporâneo, e peço-vos
a todos vós que me acompanheis com fé e amor, neste consagrar a Maria o Pontificado
que agora começa. Claro que o nosso coração exultará de alegria, se um dia pudermos
renovar esta consagração com a presença física do Santo Padre neste Santuário. Mas
não faremos depender disso a nossa oração contínua e a nossa comunhão com ele.
2. Ao consagrarmos a Nossa Senhora o seu Pontificado, colocamos aos pés de Maria,
os seus anseios, os seus projectos, a sua visão de Igreja e a maneira como pensa ser
o seu Pastor. Oferecemos o seu silêncio, denso e carregado de esperança e, quem sabe,
talvez de sofrimento, na certeza de que os anseios profundos do seu coração se irão
manifestando á medida que se vão realizando. Confiamos nele e não precisamos de conhecer
os seus sentimentos, para os oferecer. Mas há algo que gostaríamos de lhe prometer,
no mesmo acto com que entregamos a Maria o futuro próximo da Igreja:
Prometemos-lhe, antes de mais, tudo fazer por manter este Santuário na fidelidade
à mensagem e à vontade de Nossa Senhora. Tudo aqui deve ser actualização viva da mensagem;
e porque se trata de uma mensagem de salvação, toda a sua proclamação e vivência tem
de ser expressão do mistério da Igreja, sacramento universal de salvação. Uma campanha
internacional está a lançar a confusão sobre a pureza de intenções do que se passa
neste Santuário. A única resposta que lhe podemos dar é a autenticidade e a verdade
sincera do que aqui fazemos, na obediência à Igreja e na fidelidade à mensagem de
Nossa Senhora. Fátima é lugar de conversão, pela penitência e pela oração, e, devido
á sua internacionalidade, pode expandir a sua fecundidade salvífica nos quatro cantos
da terra, participando da universalidade do ministério de Pedro.
Prometemos-lhe escolher como prioridades as suas prioridades pastorais, sejam elas
de aprofundamento da autenticidade da vida cristã, de diálogo ecuménico ou inter-religioso
ou de construção da harmonia e da paz, para bem de toda a família humana. Seremos
ousados quando ele for ousado, na obediência à sua palavra. Acolheremos todos com
o mesmo espírito com que ele os acolhe, na certeza de que a todos os que visitarem
este Santuário, Fátima falará de Nossa Senhora e do Seu Filho Jesus Cristo. Não há
aqui, nem nunca haverá, “templos inter-religiosos ou inter-confessionais”. Há, isso
sim, um Santuário onde Maria é Rainha e onde acolhe com amor de Mãe todos os que vêm
com um coração recto, peregrinos da verdade e do amor. Fátima quer ser uma escola
de comunhão e de oração. A próxima inauguração da Igreja da Santíssima Trindade, abrir-nos-á
à fonte do amor inter-pessoal de Deus, fonte de todo o amor, como foi sugerido desde
as aparições do Anjo. Nosso Senhor Jesus Cristo e o Espírito que nos envia, e Maria,
Mãe de Jesus, serão sempre mensageiros do amor trinitário. Tudo em Fátima deve convergir
para um contínuo hino de louvor ao amor trinitário de Deus.
Prometemos-lhe seguí-lo na defesa e proclamação do mistério da Vida. Esse é, aliás,
o tema deste Santuário, para este ano: o respeito e a revelação da vida. Tendo em
conta os problemas que se põem à volta da vida no mundo contemporâneo, a revelação
e defesa da vida serão, inevitavelmente, tema do seu Magistério.
A mensagem de Fátima é a proposta de um caminho de descoberta da vida, da verdadeira
Vida. Só Deus é vivo, e pela criação comunicou a vida, que traz sempre a marca da
beleza de Deus, a todos os seres vivos. Mas só o homem, criado á imagem da Vida de
Deus, está vocacionado para atingir a plenitude da Vida. Essa plenitude foi já atingida
num Homem, Cristo ressuscitado, que Se tornou no primeiro Homem verdadeiramente vivo
e que partilha essa vida, através da acção do Espírito, a quantos n’Ele acreditam.
Ele é o ponto de referência de toda a revelação da vida. Desligar a vida da sua fonte
em Deus, é diminuí-la na grandeza do seu mistério, e sujeitá-la a todas as fraquezas
e limites do pecado humano. Esse é o grito que brota da ressurreição de Cristo, da
vitória da Vida sobre a morte: só é possível caminhar para a plenitude da vida, vencendo
o pecado e a morte. Nossa Senhora é a primeira criatura que atingiu a plenitude da
vida, em Jesus Cristo. A sua maternidade, que foi desde o início mistério de graça,
atinge a sua verdade definitiva nessa ordem da graça, tornando-a “Mãe da Igreja”.
Quando Jesus lhe diz: “Mulher, eis o teu filho”, anuncia a plenitude da vida que,
na mulher, se exprime na plenitude da maternidade. Transformemos o lema deste ano
“não matarás”, no propósito de promover sempre a vida, em todas as circunstâncias,
porque pela promoção da vida passa a glória do Deus Vivo.
Neste Ano da Eucaristia, vamos celebrar este mistério, em comunhão com o Santo Padre.
O culto da Eucaristia é outro elemento constitutivo da mensagem de Fátima. Cada celebração
se prolonga, aqui, em adoração, e quando um peregrino adora é a Igreja toda que adora.
São dois caminhos convergentes para aprendermos a louvar: contemplar o rosto de Maria
e adorar o “Jesus escondido”, na Eucaristia. E o louvor é sempre expressão da Igreja,
a cuja comunhão preside o Papa, e que tem em Maria a protecção solícita de uma Mãe.
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
(
agencia Ecclesia
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