O relator das Nações
Unidas para o direito à alimentação acusou as forças estrangeiras no Iraque de utilizarem
como "arma de guerra" a privação de alimentos e o controlo do acesso à água. Jean
Ziegler é um dos relatores especiais da Comissão das Nações Unidas para os Direitos
Humanos, cuja reunião anual decorre até meio de Abril em Genebra: para além de relatórios
sobre países, queixas e denúncias de particulares e organizações não governamentais,
a comissão tem 41 peritos independentes que acompanham a evolução de temas específicos.
De acordo com o relatório apresentado por Ziegler, a "situação do direito à alimentação
no Iraque é muito preocupante". As dificuldades de acesso a água potável por parte
da população iraquiana são generalizadas e há "alegações segundo as quais as fontes
de fornecimento de água foram cortadas deliberadamente pelas forças da coligação".
"O que está provado é que em Falluja [...] o bloqueio à alimentação e a destruição
das reservas de água foram utilizadas como arma de guerra", afirmou Ziegler na conferência
de imprensa que se seguiu à apresentação do seu relatório. Trata-se, sublinhou, "de
uma violação evidente das convenções de Genebra" sobre a protecção de civis em tempo
de guerra. A cidade, a oeste de Bagdad, é considerada um dos bastiões da insurreição
e foi alvo de duas operações de envergadura lideradas for forças americanas - uma
em Abril, a segunda em Novembro.
Citando estudos já referidos pela imprensa, Ziegler notou que "a malnutrição entre
as crianças iraquianas com menos de cinco anos quase duplicou, passando de 4 a 7,7
por cento" desde a queda de Saddam. "Um quarto de todas as crianças sofre de subalimentação
crónica e a mortalidade infantil aumenta a cada mês", declarou, repetindo um número
divulgado em Outubro pelo Programa de Alimentação Mundial da ONU, e denunciando uma
"tragédia humanitária".
Ziegler, nomeado pela primeira vez em 2000 como relator especial da ONU, foi reeleito
pela Comissão em 2003 com a oposição dos EUA.
Os dados da discórdia são parte de um estudo conduzido a meio de 2004 e cuja versão
final só será apresentada no fim de Abril. Financiado pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento, foi conduzido pelo Ministério iraquiano de Planeamento em
parceria com o Instituto de Estudos Internacionais Aplicados da Noruega (Fafo).
Sabe-se que, com a entrada em vigor das sanções internacionais ao regime de Saddam,
em 1990, os índices de falta de acesso à alimentação subiram em flecha. A ONU diz
que o programa "Petróleo por Alimentos", em vigor a partir de 1996 e responsável pelo
sistema de rações que ainda subsiste, fez diminuir os casos de malnutrição crónica
de 32 para 30 por cento em 2000.
De acordo com dados de Outubro do Programa de Alimentação Mundial (PAM) da ONU, cerca
de 6,5 milhões de iraquianos - 25 por cento de toda a população - permanecem "altamente
dependentes das rações de alimentação e estão vulneráveis à malnutrição".
Jean Ziegler estimou ainda que a invasão do Iraque secou fundos que poderiam ter sido
utilizados na luta contra a fome, sugerindo que a luta antiterrorismo incluía "esforços
para reduzir a fome, a pobreza e as desigualdades".
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