A Eucaristia na longa vigilia da vida: Homilia da Vigilia Pascal do Patriarca de
Lisboa
1. Esta é a mais solene Vigília da Liturgia da Igreja. Nela, guiados pela Palavra
de Deus, somos chamados a fazer memória da longa Vigília da salvação da humanidade,
desde a criação do homem até à plenitude do Homem, atingida na ressurreição de Cristo.
Só é verdadeiramente capaz de mergulhar no espírito desta Vigília, que antecede a
Páscoa, quem já assimilou que a vida é uma longa caminhada, até à plenitude da vida,
em Cristo ressuscitado, e que o caminho de cada um de nós só é possível porque somos
membros de um Povo que o Senhor escolheu, acompanha, fortalece e alimenta, um Povo
que, depois da Páscoa, se identifica com o próprio Senhor ressuscitado, que caminha
com ele, lhe garante a sua presença, até ao fim, (cf. Mt. 28,20), o próprio Filho
de Deus que, encarnado, se fez nosso companheiro de viagem . É a longa Vigília da
nossa vida de fé, atraídos pela plenitude da vida, aquele ponto Ómega em que o tempo
atingiu o seu termo.
Nesta longa Vigília de misericórdia, de fidelidade e de graça, a Eucaristia marca
o ritmo da caminhada, sendo o “pão do céu”, alimento dos peregrinos, como o maná o
tinha sido para os israelitas, no deserto, o anúncio do termo que nos atrai, a fonte
da força que nos sustenta, a alegria saborosa da comunhão com o Senhor, que caminha
connosco. Alimento de peregrinos, a Eucaristia, qual realização plena da “tenda da
reunião” e da “nuvem” que escondia a glória de Deus, pertence à nossa situação de
caminheiros no deserto. Mas porque ela é o sacramento da plenitude de Cristo, torna
viva e ao nosso alcance, a terra prometida da nossa esperança. É por isso que ela
está no centro desta Vigília: sendo alimento para quem caminha e espera, ela permite-nos
saborear, desde já, os frutos da terra prometida, estando, assim, presente em todas
as etapas dessa longa caminhada do Povo que o Senhor escolheu e consagrou.
2. Esta longa Vigília começa na criação, o que nos mostra que só Deus pode abraçar,
no Seu desígnio de amor, toda a duração desta caminhada, no tempo. “No princípio criou
Deus o Céu e a Terra”. Nós já conhecemos, hoje, a sequência desta narração: na ressurreição
de Cristo Deus criou os novos céus e a nova terra, porque n’Ele, Deus faz de novo
todas as coisas. O Evangelho da ressurreição é a sequência da primeira página do Génesis,
e a Eucaristia é o anúncio vivo dessa plenitude da criação, ou seja, do destino do
nosso peregrinar. E entre estas duas páginas, todos os elementos da Criação descobrem,
em Cristo, o seu sentido pleno: a água será sinal purificador de redenção, a luz vencerá,
não apenas as trevas físicas da noite, mas iluminará o coração do homem, que descobrirá
em Cristo a luz que não tem ocaso; a vida descobre-se como semente de uma plenitude
que ainda só aconteceu, plenamente, em Cristo ressuscitado e o homem, criado à imagem
de Deus, já sabe que essa imagem é Cristo glorioso, o único que desvela o mistério
do homem e que só unindo-se a Cristo ressuscitado ele será, definitivamente, a imagem
de Deus.
Esta primeira página desta longa peregrinação da humanidade, conclui assim: “Deus
concluiu, no sétimo dia, a obra que fizera e, no sétimo dia, descansou do trabalho
que tinha realizado”.
Nós hoje sabemos, à luz da Páscoa, que só em Cristo ressuscitado, plenitude da criação,
Deus encontrará o seu repouso e que a Eucaristia é o oásis, onde os que ainda estão
a atravessar o deserto, podem saborear o repouso de Deus. Para toda a criação, o verdadeiro
dia do repouso de Deus é o dia da ressurreição de Cristo e para a Igreja, povo que
ainda peregrina, o dia em que pode retemperar as forças participando do repouso de
Deus, é o Domingo, dia da Eucaristia. Ouçamos o Santo Padre, ao proclamar este Ano
da Eucaristia: “Desejo em particular que, neste ano, se ponha um empenho especial
em descobrir e viver plenamente o Domingo como dia do Senhor e dia da Igreja. (…)
De facto, «é precisamente na Missa dominical que os cristãos revivem, com particular
intensidade, a experiência feita pelos Apóstolos na tarde de Páscoa, quando, estando
eles reunidos, o Ressuscitado lhes apareceu (cf. Jo. 20,19). Naquele pequeno núcleo
de discípulos, primícias da Igreja, estava de algum modo presente o povo de Deus de
todos os tempos»” .
3. Porque Deus acompanha o Povo, nesta caminhada da vida, ela é caminho a percorrer
na confiança e na obediência da fé: é preciso sempre descobrir os caminhos que Deus
escolheu. A obediência de Abraão, que fez dele o protótipo do crente obediente à Palavra
do Senhor, é apenas a imagem da obediência de Jesus Cristo. Deus diz a Abraão que
só Ele pode indicar o verdadeiro cordeiro para o sacrifício. Esta plena obediência
de Jesus Cristo é ensinada à Igreja, na Eucaristia, onde a obediência da fé se torna
hóstia de louvor e de onde brota a luz que nos fará descobrir os caminhos do Espírito,
caminhos de vida e de amor.
Na sua caminhada para a terra prometida, o Povo de Deus encontra obstáculos que só
pode ultrapassar com a intervenção de Deus. Não perceber isso é desistir do sentido
da própria caminhada. Aquelas águas do Mar Vermelho, que Deus estanca como muralhas,
para que o Seu Povo possa avançar em segurança, são apenas um sinal do poder com que
Deus liberta Jesus Cristo da morte e nos liberta, a todos nós, do pecado e da morte.
Aquele caminho miraculosamente aberto, entre as águas, pelo poder de Deus, anuncia
o maravilhoso caminho da graça, no qual, através do Espírito Santo, Deus abre ao Seu
Povo todos os caminhos que o levarão à santidade. A Eucaristia não é, apenas, o caminho
novo, é também o anúncio de todos os caminhos que Deus está disposto a abrir, para
nós, com o poder do ressuscitado.
4. Isaías percebeu que esta presença contínua de Deus na caminhada do Povo, não se
limita a ser útil e eficaz, último recurso para as incapacidades do Povo. Trata-se
de uma presença terna e amorosa. “O teu Criador será o teu esposo”, o que significa
que o Povo peregrino não é só convidado a avançar no caminho, mas a mergulhar cada
vez mais na intimidade do amor de Deus. Deus quer que o Seu Povo avance, sentindo-se
amado, lobrigando a terra prometida como a festa das núpcias. Só na ressurreição de
Cristo esta festa das núpcias se torna plenamente possível, porque o Senhor ressuscitado
ama a sua Igreja como uma esposa, e nunca, como na Eucaristia, a Igreja se sente a
esposa amada, plenamente introduzida na intimidade do seu Esposo. Tudo na Eucaristia,
a Palavra e o Sinal, nos anuncia e nos comunica o amor esponsal de Deus, em Jesus
Cristo.
A Eucaristia torna-se, assim, para a Igreja, a plena realização da profecia de Isaías,
a fonte onde se sacia toda a sede e o banquete que mata todas as fomes. Nunca a Palavra
de Deus foi tão eficaz como na Eucaristia e tão perfeita a obra de Deus na nossa história
de peregrinos. Aí podemos encontrar o Senhor, porque Ele está, não apenas perto, mas
completamente presente e comprometido connosco.
Nunca, como na Eucaristia, penetramos nos tesouros de Deus, anunciados pelo Profeta
Baruc. Nela o Povo de Deus já não se sente em país estrangeiro, porque a Eucaristia,
no mais profundo da humanidade, é fermento de um mundo novo.
5. Esta longa Vigília é o tempo da transformação da massa por esse fermento de um
mundo novo, que foi depositado na nossa natureza humana no dia do nosso baptismo.
Mas como diz Paulo aos Romanos, esse fermento de vida nova que recebemos no baptismo
é o próprio Jesus Cristo, morto e ressuscitado, e o fruto da sua força transformadora
só pode ser a nossa transformação no próprio Cristo. Os catecúmenos que hoje vão ser
baptizados sentirão ao vivo, que ao receberem este fermento da Páscoa, a sua peregrinação
ganha um ritmo novo. Até aqui prepararam-se para acolher esse fermento; a partir de
agora a sua caminhada continua, em Igreja, para que esse fermento dê todo o seu fruto,
até à plena identificação com Cristo ressuscitado, numa comunhão de amor, que é anúncio
da plenitude da vida.
Já quase no termo desta longa Vigília, surgirá o anúncio da ressurreição. É o anúncio
do que já sabemos e experimentamos; é o convite a vivê-lo e interiorizá-lo na celebração
da Eucaristia, único modo de vivermos, na nova etapa da nossa caminhada, a força de
Cristo ressuscitado, que continua a atrair-nos para a plenitude da vida.