A Eucaristia e a Cruz denunciam todas as sabedorias deste mundo,disse o Patriarca
de Lisboa .
Da Eucaristia, enquanto sacramento da Cruz, brota o dinamismo fundamental da nossa
fé: a atracção de Deus—salientou o Cardeal patriarca de Lisboa na homilia na Celebração
da Paixão na Sé Catedral, recordando que foi o próprio Jesus quem o disse: “ninguém
pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o atrair” (Jo. 6,44). Mas essa atracção
de Deus Pai, que nos levará a Jesus e à comunhão com Ele, sentimo-la contemplando
a Cruz do Senhor ou vivendo-a na Eucaristia, “e Eu, elevado da terra, atrairei todos
a Mim” (Jo. 12,32).
Estas palavras de Jesus são uma referência clara à sua crucifixão. Noutra altura Ele
disse: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim o Filho do Homem tem de
ser levantado, para que todo aquele que acreditar tenha a vida eterna” (Jo. 3,14).
Jesus confirma que aquela serpente de bronze levantada por Moisés no acampamento e
que livrava da mordedura das serpentes aqueles que a contemplassem, anunciava a sua
elevação na Cruz. A serpente tinha sido o símbolo do tentador, na queda original dos
nossos primeiros pais. A verdadeira mordedura da serpente é o pecado. Quem contemplar
a Cruz de Cristo, sente-se atraído por Deus e liberta-se da mordedura da serpente.
Aliás, estava anunciado que o descendente da mulher lhe esmagaria a cabeça. Maria,
a nova Eva, corporiza a anunciada inimizade entre a mulher e a serpente, e o seu descendente,
o “fruto bendito do seu ventre”, lhe esmagará a cabeça. A luta entre a serpente e
a humanidade, entre o demónio e Deus, trava-se na Cruz e quem sai vitoriosa é a humanidade
redimida, que volta a deixar-se atrair por Deus. O drama do Calvário é grande demais,
ali se jogou o nosso destino, é inevitável e necessário que continuemos a ser protagonistas
desse drama.
3. E somo-lo em cada Eucaristia que celebramos. O próprio Senhor fez uma aproximação
entre a sua morte e a Ceia, referindo-se à morte como sendo o cálice que tinha de
beber. Ouvimos há pouco, na narração da Paixão, Jesus dizer a Pedro: “Não hei-de beber
o cálice que o Pai meu deu?” (Jo. 18,11). O Senhor sabe que a sua morte tem a ver
com a celebração pascal, assume-se como o Cordeiro sem mancha do sacrifício e entrega-se
à morte como quem bebe a taça da Ceia Pascal; Ele sabe que aquela taça é o cálice
do seu sangue derramado por todos nós. Porque somos protagonistas do mesmo drama e
comensais da mesma Ceia, somos chamados a beber do mesmo cálice. Jesus tinha-o anunciado
a Tiago e João, filhos de Zebedeu: “Podeis beber o cálice que Eu vou beber?”. E à
sua resposta afirmativa, porventura inconsciente, Jesus confirma: “Sim, vós bebereis
do meu cálice” (Mt. 20,22-23).
Esta é a experiência de cada Eucaristia, que nós descobrimos, sempre de novo, contemplando
o Senhor na sua Cruz: Ele distribui-nos o seu cálice, que contém a sua morte oferecida
por amor e diz-nos: tomai e bebei dele vós todos, porque é o cálice do Meu sangue.
E é difícil beber o sangue de Cristo derramado por amor, sem oferecermos o nosso próprio
sangue, oferecido por amor. A Eucaristia e a Cruz são a denúncia de todas as sabedorias
deste mundo, que apresentam a vida como uma experiência agradável, a sorver rapidamente.
Aí, toma-se a vida na sua exigência mais profunda, e na dramaticidade fundamental,
em que a alegria é uma promessa que brota, quase sempre, da densidade do sofrimento
oferecido por amor. Às diversas sabedorias do nosso tempo, que apresentam visões facilitantes
da vida e da felicidade, a única resposta continua a ser a sabedoria da Cruz, como
já escrevia Paulo aos Coríntios: frente às diversas sabedorias, ele prega um Cristo
crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos, mas para os que foram
chamados, Ele é potência de Deus e sabedoria de Deus (cf. 1Cor. 1,23-24). Por isso
o Apóstolo confessa aos Coríntios: “Não, entre vós, não quis saber nada senão Jesus
Cristo e Cristo crucificado” (1Cor. 2,2).