2005-03-25 10:31:31

Sexta feira Santa: o caminho do amor verdadeiro


«Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto» ( Jo 12, 24). O Senhor interpreta todo o seu caminho terreno como o percurso do grão de trigo, que, só através da morte, chega a produzir fruto. Interpreta a sua vida terrena, a sua morte e a sua ressurreição de modo a desembocar na Santíssima Eucaristia, na qual está compendiado todo o seu mistério. Uma vez que Ele viveu a sua morte como uma oferta de Si mesmo, como um acto de amor, o seu corpo foi transformado na nova vida da ressurreição. Por isso, Ele, o Verbo encarnado, tornou-Se agora o nosso alimento, que conduz à verdadeira vida, à vida eterna. O Verbo eterno – a força criadora da vida – desceu do Céu, tornando-Se assim o verdadeiro maná, o pão que o homem comunga na fé e no sacramento. Deste modo, a Via-Sacra torna-se num caminho que introduz dentro do mistério eucarístico: a piedade popular e a piedade sacramental da Igreja interligam-se e fundem-se. A devoção da Via-Sacra pode ser vista como um caminho que leva à comunhão profunda, espiritual com Jesus, sem a qual ficaria vazia a comunhão sacramental. A Via-Sacra apresenta-se como um caminho «mistagógico». 
Contraposta a esta visão, aparece a compreensão puramente sentimental da Via-Sacra, para cujo perigo, na VIII estação, o Senhor alerta as mulheres de Jerusalém que choram por Ele. O mero sentimento não basta; a Via-Sacra deveria ser uma escola de fé, daquela fé que, por sua natureza, «actua pela caridade» ( Gal 5, 6). Mas isto não quer dizer que se deva excluir o sentimento. Segundo os Padres da Igreja, o primeiro defeito dos pagãos é precisamente a sua falta de coração; por isso, os Padres repropõem a visão de Ezequiel que comunica ao povo de Israel a promessa feita por Deus de tirar do peito deles o coração de pedra e dar-lhes um coração de carne (cf. Ez 11, 19). A Via-Sacra mostra-nos um Deus que partilha pessoalmente os sofrimentos dos homens, cujo amor não se mantém impassível nem distante, mas desce ao nosso meio até à morte na cruz (cf. Fil 2, 8). Este Deus que partilha os nossos sofrimentos, o Deus que Se fez homem para levar a nossa cruz, quer transformar o nosso coração de pedra chamando-nos a partilhar os sofrimentos alheios, quer dar-nos um «coração de carne» que não fique impassível diante dos sofrimentos alheios, mas se deixe comover e nos leve ao amor que cura e ajuda. Isto reconduz-nos às palavras de Jesus sobre o grão de trigo que Ele próprio transforma em fórmula basilar da existência cristiana: «Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem neste mundo aborrece a sua vida conservá-la-á para a vida eterna» ( Jo 12, 15; cf. Mt 16, 25; Mc 8, 35; Lc 9, 24; 17, 33: «Quem procurar salvaguardar a vida, perdê-la-á, e quem a perder, conservá-la-á»). Daqui se vê também o alcance do significado da frase que precede, nos evangelhos sinópticos, esta afirmação central da sua mensagem: «Se alguém quiser vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me» ( Mt 16, 24). Com todas estas palavras, o próprio Jesus nos dá a interpretação da «Via-Sacra», ensina-nos como devemos fazê-la e segui-la: a Via-Sacra é o caminho da perda de nós mesmos, isto é, o caminho do amor verdadeiro. Ele precedeu-nos neste caminho; este é o caminho que a devoção da Via-Sacra nos quer ensinar. E isto leva-nos mais uma vez ao grão de trigo, à Santíssima Eucaristia, na qual se torna continuamente presente entre nós o fruto da morte e da ressurreição de Jesus. Na Eucaristia, Ele caminha connosco, como outrora com os discípulos de Emaús, fazendo-Se constantemente nosso contemporâneo.







All the contents on this site are copyrighted ©.