2017-12-16 16:23:00

As mulheres do Advento e a maternidade como dom de Deus


A Associação “Mulheres no Vaticano” , marcou o seu primeiro ano de vida na passada quarta-feira 13, com uma assembleia geral das sócias. O encontro foi precedido de uma missa presidida pelo P. Federico Lombardi, Director Espiritual da Associação.  Tal como noutras celebrações litúrgicas para os membros desta Associação, o P. Lombardi centrou a sua homilia sobre a mulher na Sagrada Escritura. Desta vez, chamou a atenção para algumas figuras femininas que se encontram nas leituras do tempo do Advento. Uma homilia que achamos oportuno partilhar convosco, pelo menos nos seus aspectos essenciais, por ocasião do terceiro domingo de Advento.  

- P. Lombardi, normalmente no período do Advento estamos mais habituados a ouvir falar de Maria que aceitou ser mãe do Filho de Deus, e que contemplamos também no Presépio. Mas na sua homilia falou doutras mulheres, dividindo-as em dois grupos. Um que definiu como “As mulheres da genealogia de Jesus” e outro como “As mulheres estéreis”. Comecemos pelo primeiro grupo, quem são exactamente?

São as mulheres que aparecem na página do Evangelho de São Mateus que nos apresenta a genealogia de Jesus. Normalmente as genealogias compreendiam só os homens e, com efeito, no Evangelho de Lucas é assim, mas no de Mateus aparecem, de forma muito evidente, quatro mulheres: Tamar, Racab, Rute e Betsabea. E não é por acaso. O evangelista quer transmitir-nos uma mensagem”.

- E é uma mensagem - se compreendi bem - ligada às vicissitudes de vida dessas mulheres, não é?

Sim, essas quatro mulheres são conhecidas porque fala-se delas nos livros do Antigo Testamento, e têm histórias bastante particulares. Não são mulheres “normais”, não são tranquilas donas de casa e simples mães de família. E isto pode suscitar alguma curiosidade, mas o objectivo do evangelista Mateus não é certamente o de solicitar a curiosidade com histórias um bocado “picantes”.

- Que histórias são essas, Padre, e porque é que o evangelista Mateus nos quer dizer que elas faziam parte dos antepassados de Jesus?

Pois bem, Tamar, é a esposa de um dos filhos de Judas – o primeiro filho de Jacó. Ela ficou viúva sem ter filhos com o seu marido. Nestes casos, havia entre os Judeus aquilo que nalgumas partes da África se chama levirato, isto é um dos irmãos do defunto devia casar-se com a viúva para garantir uma descendência ao falecido marido. Mas no caso de Tamar não havia meio de isto acontecer e ela andava triste por causa desta injustiça da parte do sogro e dos cunhados. Então usou de uma astúcia: fingiu ser uma prostituta e sem se fazer reconhecer pelo sogro, ficou grávida dele, e quando o sogro descobre que ela está grávida, dá ordens para a queimarem, mas ela consegue demonstrar que é o sogro o pai do filho que traz no ventre e salva-se. Nascem então dois gémeos, o primeiro dos quais é antepassado de Jesus".

- E Racab, P. Lombardi, quem é?

Racab é uma prostituta que vivia em Jericó antes da conquista por parte dos hebreus, guiada por Josué. Josué manda dois espiões a Jericó para ver como conquistar a cidade. Eles vão à casa de Racab. Os cidadãos desconfiam e procuram-nos. Mas Racab que tinha compreendido que os hebreus iriam ser os patrões de Jericó fê-los fugir às escondidas. Assim, quando Jericó foi conquistada, Racab e a sua família foram poupadas pelos conquistadores. Aliás, ela torna-se uma mulher honrada e se insere ela também na linha genealógica de Jesus”.

- E Rute?

Rute é, pelo contrário, uma mulher bondosa e muito respeitada que ficou viúva e cuida, com generosidade e afecto,  da sogra Noemi que tinha também ficado viúva. Rute não era hebreia e por isso não era considerada digna de dar à luz o Messias. Mas, um homem honesto e rico, chamado Booz, vendo como cuida da sogra, apaixona-se por ela e acabam por se casar. Assim ela também, embora sendo estrangeira, entra na genealogia de Jesus”.

- A quarta mulher é Betsabea, não é?

Sim, Betsabea teve uma vida marcada pela potência, pela concupiscência e pelo adultério de Davide. É uma mulher usurpada ao seu primeiro marido e que perdeu o seu primeiro filho concebido no adultério. Teve uma vida atribulada e conturbada. Mas ela também entra na linhagem de Jesus”.

- E qual, então, a mensagem de tudo isto, Padre?

A mensagem é que Jesus veio de uma história muito concreta, uma história em que há tragédias e pecados, enganos e traições, paixões e afectos, uma história em que não há raça pura, porque dela fazem parte também mulheres estrangeiras. Uma história  como a história de todos os tempos e também dos nossos dias. Jesus encarnou-se verdadeiramente, não só no sentido de que nasceu de uma mãe e teve um corpo humano, mas também no sentido de que entrou na história humana tal como ela é, com o bem e com o mal que apresenta, com as suas virtudes e os seus erros e mesmo crimes. Como se costuma dizer, Deus escreve direito por linhas tortas; a fidelidade de Deus não se perde, o seu plano de salvação nos abre na mesma o caminho. E isto passa também através de relações concretas entre homens e mulheres. As mulheres das quais deriva a história em que Jesus se insere nesta terra não são todas e apenas histórias virtuosas. São as que são! No fundo, isto é também para nós (que conhecemos as nossas histórias por vezes não fáceis) uma mensagem de esperança”.

- P. Lombardi, vimos até agora o grupo de mulheres da genealogia de Jesus, mas, conforme disse na homilia, há ainda um outro grupo de mulheres no Advento, que são também importantes na história da salvação?

Sim, são mulheres estéreis ou já de uma certa idade, mas que não tiveram filhos. Sofrem com humildade e paciência ou então continuam a desejar e a esperar ter um filho. E rezam a Deus para que lhes satisfaça esse desejo. São muitas e de entre elas há Sara, esposa de Abraão, que dá à luz um filho já em idade avançada. E acontece o mesmo também com outras esposas e mães dos patriarcas: Rebeca, esposa de Isaac e mãe de Jacó; Raquel, mulher de Jacó e mãe de José e Benjamim, foi também abençoada pelo Senhor com a maternidade.”

- E há ainda outras, ou são só estas?

Há dois outros contos muito belos de mulheres estéreis que recebem como dom um filho que elas dedicarão ao Senhor e que terão uma grande missão a desempenhar. São dois contos que a liturgia do Advento faz ouvir nas missas da novena de preparação ao Natal. Trata-se da mãe de Sansão, cujo nome é desconhecido, e da mãe de Samuel, Ana. Ela tem um marido que a ama muito e que lhe diz que não importa se não têm filhos, mas ela não se consola. Um dia, num santuário, ela expõe o seu caso a um sacerdote que lhe diz para ter confiança... E quando ela recebe a graça de conceber, cheia de gratidão, leva o filho ao Santuário e o oferece para o serviço ao Senhor. A ela está associado o cântico da gratidão: “A estéril deu à luz sete vezes e a rica de filho desfloresceu” . Quem ouve este cântico sente imediatamente a sua profunda consonância com o Magnificat de Maria. Para a mulher de fé a maternidade é muitas vezes um grande dom de Deus, o dom através do qual ela se dá conta de que o Senhor age em profundidade e de modo maravilhoso e surpreendente na sua vida e no mundo.”

- E não nos podemos esquecer de Isabel, outra figura feminina de que nos fala muito a liturgia do Advento, não é?

Sim, o primeiro capítulo do Evangelho de Lucas fala de um casal, ambos já idosos. São justos, piedosos e, no entanto, não tiveram filhos. Esta página evangélica quer-nos dizer que é preciso o dom de Deus, para que o que é impossível aos homens se torne possível. E o filho de Zacarias e Isabel chamar-se-á, João, que quer dizer, precisamente, “Dom de Deus”. Tudo permanece, todavia, segredo, e será o anjo a falar a Maria como sinal também para ela de que o que é impossível aos homens, é possível a Deus. Também Maria era estéril do ponto de vista humano!  Ela também faz parte deste grupo de mulheres estéreis através das quais se realiza o plano de Deus".

"Vemos, portanto, que não só Maria é a primeira a acolher Jesus, mas que há também uma mulher grávida, Isabel, que é a primeira testemunha da Incarnação de Jesus. Sempre as mulheres, tanto no início da história com a Incarnação, como no novo início da história com a Ressurreição. Mas no fundo é normal, pois a vida nasce delas; sentem profundamente, fisicamente, o sobressalto de alegria dentro de si. Então, peçamos às mulheres do Advento para nos abrirem os olhos e o coração à fé.” 

(DA) 








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