Editorial: Catecismo 25 anos - doutrina que não evolui perde sua eficácia


Cidade do Vaticano (RV) - Em 11 de outubro próximo passado foi celebrado o 25º aniversário do Catecismo da Igreja Católica (CIC), ocasião na qual o Papa Francisco proferiu um discurso articulado e profundo em grande parte dedicado ao tesouro precioso do Depósito da fé que a Igreja tem o dever não somente de guardar e em relação ao qual esta deve dedicar-se com vontade pronta e sem temor naquele trabalho que ela percorre há vinte séculos.

Fidei depositum (Depósito da fé) é também o título da Constituição apostólica com a qual São João Paulo II promulgou em 1992 – trinta anos após a abertura do Concílio Vaticano II – o atual Catecismo, em substituição ao precedente, que era do Concílio de Trento – havia mais de 400 anos.

No discurso dirigido aos participantes do encontro que celebrava estes 25 anos – promovido pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização –, retomando o próprio Catecismo o Papa considerou vários aspectos, mas aqui me atenho ao que Francisco chama de “lei do progresso” no que diz respeito à Tradição.

“A Tradição é uma realidade viva – afirma o Santo Padre –; e somente uma visão parcial pode conceber o ‘depósito da fé’ como algo estático.”

Numa de suas contundentes afirmações, o Papa ressalta que “a Palavra de Deus não pode ser conservada em naftalina, como se tratasse de uma velha coberta que é preciso proteger da traça! A Palavra de Deus é uma realidade dinâmica, sempre viva, que progride e cresce, porque tende para uma perfeição que os homens não podem deter”.

Francisco esclarece que esta “lei do progresso” pertence à condição peculiar da verdade revelada, enquanto transmitida pela Igreja, e não significa de modo algum uma mudança de doutrina. Para tal, cita o que chama de fórmula feliz de São Vicente de Lérins: “annis consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate” – ou seja, a doutrina "fortalece-se com o decorrer dos anos, cresce com o andar dos tempos, desenvolve-se através das idades".

Nesse contexto, é importante lembrar que a Igreja caminha, o Evangelho não muda, somos nós que devemos mudar. A propósito, São João XXIII – o Papa do Concílio Vaticano II - afirmava que o Evangelho é sempre o mesmo, o que muda é a nossa compreensão do Evangelho, que cresce, é aprofundada, amadurece com o tempo.

Francisco citou o Papa João XXIII no Discurso de abertura do Concílio (11/10/1962) para lembrar que “é necessário primeiramente que a Igreja não se aparte do patrimônio sagrado das verdades, recebidas dos seus maiores; mas, ao mesmo tempo, deve também olhar para o presente, para as novas condições e formas de vida do mundo, que abriram novos caminhos ao apostolado católico”.

“Guardar” e “prosseguir” foi o caminho que o Papa Francisco indicou à Igreja. É a incumbência que cabe à Igreja por sua própria natureza, “a fim de que a verdade contida no anúncio do Evangelho feito por Jesus possa alcançar a sua plenitude até ao fim dos séculos”, evidenciou.

O Pontífice apontou esta incumbência como graça, tarefa e missão: anunciar de modo novo e mais completo o Evangelho de sempre aos nossos contemporâneos. Assim, disse, com a alegria que provém da esperança cristã e munidos do “remédio da misericórdia”, vamos ao encontro dos “homens e mulheres do nosso tempo para lhes permitir a descoberta da inexaurível riqueza encerrada na pessoa de Jesus Cristo”.

O Concílio quis que a Igreja chegasse finalmente a apresentar, com uma linguagem renovada, a beleza da sua fé em Jesus Cristo.

Podemos dizer que este foi o grande objetivo que o Concílio propôs e que há mais de 50 anos desafia a Igreja: falar ao homem dos nossos tempos com esta linguagem renovada, apresentar as verdades perenes do Evangelho de Jesus Cristo, que é o mesmo ontem, hoje e sempre.

Nessa tarefa, a Igreja é chamada a ter a sensibilidade de perscrutar aquilo que o Concílio chamou de “sinais dos tempos” e a capacidade de responder aos desafios que a mudança de cultura e de modelos culturais lhe apresentam.

É chamada a perscrutar os “sinais dos tempos” sentindo o pulso da história, ouvindo seus apelos para ajudar a iluminar, com a luz da fé, as novas situações e os problemas que no passado ainda não tinham surgido.

Assim tem feito o Papa Francisco desde o início de seu Pontificado, assim em seu ensinamento proveniente da Laudato si – como devemos ser capazes de uma atenção particular com a Criação; em seu ensinamento fruto dos dois Sínodos sobre a família contido na Amoris laetitia – a capacidade de verificar os desafios que estão presentes em nossa cultura e em nossa sociedade em relação ao matrimônio; a capacidade de dar-se conta e de acompanhar também aquelas situações de dificuldade que parecem multiplicar-se cada vez mais.

Em perspectiva, o Sínodo sobre os jovens, convocado para outubro de 2018, colocando-se à escuta dos jovens para ouvir seus apelos, deixando que sejam eles a falar, a fim de que suas alegrias e esperanças, suas tristezas e angústias sejam também as alegrias e esperanças, as tristezas e angústias da Igreja.

Ainda em perspectiva, o Sínodo para a região Pan-Amazônica, a realizar-se em outubro de 2019, buscando identificar novos caminhos para a evangelização daquela porção do Povo de Deus, também por causa da crise da Floresta Amazônica, pulmão de capital importância para nosso planeta.

Também aí, a possibilidade de encontrar respostas pastorais ousadas e corajosas para os desafios da evangelização da Amazônia, como pedem muitos bispos da região. E o Papa Francisco já deu sinais de abertura nesse sentido. A Igreja caminha, e Francisco a convida a fazê-lo no signo da sinodalidade, como indica a própria palavra, caminhando juntos.

A doutrina não muda, mas – não sendo estática – é sempre viva, é dinâmica. De fato, “fortalece-se com o decorrer dos anos, cresce com o andar dos tempos, desenvolve-se através das idades”. Parafraseando o teólogo suíço Hans Küng, podemos dizer que doutrina que não evolui perde sua eficácia. (Raimundo Lima)








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