Editorial: Populorum Progressio - o desenvolvimento continua sendo o nome da paz


Cidade do Vaticano (RV) - “O desenvolvimento é o novo nome da paz”: assim o hoje Beato Papa Paulo VI concluía 50 anos atrás – 26 de março de 1967 – uma das mais importantes encíclicas da Doutrina social da Igreja, a Populorum Progressio (O Desenvolvimento dos Povos), dando curso às aplicações do Concílio ecumênico Vaticano II, encerrado havia menos de dois anos.

Muitas iniciativas destes dias têm celebrado no mundo inteiro, em instituições acadêmicas católicas e não só, este importante 50º aniversário, dando-nos a ocasião de revisitar a memorável encíclica do Papa Montini (Giovanni Battista Montini era seu nome de batismo), da qual é impressionante constatar a grande atualidade.

É pertinente observar que a partir da Rerum Novarum, publicada em 1891 no contexto da pós-revolução industrial e das questões sociais que se apresentavam partindo da questão operária no final do Séc. XIX, os importantes documentos magisteriais sociais que se seguiram, via de regra, foram publicados pelos Pontífices em ocasião de aniversário da histórica encíclica de Leão XIII que, como primeira encíclica social da Igreja, constituindo um marco, tornou-se também uma referência.

Assim foi com a Quadragesimo Anno do Papa Pio XI, em 1931, nos 40 anos da Rerum Novarum; a famosa Radiomensagem de Pio XII, em 1941 (não uma encíclica, mas uma Mensagem), no 50° aniversário; a Mater et Magistra de João XXIII, em 1961, nos 70 anos da primeira encíclica social.

Em 1967, portanto, não num aniversário decenal da Rerum Novarum, Paulo VI publicou a memorável Populorum Progressio. Antes dele, João XXIII publicara a Pacem in Terris em 1963, toda ela dedicada à urgente questão da paz diante da tensão pelo risco de um conflito atômico num contexto de intensificação da guerra fria.

Com a Pacem in Terris, primeira encíclica dirigida também aos não-cristãos, a todos os homens e mulheres de boa vontade, o Magistério dá um verdadeiro salto de qualidade como consciência crítica da humanidade. Paulo VI assume esta herança e como homem de grande visão e de profunda intuição, diante dos desequilíbrios econômicos e injustiças entre povos e nações, diante do alargamento do fosso social cada vez maior entre ricos e pobres, lança a todos este apelo solene em favor do desenvolvimento integral do homem e do desenvolvimento solidário da humanidade.

Entendendo que a paz não será possível sem o desenvolvimento dos povos a nível planetário, a Populorum Progressio ressalta que o desenvolvimento é um dever. Os povos, portanto, são chamados a convergir numa obra comum para promover o desenvolvimento integral. Nessa empreitada Paulo VI recorda, sobretudo, os deveres dos povos mais favorecidos.

Os grandes documentos sociais que se seguiram após a Populorum Progressio voltaram à tradição de publicação em aniversário decenal da Rerum Novarum: a Octogesima Adveniens (Carta apostólica), também de Paulo VI, em 1971, nos 80 anos da encíclica de Leão XIII; a encíclica Laborem Exercens de João Paulo II, em 1981, nos 90 anos da primeira encíclica social.

Outro dado interessante: em 1987 João Paulo II quis celebrar o 20° aniversário da Populorum Progressio presenteando-nos a encíclica Solicitudo Rei Socialis; para o centenário da Rerum Novarum  (1991) publicou a encíclica Centesimus Annus; em 2009 o Papa Bento XVI escreveu a encíclica Caritas in Veritate, sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade, na qual celebra os 40 anos da Populorum Progressio (embora publicada dois anos após este aniversário).

Em sua encíclica, Bento XVI expressa a sua convicção de que a Populorum Progressio merece ser considerada como “a Rerum Novarum da época contemporânea”, que ilumina o caminho da humanidade em vias de unificação, a considera importante compêndio da doutrina socioeconômica do Concílio Vaticano II e descreve a forte transformação econômica ao longo dos 40 anos do memorável texto magisterial do Papa Montini.

É verdade que a economia passou por grande transformacão nestes anos, mas as questões no centro da atencão da Populorum Progressio permanecem imperiosamente urgentes e são de impressionante atualidade, num contexto sociocultural marcado pela interdependência planetária - agudizada pela globalização, pela prolongada crise econômica e pelo fenômeno mais recente dos refugiados, constituindo – como reiteradas vezes denunciada pelo Papa Francisco – a maior crise migratória desde a II Guerra Mundial.

Todavia, vale lembrar que, acima de tudo, é a visão cristã do homem que inspira o discurso da encíclica sobre o desenvolvimento e que impede reduzi-lo a questão puramente econômica e política. Uma das afirmações-chave para compreender a antropologia subjacente à Populorum Progressio e sua visão de desenvolvimento é a de que “a verdade do desenvolvimento consiste na sua integralidade: se não é desenvolvimento do homem todo e de todo o homem, não é verdadeiro desenvolvimento”. Esta é a mensagem central da Populorum Progressio, válida hoje e sempre.

Qual “perita em humanidade”, como a define Paulo VI, a Igreja “escruta os sinais dos tempos” para oferecer uma visão global do homem e da humanidade.

O Papa Montini se dirige a todos os homens e mulheres de boa vontade a fim de que se realize um desenvolvimento para o bem de todos: uma justiça em escala mundial que garanta uma paz planetária e torne possível um “humanismo planetário”.

Desenvolvimento integral do homem e desenvolvimento solidário da humanidade: Paulo VI desenvolve o princípio de que o primeiro não pode realizar-se sem o segundo. Passados 50 anos, os dois temas fundamentais que a encíclica resume no ideal de um desenvolvimento integral e solidário são, certamente, mais do que nunca atuais.

Enquanto permanecerem os desequilíbrios e as injustiças que caracterizam o mundo de hoje, jamais a paz será possível. É ilusão acreditar na realização da paz enquanto povos inteiros e nações  jazem alijados do progresso, à margem do desenvolvimento. A extrema atualidade da Populorum Progressio leva-nos a poder afirmar com convicção: hoje, mais do que nunca, o desenvolvimento é o nome da paz. (Raimundo Lima)








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