2017-02-02 14:12:00

África em clave feminina - Susana Baca e Celina Pereira


Vamos, como dizíamos, falar de Susana Baca, investigadora musical e cantora peruana, originária de Angola.

Fazemo-lo indo buscar aos nossos arquivos uma entrevista sobre ela com Giuliano Cannevaci,  colega do programa musical da Rádio Vaticano que se debruçou durante um certo período sobre o sincretismo musical, com particular atenção para a música afro-americana. Foi em 2011, Ano que por sinal tinha sido declarado, pelas Nações Unidas, Ano das Culturas Afro-americanas. Susana desempenhou, por alguns meses, precisamente nesse ano,a função de Ministra da Cultura, sendo deste modo a primeira ministra negra no Perú desde que o país se tornou independente da Espanha em 1821.

Susana Baca é uma personalidade incrível. Desde pequena que manifestou a paixão pela música do seu país, acabando por dar-se conta de que a música afro-peruviana não só não era conhecida, mas nem sequer representada na Rádio, na Televisão; então travou uma batalha a fim de a dar a conhecer e acabou por tornar-se na maior representante da música afro-peruviana em todo o mundo, sublinhando a força cultural dos afro-descendentes possuidores duma cultura própria que querem ver reconhecida e respeitada em todo o mundo. Façamos então esta homenagem a Susana Baca, escutando uma das suas canções mais famosas: “Negra Presuntuosa”

Giuliano, para além de ser cantora Susana Baca é também uma investigadora das raízes africanas da música no Peru!?

Depois de um silencio que durou séculos, em 1997, entrevistada por um jornalista da “Crónica de São Francisco”, ela diz não ter nunca ouvido na Rádio, no Peru, musica africana ou afro-peruviana e nunca ter visto nenhuma referência aos afro-descendentes nos livros de História do Peru. Portanto, não se fala absolutamente da importância que tiveram. Então, procurando as raízes musicais dos afro-peruvianos, ela anda pelo país todo investigando, falando com as pessoas… Começa assim a juntar novos sons a histórias antigas e compõe deste modo, com os seus companheiros de música, novas peças musicais, algumas das quais ouvimos nesta emissão"

Sabemos que em 1995, Susana Baca fundou, juntamente com o marido, o “Centro Experimental de Música Negrocontinuo”.

Um Centro de pesquisa a nível internacional, na sua casa em frente do Mar em Chorillos, um centro apetrechado com uma biblioteca, um grande arquivo musical e um grande espaço para exibição de música e dança. E ali, fruto das longas pesquisas que fez nas áreas rurais peruvianas, nasce “Maria Landó” talvez o seu maior sucesso depois de “Negra Presuntuosa”.

“Ela veio a Roma, conheci-a, falei com ela e fiquei fascinado por essa mulher. É um bocado parecida contigo”.

Ah sim, só que eu não tenho o talento dela!

Bem, mas cada um tem o próprio talento

O que é que te toca mais na música dela?

Os textos, e sobretudo porque ela inter-age, quer dizer, quando canta move-se com todo o corpo, o que, muitas vezes, as cantoras não fazem. Ficam imóveis. Ela, pelo contrário, quando canta exprime com a gestualidade, com os movimentos do corpo, as palavras que pronuncia. E os textos são belíssimos. São escritos por poetas”.

E ela interpreta?!

Ela interpreta; alguns textos são da sua autoria, outros foram escritos por famosos poetas do Peru, mas ela é uma grande interprete, na medida em que não só canta, mas exprime com a própria voz a dor, a alegria, a felicidade, a tristeza, a esperança… enfim, tudo o que vai na alma dos afro-descendentes e que transmitiram de geração em geração, ao longo de séculos de sofrimento, porque se trata realmente de séculos de sofrimentos, muitas vezes esquecidos ou não reconhecidos.”

Que outra canção de Susana Baca nos propões, Giuliano?

Uma outra canção que acho excepcional é “Molino Molero” que surgiu, também ela, das investigações feitas por ela no coração profundo do Peru e que fala de um moinho onde as pessoas vão ouvir o movimento da água… “Molino Molero”, Susana Baca…!”

Uma curiosidade, Giuliano, como é que te veio a ideia de fazer emissões aqui na RV sobre o sincretismo musical, emissões em que para além de Susana Baca, houve também números dedicados a Cabo Verde, à Guiné-Bissau, ao Haiti… ?

“Tudo nasce da minha curiosidade pela cultura afro-americana. Mas na base está claramente a diáspora africana, isto é quando as pessoas escravizadas foram levadas, ao longo de três séculos, da África para as Américas. Além disso, há trinta anos atrás fui ao Brasil e fiquei fulgurado…, porque ali tudo é sincretismo musical, desde o samba… enfim, toda a música brasileira nasceu desses ritmos porque aquilo que os conquistadores, os negreiros, não conseguiram fazer foi cancelar a memória dessas pessoas. E essa memória exprimiam-na, sobretudo, através do ritmo, do tambor… Com efeito, no Brasil e em todos os países da América do Sul o som do tambor era proibido porque representava não só a memória cultural dos escravos como também uma forma de transmitir mensagens e por isso era visto pelos negreiros como uma forma de incitação à revolta. Então o tambor é expressão de tudo isso: do seu som vem o “beat”, do qual nasce depois o gospel, o jazz e tudo mais… Portanto, tudo nasce da diáspora africana… Facto que não é talvez muito aceite, isto é que desse encontro sincrético nasceram novas linguagens musicais

De recordar ainda que 2011 foi dedicado pelas Nações Unidas aos afro-descententes, a fim de que sejam tidos em consideração em todos os sectores da vida social e as suas culturas sejam respeitadas e difundidas. Algo que reforçou em Giuliano Canevvaci essa curiosidade pela cultura afro-americana e o desejo de contribuir para a sua difusão.

Agradecemos ao Giuliano pela sua colaboração aqui nesta rubrica dedicada às mulheres, desta vez com as notas musicais de Susana Baca que, embora tivesse abraçado de corpo e alma a missão de Ministra da Cultura no seu país, o Peù, numa entrevista à agencia Sapo, por ocasião duma estada em concerto na capital portuguesa em Maio de 2011, disse: “eu não podia deixar de cantar, sentia como que uma argola a apertar-me o pescoço”. Isto a propósito da impossibilidade de fazer digressões musicais enquanto Ministra.

Pronunciamentos do Papa Francisco sobre a mulher

A atenção da Igreja pela mulher tem vindo a aumentar e são vários os pronunciamentos sobretudo dos Papas mais recentes sobre a necessidade de uma presença mais ampla e qualificada da mulher na sociedade.

Em 2013, por exemplo,  ao receber os participantes no Seminário promovido pelo Conselho Pontifício para os Leigos, por ocasião do XXV aniversário da Carta Apostólica  “Mulieris Dignitatem” do Papa João Paulo II, o Papa Francisco dizia:

Também na Igreja é importante perguntar-se: qual é a presença da mulher? Eu sofro – digo a verdade – quando vejo na Igreja ou nalgumas organizações eclesiais que o papel de serviço – que todos nós temos ou devemos ter – que o papel de serviço da mulher desliza sempre para o papel de servidão. Quando vejo as mulheres que fazem coisas de servilismo, significa que não se compreendeu bem aquilo que deve fazer uma mulher. Qual é a presença da mulher na Igreja? Pode ser ulteriormente valorizada. é uma realidade que me está muito a peito

Ainda em 2013 dizia aos bispos brasileiros: 

“Não reduzamos o empenho da mulher na Igreja. Promovamos, isso sim, o seu papel activo na comunidade eclesial. Se a Igreja perder as mulheres, na sua dimensão total e real, ela corre o perigo de ser estéril”.

A 28 de Julho, no voo de regressando do Brasil…

 Uma Igreja sem mulheres é como um Colégio Apostólico sem Maria. O papel da mulher  na Igreja não é somente a maternidade, a mãe de família, é um papel  mais forte: é precisamente o ícone de Nossa Senhora, aquela que ajuda a crescer na Igreja!... Não se pode limitar ao facto de fazer a acólita ou a Presidente da Cáritas, a catequista… Não!... Deve ser mais, muito mais, misticamente mais… Maria era mais importante do que os Apóstolos, do que os bispos, os diáconos e os padres.  A mulher  na Igreja  é mais importante do que os bispos, os padres; como, é isso que devemos explicitar melhor, porque creio que que falta uma explicitação teológica sobre isto”.

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O intento desta nossa emissão é ver como a arte, sobretudo feminina, em África é valorizada. Há algum tempo atrás pusemos a pergunta a Celina Pereira, cantora e investigadora cabo-verdiana residente em Portugal. Para ela, pensando sobretudo em Cabo Verde, há uma falta de consciencialização sobre o papel da mulher na arte.

E vamos terminar esta com a canção “Mar di Lua Cheia”, uma das interpretações de Celina Pereira, cantora que vos apresentaremos melhor numa das próximas emissões.

É assim o fim da nossa emissão desta quinta-feira. Estaremos de volta na próxima quinta sempre às 13.00 de Roma, em FM 103.8 e via internet em www.radiovaticana.va /português. Uma saudação amiga de Dulce Araújo e de toda a equipa da secção portuguesa da RV… 








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