2016-12-05 13:41:00

O meu coração está cheio de amor pelos outros - P. Manuel João - I parte


As pessoas que conhecem o P. Manuel João dizem que é uma pessoa excepcional, sempre bem humorada e cheia de alegria. E mesmo da sua cadeira de rodas, a braços com uma doença rara invalidante, consegue semear alegria e esperança à sua volta, levando a reflectir sobre a vida e o seu significado profundo.  E foi o que constatamos ao entrevistá-lo por telefone da cidade de Verona, onde se encontra actualmente, numa casa para combonianos que precisam de cuidados especiais. Transmitiu-nos a convicção de que em qualquer situação que nos encontremos, há sempre uma oportunidade nova que podemos colher positivamente. E é isto, ou melhor o milagre que Deus lhe concedeu, que lhe permite viver com serenidade e alegria a situação de doença em que se encontra. 

Oiça aqui a primeira parte da conversa com ele. 

“Sou P. Manuel João, sou missionário comboniano. Fui ordenado sacerdote em 1978. Depois de sete anos como formador no nosso apostolantado, em Coimbra, fui destinado à Província comboniana  do Togo, Gana e Benin. Trabalhei, portanto, no Togo, no Gana e no Benin oito anos, depois trabalhei oito anos em Roma e finalmente, de novo no Togo, Gana e Benin.  E desde, digamos, cinco anos, devido à doença, tive de regressar à Europa, concretamente à Itália (Roma), porque me foi diagnosticado uma ELA, Esclerose Lateral Amiotrófica. Agora encontro-me numa cadeira de rodas, estou numa casa de assistência aos confrades doentes ou muito velhinhos que necessitam de cuidados  particulares”.

- E como é que está a viver esta situação, digamos, que não é de uma doença qualquer, dir-se-ia uma doença com D grande?

“Sim, realmente (riso), esta doença é um pouco particular. Na Itália chamam-na a “doença dos jogadores”, porque há bastante  incidência em grupos com actividade físicas estressantes. Eu não conhecia esta doença. Estava em África, comecei a sentir  dificuldades no caminhar e, depois de várias peregrinações, digamos, a médicos, finalmente alguém me detectou esta doença. Claro, eu nem sequer a conhecia, mas quando fui ver a que é que correspondia este nome, fiquei um bocado assustado e a primeira noite, digo a verdade, chorei, digamos assim… Mas, passado aquele momento, o Senhor operou o milagre de dar-me uma grande serenidade e optimismo. E eu acho que isto é mesmo um milagre de Deus, a serenidade com que tenho vivido a minha situação.

Eu estou contente, eu digo muitas vezes que nunca fui tão feliz como sou agora, embora tenha sido sempre uma pessoa serena, contente e querida, contente de ser missionário mas, realmente, o Senhor  acompanhou-me com este grande dom da paz e da serenidade, que acho que é um verdadeiro milagre, é uma resposta a tanta oração de tantos amigos que continuam a pedir a Deus a minha cura. Eu acho que o milagre é mesmo este: sentir esta serenidade e a alegria de viver que nunca me abandonou. O milagre, acho que é mesmo este, eu estou muito agradecido a Deus, estou muito consciente que isto não vem de mim, vem do Senhor. Eu tinha tanto medo das doenças e, agora vivo esta doença assim que pouco a pouco me torna, digamos, prisioneiro da doença, dado que agora só movo um pouco a cabeça e por agora ainda consigo respirar mais ou menos e falar, mas a perspectiva é não poder mover  nenhum membro. Eu sinto-me prisioneiro no meu próprio corpo.

Um historiador britânico que faleceu precisamente naqueles meses em que me foi diagnosticado esta doença, dizia que esta doença é a mais perfeita prisão domiciliaria que se poderia  inventar, porque se fica prisioneiro no próprio corpo.

Mas eu sinto que se fico prisioneiro, há alguém  que está prisioneiro dentro de mim e é, em primeiro lugar, o Senhor, não é?, que fica comigo, e todos os amigos que levo no coração. Portanto, nunca ficarei sozinho nesta prisão; esta prisão é habitada, o meu coração está cheio de amor pelos outros, sei que o Senhor nunca me abandonará, Ele será o prisioneiro dentre de mim e, comigo estarão todas aquelas pessoas que eu levo no coração. Por isso é que me sinto muito sereno”.

- Depois deste milagre da serenidade que sente em si e que maravilha muitas pessoas, espera também num milagre da cura desta doença para si e para outras pessoas que sofrem dela?

“Ah sim, sem dúvida. Continuo também mais ou menos ao corrente das pesquisas que se fazem no campo; portanto, se houvesse uma cura para todos, naturalmente que eu (riso) gostaria também de usufruir dela mas o milagre de, digamos, ser curado eu (uhm!) acho que não tenho a coragem de pedir isso. Seria quase um atraiçoar, digamos assim, todos os outros doentes que sofrem dessa doença. Eu vivo a minha precisamente como solidariedade (…) em comunhão com os outros, em comunhão com os que sofrem, e eu vivo esta doença também em solidariedade não só com os doentes em geral, mas também e mais especificamente com todos aqueles  que sofrem desta doença rara. Eu vejo que a minha palavra também – a Palavra do Evangelho  - é uma palavra de consolação, uma palavra de ânimo – tem um força muito especial, desde a minha cadeira de rodas, este é o meu púlpito, digamos assim. 

Se eu me apresentasse depois a um doente: “Ah, fui curado!”, seria quase sentir isso como uma injustiça, como ser um privilegiado; eu não quero ser um privilegiado. Eu quero viver  em comunhão com os demais, quero transmitir esta  minha convicção de que qualquer circunstância humana pode ser uma nova oportunidade. Eu vivo mesmo como o Senhor, embora tenha lutado tanto no campo no campo da minha acção – antes gostava de caminhar, fazer excursões com amigos, em África gostava de caminhar pelos montes, através das florestas, visitava umas comunidades, agora não posso, o meu raio de acção é limitado, digamos …. Onde chega a minha cadeira de rodas… que a minha vida é mais fecunda (…) Palavra … a sua acção, a sua vida dará mais fruto.  Claro, às vezes, levanto-me e vejo… Senhor, mas poderia fazer tanto, porque é que não posso trabalhar?! Não, é aqui, neste lugar, neste espaço limitado que a tua vida é mais fecunda. E eu estou convencido  disso, não é? É verdadeiramente uma convicção profunda que na vida tudo se pode transformar numa nova oportunidade que abre espaços novos, horizontes novos (…), portanto, às vezes acontece uma desgraça, uma doença, um obstáculo “insormontável”, nós tentamos superá-lo dum lado e doutro lado e não há meio. (…).”

- Qual é a oportunidade concreta que vê nesta doença que Deus lhe deu e que existe também para outras pessoas?

“Em primeiro lugar, a vida continua, continua a ser bonita. Eu digo às pessoas: sorri, não olhemos só para o que já não temos, para o que perdemos, mas para aquilo que temos, que fica, que vai poder ser potencializado; (…) Eu vejo como estou, por exemplo, no lugar onde estou devo usar mais os encontros com as pessoas, cada visita é um encontro, é como um dom, um dom recíproco, ver cada encontro como um encontro de profundidade (…) então os olhos abrem-se, portanto já não vejo só esse mundo escuro diante de nós, mas descobrimos uma porta que há-de se abrir de alguma maneira escondida nesse mundo e que nos abre horizontes novos. E eu posso dizer que agora gozo ainda mais da vida do que antes” 

(…) partes da conversa que não se percebem bem.

(DA)

Foto: cortesia de Teresa Monaco

 








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