2016-09-30 14:51:00

República Centro-africana persevera no caminho a paz


 

Dois anos após a assinatura da cessação das hostilidades, a situação na República Centro-Africana é, de forma geral, calma, embora, esporadicamente, haja recontros. O mais recente foi em meados deste mês quando, supostamente, os ex-rebeldes Seleka mataram seis pessoas no centro do País.

Se por um lado trazem à memória um passado doloroso, por outro, estas violências são bem mais reduzidas das que se seguiram ao derrube do Presidente François Bozizé em 2013. Temendo um genocídio, a comunidade internacional mobilizou-se: a França com a operação SANGARIS, cheia de contradições e que está em vias de completa retirada; e agora as Nações Unidas com uma força de paz denominada MINUSCA para ajudar na transição democrática.

Aquando da sua visita apostólica ao País em novembro de 2015, o Papa Francisco convidou os jovens a serem artesãos de paz, rezando, perdoando, amando. Convidou-os também a “resistir perante as dificuldades, pois que fugir não é a solução”

O gabonês, Parfait Onanga-Anyanga, chefe da MINUSCA e Representantes Especial do Secretário Geral da ONU na RCA, explica numa entrevista realizada pelo colega francês Gaetan Plenet que a construção do país já começou mas não poderá continuar senão com a ajuda e o apoio da população e dos parceiros internacionais que tem em agenda uma reunião em Bruxelas no próximo dia 17 de novembro.

A situação continua preocupante. De forma geral é um país que continua a ser frágil. Este povo já deu provas da sua vontade de fazer uma transição através das urnas, evitar que seja uma transição violenta, como foi no passado, uma transição democrática, portanto, com um novo presidente eleito regularmente: o Professor Faustin Archange Touadera. Há também um Parlamento que funciona bem com todos os seus eleitos. É um país que está a reganhar vida, mas isto não quer necessariamente dizer que para a maior parte da população as coisas tenham melhorado, nem por isso! Há ainda demasiado sofrimento, meio milhão de refugiados vivem ainda longe de própria terra natal e, no interior do país, há demasiadas pessoas deslocadas. De forma geral, há uma situação humanitária que continua a ser preocupante com cerca de meio milhão a seiscentos mil habitantes em grande necessidade de ajudas humanitárias urgentes. Esse povo é resiliente e ouso esperar que todos os esforços que estão a ser empreendidos neste momento pelo Governo, pelo Presidente, mas também pelos parceiros da RCA em preparação da reunião de novembro em Bruxelas darão frutos e permitirão ao País esboçar uma nova página por forma a essas populações poderem experimentar os frutos da paz.”

- Não obstante as tensões de meados de junho passado, em que houve raptos de polícias em Bangui, algumas aldeias foram atacadas e alguns rebeldes se recusavam a desarmar-se, podemos falar em actos esporádicos ou de algo mais profundo?

Creio que quando se sai de Bangui e se vai para o interior do país, têm-se a imagem de um povo que tem vontade de voltar a viver junto. Há belas experiências de reconciliação, de esforço de coesão social, mas infelizmente, o traumatismo dos anos de guerra não passou ainda completamente.  É muito fácil fazer a guerra, muito fácil. Basta uma pequena faísca aqui e acolá e não se sabe onde vai parar, mas o trabalho de reconstrução, este esforço para colmatar todas essas brechas é um trabalho com a pessoa humana que tem de ser feito, não se trabalha só do ponto de vista material. É mais fácil fazer um prédio… mas as vidas perdidas não se recuperam. As feridas profundas, as do coração, da alma… é outra coisa!

- Isto quer dizer que o Governo da República Centro-africana não consegue ainda falar a todo o povo e a uni-lo?

Há certamente muito caminho a percorrer. O Governo, ou, em todo o caso, o Presidente estabeleceu no seio da presidência uma estrutura importante que vai ser encarregada de reformas extremamente importantes sobre o desarmamento, mas também do sector da segurança. E há também a preocupação da reconciliação. São três pilares importantes, melhorar a situação de segurança no País e isso passa também pelo mandato que foi dado à MINUSCA.O objectivo principal será o de fazer todo o possível para reduzir a ameaça que constituem os grupos armados para a população civil e para as autoridades do Estado. Este esforço não exigirá apenas uma presença, uma dissuasão militar, mas também a presença e a persuasão, e isto passa pelo diálogo e um dialogo inclusivo. E eu aproveito para lançar um apelo a todos esses centrafricanos que não colheram ainda a oportunidade, a mão estendida do Chefe de Estado, a não hesitarem. Os problemas em si são legítimos… todos aqueles que têm reivindicações, o que consideramos legítimo, devem colher a ocasião que lhes é, finalmente, dada de poder empreender uma acção tranquila, uma acção na qual a exigência fundamental será de governar para todos. É preciso dar-lhes uma oportunidade, é preciso dar uma oportunidade à República Centro-africana. Pegar numa arma, diria que é hoje a coisa mais fácil, diria mesmo  que é a arma do fraco; a força é construir. É preciso que cada um assuma as próprias responsabilidade perante a história e isto nenhuma força armada a pode impor.”

- O que quer dizer que a resposta da MINUSCA não pode ser unicamente securitária?

Essa missão enquanto tal é multidimensional: agimos, portanto, em diversas frentes. É claro que há uma força que foi enviada porque era necessário socorrer um povo que estava à beira do genocídio. A força nesse momento era útil. Hoje temos uma situação de estabilidade relativa, mas mais apreciável, não há conflitos abertos entre as comunidades, há ainda aqui e acolá, infelizmente, e deploro isto!, demasiadas tensões que se terminam sempre de forma violenta. Daí a necessidade, realmente, para todos de se submeter à autoridade do Estado, depor as armas e de aprender a resolver os problemas com os quais essas comunidades são confrontadas, duma forma que seja menos violenta. Nós intervimos, justamente, para proteger as populações civis de forma geral, mas também em sintonia com as agencias da ONU – UNICEF, Alto Comissariado para os Refugiados… todas estão à cabeceira da República Centro-africana para responder ás necessidades urgentes dessa população que já sofreu demasiado. “

- Que papel desempenham ou desempenharam as comunidades religiosas, quaisquer que sejam?

O papel dessas personalidades, em todo o caso da Plataforma Religiosa, é de crítica. E nós enquanto MINUSCA as apoiamos. Elas intervêm precisamente nesse domínio em que nós não somos absolutamente competentes. Conhecem o seu povo, conhecem a sua história, conhecem o seu sofrimento, sabem falar a eles na sus própria língua… o que fazem é precioso e insubstituível. O pior para este País seria, precisamente, de se deixar levar por determinados políticos oportunistas por uma forma de conflito baseado em confissões religiosas, que nunca foi absolutamente o caso. Esse nervo extremamente sensível foi esticado. É preciso evitar brincar com isso e evitar manipulações para apresentar problemas que são talvez políticos, mas sobretudo socioeconómicos como a necessidade do trabalho para os jovens. Os jovens constituem mais de 60% da população e não sabem como será o seu futuro. É preciso dizer aos centro-africanos que são um povo, que têm a sorte de ter uma única língua e uma mesma cultura. Bravo!, a esses líderes religiosos que fazem um trabalho realmente notável. E o Papa que veio nos dias 29 e 30 de novembro de 2015 com essa mensagem de paz… e sobretudo que veio para todos os centro-africanos…, é isso que foi extraordinário! Ouvi um jovem da comunidade muçulmana dizer-me: “Senhor, sabe que desde que vi o Papa prostrar-se no lugar onde o Imã reza, a minha vida mudou. Hoje já não estou em veia de me vingar de algum eventual ataque a mim próprio ou aos meus correligionários que possam ser vítimas. Respondemos com a paz” – Ah isto é profundo! A visita do Papa foi um tempo forte para a República Centro-africana, um momento salutar para esse País. E estamos ainda a beneficiar dos frutos daquilo que em Bangui classificam de milagre e que permitiu a uns e outros de se dar conta de que o caminho da paz está muito melhor do que a guerra

(DA) 








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