LG: As novas concepções eclesiais pré-conciliares


Cidade do Vaticano (RV) - No nosso espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos continuar a tratar da Constituição dogmática Lumen Gentium.

Nós temos dedicado um amplo espaço à Constituição dogmática Lumen Gentium, um dos mais importantes documentos do Concílio Vaticano II. No capítulo de hoje de nosso programa, vamos recordar os fatores pré-conciliares que foram fundamentais na elaboração deste documento. Padre Gerson Schmidt, incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre, tem nos acompanhado na exposição dos documentos do Concílio e na edição de hoje, nos traz a reflexão "As novas concepções eclesiais pré-conciliares":

"O Concílio Vaticano II abriu novos horizontes na concepção da Igreja, descritas nas páginas densas e preciosas da Lumen Gentium. Devemos aqui lembrar alguns pontos fundamentais desse pensamento, amadurecido nas reflexões antes e durante o Concílio Vaticano II:

1. Primeiro: sair do pensamento do caráter eclesial simplesmente corporativo, que coloca a Igreja em paralelo com as sociedades civis, para mergulhá-la inteiramente no mistério salvífico de Cristo, Cristo-cabeça, do qual recebe a Igreja sua intrínseca orientação no mundo, ou seja, o mistério de Cristo que abre o horizonte e o sentido da missão da Igreja;

2. Segundo: A Igreja deixar de girar em torno da hierarquia para reencontrar-se como comunhão de todos os batizados, enriquecida com os dons, carismas e ministérios de cada um deles; todos os ministérios procedem da dimensão ministerial da Igreja, de realizar assim sua missão no mundo e na história. Esse processo foi uma lenta concepção articulada no decorrer do século XX, consolidada no Concílio Vaticano II.

Esse novo pensamento foi concretizado por confluência de fatores diversos, diversos movimentos anteriores ao Concilio. Vamos relembrá-los aqui um a um:

1º. O movimento litúrgico, centrado inicialmente em ambientes monásticos. Figuras monásticas pré-conciliares se destacaram como dom Guéranger em Solesmes e dom Walter em Beuron, que foram paulatinamente ajudando a descobrir em ambientes mais amplos que todos os batizados eram partícipes – ou seja, participantes e atuantes - no mistério celebrado pela Igreja. Por isso, também, a expressão repetida na Sacrosanctum Concilium (Liturgia) “Participação ativa dos fiéis”.

2º. Uma gradativa busca de uma espiritualidade cristocêntrica: a pessoa de Cristo se relaciona pessoalmente com os homens, de um modo singular nos sacramentos, sobretudo na Eucaristia; A concentração ou centralização em Cristo leva consigo uma mais profunda compreensão de seu Corpo Místico¹.

3º. Em uma sociedade que se inclinava ao anonimato e que chegava a provocar guerras mortíferas ressurgia o desejo do espírito comunitário e humanitário, que favorecia as relações humanas e concretas. A Igreja se apresentava como o espaço privilegiado para esse espírito comunitário e fraterno.

4º. A necessidade de situar a fé cristã na sociedade e da Igreja se fazer presença em ambientes descristianizados, exigia a revalorização do laicato e, consequentemente, uma eclesiologia mais flexível e dinâmica.

5º. O surgimento dos estudos bíblicos e sua inserção na eclesiologia provocou uma nova seiva nas concepções anteriores.

6º. Também o florescimento da patrística produziu novos e fundamentais temas à eclesiologia: sua dimensão essencialmente missionária, a leitura comparativa da Igreja, a ideia de recapitulação, a relação entre encarnação e gênero humano.

7º. As novas situações históricas em que se encontrava a Igreja diante de novos desafios no âmbito ecumênico que se ia criando, as experiências missionárias, as urgências e emergências evangelizadoras.

Todos esses fatores pré-conciliares foram fundamentais para a construção da Constituição dogmática Lumen Gentium. É dentro desse prisma que se forma e se compila o documento mais importante do Concílio, sem o qual não se entende os outros. É dentro dessa ótica, dessa concepção eclesial, que se entende as palavras da Constituição Apostólica Humanae Salutis, de João XXIII, que convoca o Concílio em 1961 e que diz assim: “uma apresentação da Igreja sempre viva e sempre jovem, que sente o ritmo do tempo e que, em cada século, se torna o novo esplendor, irradia novas luzes, realiza nova conquistas, permanecendo, contudo, sempre idêntica a si mesma, fiel à imagem divina impressa na sua face pelo esposa que a ama e protege, Jesus Cristo”.

¹ Y. CONGAR, Autour du renouveau de l'ecclésiologie: VI nt 11 (1939) 11.








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