Editorial: cinco anos


Cidade do Vaticano (RV) - Esta semana mais uma imagem vinda da Síria provocou comoção, indignação, revolta e as perguntas "Por que? Até quando?".

O vídeo mostra o pequeno Omran, de apenas cinco anos, sendo retirado de uma casa que acabou de ser bombardeada. Ele era apenas uma das cinco crianças retiradas dos escombros. Aparece sendo levado pelo socorrista para dentro de uma ambulância onde é colocado sentado. O menino, coberto pela poeira dos escombros, fica ali, impassível, passa a mão na cabeça ferida, vê o sangue, tenta limpar a mão no assento, e para, quase que em estado de choque, atordoado, com o olhar perdido.

A violência e a crueldade deste conflito sem fim estão retratadas nesta imagem: a poeira das ruínas que recobre o corpo de uma criança, a inocência ferida pelo sangue que escorre pela cabeça, o olhar perdido, o silêncio, a ausência de palavras, como que tentando entender o impossível, o que foge da compreensão.

Há quase um ano, no início de setembro de 2015, a foto do pequeno Aylan Kurdi rodou o mundo e se tornou um símbolo da crise migratória. O menino sírio, de apenas três anos, foi encontrado morto em uma praia no balneário de Bodrum, na Turquia, vítima de uma tentativa desesperada e frustrada de chegar à Europa, e de lá ao Canadá, para encontrar-se com uma tia.

No Angelus do último 8 de agosto, mais uma vez o Papa Francisco voltou a lançar um apelo e pedir orações em favor da paz na Síria, afirmando ser "inaceitável que muitas pessoas indefesas, também muitas crianças, tenham que pagar o preço do conflito".

O Núncio Apostólico na Síria, Dom Mario Zenari, ao comentar as palavras do Papa e a situação na Síria, havia afirmado ser esta uma "guerra por procuração", que se tornava cada vez mais complexa pela entrada de novos elementos em cena.

Já o Bispo caldeu de Aleppo, Dom Antoine Audo, recordava no último sábado, ecoando o Santo Padre, que "a solução é de caráter político e deve vir de dentro da Síria", e denunciava, que além dos interesses da Turquia e dos Países do Golfo, "por trás de tudo existe o comércio de armas e como o Santo Padre disse: “Falam de paz e vendem armas por interesses econômicos”.

A idade do pequeno Omram, cinco anos, é a mesma do conflito na Síria, iniciado em 2011 como uma cadeia de protestos pacíficos, seguido por uma forte repressão do exército sírio. Em julho de 2011, desertores do exército declararam a formação do Exército Sírio Livre e começaram a formar unidades de combate. A oposição é dominada por muçulmanos sunitas, enquanto as principais figuras do governo são alauítas.

Especialmente a partir de 2013, novas forças passaram a fazer parte do cenário do conflito, como a al-Nusra (braço da Al-Qaeda), o Estado Islâmico, e dezenas de outras milícias. Países como Arábia Saudita e Catar fornecem armamentos aos rebeldes, enquanto Irã e Hezbollah apoiam as forças governamentais de Assad.

A área de 185.180 m² da Síria, virou um verdadeiro tabuleiro de xadrez onde as superpotências movem suas peças num jogo de estratégias em busca de maior domínio e influência na região, rica em petróleo. Esta semana a aviação russa passou a usar uma base no Irã para bombardear o Estado Islâmico e as forças de oposição.

Até há pouco inimigos, pela derrubada de um avião russo na fronteira com a Turquia, Erdogan e Putin apertaram as mãos em Moscou selando uma nova aliança. A China sempre esteve presente no conflito com sua tradicional discrição. Os EUA participam do conflito a partir do Iraque, também defendendo os seus interesses.

Agora, trava-se a batalha pela conquista de Aleppo, segunda cidade síria e de importância estratégica. Neste contexto, a ONU viu-se obrigada a suspender a entrega de ajudas humanitárias aos civis. Tortura e execução de prisioneiros é prática corrente. Direitos civis não existem. Hospitais e casas são bombardeados, falta luz, falta eletricidade, falta comida, faltam medicamentos. Armas químicas são usadas, quer por forças governamentais, iranianas, russas, como pelos rebeldes. "Ninguém está isento de culpa nesta guerra", afirmou um jornalista enviado ao campo de batalha.

A única "voz da verdade" neste contexto – afirma o Patriarca Gregorio Laham - é a do Papa Francisco, que não se cansa nunca de "lançar apelos pela amada Síria", que denuncia a hipocrisia de uma comunidade internacional "que fala de paz e depois vende  armas" às partes em luta e defende uma solução negociada para a crise.

O conflito, com envolvimento de tantos interesses e protagonistas, já provocou mais de 250 mil mortos e 11 milhões de deslocados.

Diante do sentimento de impotência que experimentamos diante de tanta perplexidade, talvez tragam alguma esperança as palavras do Núncio na Síria: "Nós temos esta arma em que acreditamos; e é a arma, antes de tudo, da oração", e depois, "a solidariedade: a solidariedade efetiva para ir de encontro a este sofrimento e a esta pobreza que cresce a cada dia; a solidariedade que faz com que não se esqueça desta tragédia em que estão sofrendo tantos nossos irmãos e irmãs”.

Quem sabe assim, também os corações dos protagonistas do conflito, os senhores da guerra, possam ser sensibilizados com a imagem do pequeno Omram ali sentado, impassível, coberto de poeira, ferido, perplexo diante do indizível da desumanidade reinante.

Que a cena com o "menino de Aleppo", de apenas cinco anos - o tempo da guerra -  não seja apenas mais uma das tantas imagens de um conflito sem fim, mas uma mensagem de esperança, de que dias melhores virão.

(Jackson Luis Erpen)

 

 








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