Conflito no Sudão do Sul: o testemunho de um missionário


Juba (RV) - Aumenta o balanço das vítimas dos confrontos que estão ensanguentando Juba, capital do Sudão do Sul, nos dias em que o país está celebrando 5 anos de independência.

Os conflitos tiveram início na última quinta-feira (07/07), entre os militares fiéis ao Presidente Salva Kiir e a guarda do vice-presidente Riek Machar. Segundo o Ministério da Saúde, pelo menos 272 pessoas morreram nos últimos dias. 

O missionário comboniano Pe. Raimundo Nonato Rocha dos Santos, da Diocese de Balsas (MA), acabou de regressar ao Sudão do Sul. No último sábado, 9 de julho, dia da independência dessa nação africana, o religioso nos escreveu uma carta na qual relata o clima que se vive no país.
 
Eis o documento.

Neste dia 09 de julho de 2016 comemora-se o quinto aniversário do Sudão do Sul como nação independente. O que comemorar no dia da independência? Não há o que comemorar com a situação crítica em que vive o país: centenas de milhares desabrigados por causa dos conflitos, comunidades inteiras em risco de fome, doenças que se alastram e uma economia em colapso. De fato, oficialmente não tem comemorações previstas. O governo anunciou que não tem dinheiro para as comemorações. Além disso, aconteceu mais violência nas vésperas do dia da Independência.

Desde o acordo de paz assinado em agosto do ano passado pelo Presidente Salva Kiir e pelo líder da oposição armada e agora Primeiro Vice Presidente, Riek Machar, houve uma pequena melhora na situação geral do país porque os conflitos diminuíram. Riek Machar voltou à capital em abril e desde então se esperava mais avanços na implementação do acordo de paz e melhorias para a população. Porém, além da grave crise econômica que assola o país, surgiram novos conflitos isolados em algumas áreas do país e recentemente tem havido tensões entre as forças de segurança do Presidente, Salva Kiir, e as forças do Primeiro Vice Presidente, Riek Machar.

Um incidente ocorrido na última quinta-feira dia 7 de julho à noite envolvendo forças de segurança dos dois lados na capital Juba deixou pelos menos cinco soldados do governo mortos. Antes disso, um oficial de segurança da oposição foi assassinado à luz do dia em Juba. As tensões só aumentaram. Preocupados com essa situação, nessa sexta-feira à tarde, dia 8 de julho, véspera do dia da Independência, o Presidente Kiir, com o Primeiro Vice Presidente Machar, e o Vice Presidente Wani, se reuniram no Palácio Presidencial para discutir o incidente envolvendo as tropas de ambos os lados e procurar melhorar as relações.

Por volta das 05h20 da tarde de sexta-feira, dia 8, um intenso tiroteio entre as duas forças de segurança começou nas proximidades do Palácio Presidencial onde acontecia a reunião entre os líderes políticos, que mais tarde informaram que não sabiam o que estava acontecendo do lado de fora.

O Palácio Presidencial fica a uns 600 metros da Casa Provincial dos Missionários Combonianos em Juba, onde moro. Por cerca de uma hora acompanhamos o intenso tiroteio sem saber ao certo o que acontecia.

O tiroteio rapidamente se espalhou por outras partes da capital criando pânico. Helicópteros armados foram vistos sobrevoando a área. Muitos soldados e tanques pelas ruas.

O Presidente e os dois Vices continuaram no interior do Palácio Presidencial enquanto suas forças de segurança se engajavam em luta armada. Por volta das 07:00 da noite os líderes políticos deram entrevista lamentando a violência e dizendo não saberem ao certo o que fez começar o tiroteio do lado de fora do Palácio Presidencial. Os três pediram calma à população e o fim dos ataques.

Aparentemente a situação foi controlada. A noite foi ‘tranquila’ nas proximidades da nossa residência e do Palácio Presidencial. Muitos soldados se movimentam, mas não há conflitos. Uma comissão foi organizada para investigar as causas da violência. Acredita-se que poderá haver ligações com o incidente da última quinta-feira em que soldados do governo foram mortos. Vingança, sobretudo entre indivíduos pertencentes a algumas das tribos, tem sido uma constante nos conflitos.

As primeiras informações desta manhã de sábado são de que pelo menos 30 agentes de segurança do Primeiro Vice Presidente, Riek Machar, e 80 seguranças do Presidente Salva Kiir, foram mortos nas proximidades do Palácio Presidencial. Acredita-se que mais pessoas, inclusive civis, tenham morrido durante o tiroteio que também aconteceu nas proximidades dos campos de proteção de civis da ONU.

A situação no momento é calma. É feriado público por ser o dia da Independência. Lojas estão fechadas e há pouco movimento nas ruas, também devido à violência de ontem à noite. Não há grandes movimentos no aeroporto, que fica a menos de um quilometro de nossa casa, pelos menos não se ouve barulho de aviões.

Quanto a nós missionários em Juba e em missões espalhadas pelo resto do país, estamos bem. Embora próximos do local onde começou o tiroteio, não fomos afetados em nada. Mantemo-nos em casa e com portões fechados e restrição de movimento enquanto monitoramos a situação que está sob controle.  Esperamos que a situação melhore e a calma e paz sejam reestabelecidas.

Também lamentamos mais essa triste violência que fez com que pelo menos mais 110 esposas amanhecessem viúvas e muitas crianças sem o pai. Os soldados também são nossos irmãos e vítimas dessa insana violência que continua a ceifar vidas e a destruir o Sudão do Sul. Rezemos por paz duradoura e por sabedoria divina para os nossos líderes. Rezem por nós.

Um abraço a todos
Pe. Raimundo Rocha, mccj

 

 








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