2016-04-17 15:45:00

Regresso a Roma: conversa do Papa com os jornalistas


Cidade do Vaticano – Apesar de breve, o voo de regresso da Grécia para Roma teve espaço para uma conferência de imprensa do Papa com os jornalistas a bordo.

Francisco passou em resenha alguns pontos gerais, sobretudo sobre a crise migratória. O Papa defendeu uma política de integração para os migrantes da Europa, respondeu à questões sobre a Exortação Amoris Laetitia e sobre porquê trouxe para Roma 3 famílias muçulmanas.

 

Abaixo, a íntegra das perguntas e respostas.

 

Inês San Martín: Santo Padre, espero não incomodar mas lhe farei duas perguntas sobre dois argumentos distintos. A primeira específica em relação à viagem. Esta viagem acontece depois do acordo entre a União Europeia e a Turquia na tentativa de resolver a questão dos refugiados na Grécia. Acredita que este plano possa funcionar, ou que é uma resposta política para ganhar tempo e ver o que acontece? A segunda pergunta, se posso, é esta: esta manhã o senhor encontrou o candidato à presidência dos Estados Unidos, Bernie Sanders, na Casa Santa Marta. Gostaria de pedir um comentário sobre este encontro e se este é o seu modo de se inserir na política dos Estados Unidos. Peço, por favor, que responda em italiano. Obrigada.

Papa Francisco: Não, antes de tudo não há nenhuma especulação política porque estes acordos entre a Turquia e a Grécia eu não conhecia bem; mas, li nos jornais e mais nada: é uma coisa puramente humana. É humanitário, foi uma inspiração, de uma semana atrás, de um meu colaborador, e eu aceitei imediatamente, imediatamente, imediatamente, porque vi que era o Espírito que falava. Todas as coisas foram feitas regularmente: eles vêm com os documentos, os três governos – o Estado da Cidade do Vaticano, o governo italiano e o governo grego – todos, inspecionaram tudo, inspecionaram tudo e deram o visto. Serão acolhidos pelo Vaticano: será o Vaticano, com a colaboração da Comunidade de Santo Egídio a procurar um trabalho para eles, se houver, ou o manutenção, ou o que for necessário. Mas são hóspedes do Vaticano, e se somam às duas famílias sírias que já foram acolhidas nas duas paróquias vaticanas. Segundo. Esta manhã, quando saía, estava lá o senador Sanders que veio para o congresso da “Centesimus Annus”. Ele sabia que eu sairia àquela hora e teve a gentileza de me saudar. Eu o saudei, apertei a sua mão,  a de sua esposa e a um outro casal que estava com ele, que se alojaram na Casa Santa Marta: porque todos os membros, excepto os dois presidentes participantes que penso terem sido hóspedes das embaixadas do seu país, todos ficaram na Casa Santa Marta. E eu, quando desci, ele se apresentou, saudou, um aperto de mão e nada mais. É educação, esta; chama-se ‘educação’ e não se meter em política, eh! E se alguém pensa que um aperto de mão seja se meter-se em política, penso que deva procurar um psiquiatra...(risos).

 

Famílias muçulmanas

Franca Giansoldati: O senhor fala muito de ‘acolhimento’, mas talvez muito pouco de ‘integração’. Vendo o que está acontecer na Europa, especificamente sob este maciço fluxo de migrantes, vemos que há muitas cidades em que existem bairros-guetos. Em tudo isso, é claro que os migrantes muçulmanos são aqueles que mais têm dificuldade em se integrarem com os nossos valores, com os valores ocidentais. Gostaria de perguntar: não seria talvez mais útil para a integração privilegiar a chegada, privilegiar a emigração dos migrantes muçulmanos. E ainda: porque hoje com este gesto tão bonito, muito nobre, privilegiou três famílias inteiramente muçulmanas?

 

Papa Francisco: não escolhi entre cristãos e muçulmanos; estas três famílias tinham os documentos válidos e se podia proceder. Havia, por exemplo, duas famílias cristãs na primeira lista que não tinham os documentos: não é um privilégio. Todos os 12 são filhos de Deus. O privilégio é o fato de serem filhos de Deus: isso é verdade. Sobre a integração: é muito inteligente aquilo que dizes e agradeço por o ter dito. Usaste uma palavra que na nossa cultura atual parece ter sido esquecida, depois da guerra... Mas hoje existem os guetos. E alguns dos terroristas que perpetraram atos terroristas – alguns – são filhos e netos daqueles que nasceram no país, na Europa. O que aconteceu? Não houve uma política de integração e isso para mim é fundamental, a tal ponto que se leres na Exortação pós-sinodal sobre a família – este é um outro problema – mas uma das três dimensões pastorais para as famílias em dificuldade é a integração na vida da Igreja. Hoje, a Europa deve retomar esta capacidade que sempre teve, de integrar. Porque à Europa chegaram os nômades e todas estas pessoas, e foram integradas e isso enriqueceu a sua cultura... Acredito que precisamos de um ensinamento e de uma educação à integração. Obrigado.

 

Sonho Europeu

Elena Pinardi: Santo Padre, fala-se em reforços nas fronteiras de vários países da Europa, de controles, de deslocamento de tropas para as fronteiras da Europa. É o fim de Schengen, é o fim do sonho Europeu?

 

Papa Francisco: Não sei. Mas, eu entendo os governos, e também os povos, que têm um certo medo. Isso eu entendo e devemos ter uma grande responsabilidade na acolhimento. Uma das coisas desta responsabilidade é esta: como se integram estas pessoas e nós? Sempre disse que construir muros não é a solução: vimos, no século passado, a queda de um. Não resolve nada. Devemos construir pontes. Mas as pontes se fazem de maneira inteligente, com o diálogo, com a integração. E, por isso, eu entendo um certo temor. Mas fechar as fronteiras não resolve nada, porque este fechamento a longo prazo faz mal ao próprio povo. A Europa deve urgentemente realizar políticas de acolhimento e integração, de crescimento, de trabalho, de reforma da economia… Todas estas coisas são as pontes que nos levarão a não construir muros. Mas, o medo tem toda a minha compreensão. Mas depois de tudo o que vi – e mudo o tema, mas o devo dizer hoje – e vocês também viram naquele campo de refugiados... mas era de chorar! As crianças... trouxe comigo os desenhos que as crianças me deram. Que querem as crianças? Paz, porque sofrem. É verdade que lá elas têm cursos de educação… O que viram as crianças? Olhem este: também, viram uma criança se afogar... Estas coisas as crianças as trazem no coração, eh! Realmente, hoje era de chorar. Era de chorar. O mesmo tema fez esta criança do Afeganistão, que o barco que vem do Afeganistão volta à Grécia: mas, estas crianças têm uma memória disto! E será preciso tempo para elaborar aquilo. Este, é o sol que vê e chora: mas se o sol é capaz de chorar, também nós: uma lágrima nos fará bem.

 

Guerra x fome

Fanny Carrier: Bom dia. Porque o senhor não faz diferença entre aqueles que fogem da guerra e aqueles que fogem da fome? A Europa pode acolher toda a miséria do mundo?

 

Papa Francisco: É verdade. Hoje disse no discurso “alguns que fogem das guerras, outros que fogem da fome”.  Ambos são efeito da exploração seja da terra... Me dizia um chefe de governo da África, há mais ou menos um mês, que a primeira decisão do seu governo era reflorestar porque a terra morreu com a deflorestação. Boas obras devem ser feitas com todos os dois. Mas algum foge pela fome e outros da guerra. Eu convidaria os traficantes de armas – porque as armas, até um certo ponto, existem acordos, se fabricam, mas os traficantes, aqueles que traficam para fazer as guerras em diversos lugares, por exemplo, na Síria: quem dá as armas aos diversos grupos – eu convidaria a passar um dia naquele campo. Acredito que fará bem À saúde!

 

Madre Teresa

Néstor Pongutá: Santidade, boa noite. Pergunto em espanhol mas pode responder em italiano. Esta manhã o senhor disse algo de muito especial que me chamou muito a atenção: “que esta era uma viagem triste”, que esta era uma viagem... – e demostrou por meio de suas palavras, porque esta muito comovido... Porém, algo deve ter mudado também no seu coração, sabendo que existem 12 pessoas que com este pequeno gesto dão uma lição àqueles que – às vezes – dão as costas diante de tanta dor, a esta terceira guerra mundial fragmentada que o senhor anunciou...

 

Papa Francisco: Faço um plágio. Respondo com uma frase que não é minha. Perguntaram a mesma coisa para Madre Teresa: ‘Mas a senhora, tanto esforço, tanto trabalho, para ajudar a gente a morrer, somente. Aquilo que a senhora faz não serve! É tanto o mar! E ela respondeu: ‘É uma gota naquele mar! Mas depois desta gota o mar não será mais o mesmo”. Respondo assim. É um pequeno gesto. Mas aqueles pequenos gestos que todos nós devemos fazer, homens e mulheres, para estendermos a mão a quem precisa.

 

Austeridade cristã

Jornalista do grupo das Américas: Obrigado, Santo Padre. Viemos a um país de migração, mas também de política econômica de austeridade. Gostaria de perguntar se o senhor tem um pensamento sobre a economia de austeridade?

 

Papa Francisco: A palavra austeridade  tem um significado e segundo o ponto de vista de quem a interpreta: economicamente significa um capítulo de um programa; politicamente significa uma outra coisa, cristã e espiritualmente uma outra ainda. Quando falo de austeridade, falo de austeridade em relação ao desperdício. Ouvi dizer na FAO – acho que era na FAO; não sei bem, mas  numa reunião –que com o desperdício de alimentos se poderia “alimentar” toda a fome do mundo. E nós, em casa, quanto desperdício – quanto desperdício! – fazemos sem querer, não? E esta cultura do descarte, do desperdício: falo de austeridade neste sentido, no sentido cristão. Paremos aqui e vivamos com um pouco de austeridade.

 

Sonho americano

Francisco Romero: Santidade, gostaria de simplesmente dizer que o senhor disse que esta crise dos refugiados é a pior depois da II Guerra Mundial. Gostaria de perguntar: o que pensa da crise dos migrantes que chegam nos Estados Unidos, do México, da América Latina.

 

Papa Francisco: É a mesma coisa, porque ali chegam fugindo da fome, também. É o mesmo problema. Na Ciudad Juárez celebrei a Missa a menos de 100 metros dos confins dos EUA. Do outro lado havia cerca de 50 bispos dos Estados Unidos e um estádio com 50 mil pessoas que seguiam a missa nos telões; do lado de cá, no México, havia aquele campo cheio de pessoas... Mas é o mesmo! Chegam ao México a partir da América Central. O senhor se lembra, dois meses atrás, de um conflito com a Nicarágua porque não queria que os refugiados transitassem: foi resolvido. Os levavam de avião a um outro país, sem passar pela Nicarágua. É um problema mundial. Falei sobre isso lá com os bispos mexicanos; pedi que cuidassem bem dos refugiados lá.

 

Amoris Laetitia

Francis Rocca: Obrigado Santo Padre! Vejo que as perguntas sobre imigração que havia pensado já foram feitas e respondidas muito bem. Portanto, se me permite, gostaria de fazer uma pergunta sobre a Exortação Apostólica. Como o senhor bem sabe, houve muita discussão sobre um dos pontos – sei que nos concentramos muito sobre ele – depois da publicação: alguns sustentam que nada tenha mudado em relação à disciplina que governa o acesso aos  Sacramentos para os divorciados e recasados, e que a lei e a práxis pastoral e, óbviamente, a doutrina continuam assim; outros defendem ao invés que muito tenha mudado e que existem tantas novas aberturas e possibilidades. A pergunta é para uma pessoa, um católico que quer saber: existem novas possibilidades concretas, que não existiam antes da publicação da Exortação, ou não?

 

Papa Francisco: Eu posso dizer sim! E ponto.. Mas seria uma resposta muito breve. Aconselho a todos que leiam a apresentação que fez o cardeal Schönborn, que é um grande teólogo. Ele foi secretário da Congregação para a Doutrina da Fé e conhece bem a doutrina da Igreja. Naquela apresentação a sua pergunta terá uma resposta. Obrigado!

 

Guénard: Havia a mesma pergunta, mas é uma pergunta complementar, porque não se entendeu porquê o senhor escreveu esta famosa nota na “Amoris Laetitia” sobre o problema dos divorciados e recasados, a nota 351...

Papa Francisco: que memória!

 

Guénard: Sim, porquê uma coisa tão importante numa pequena nota? O senhor previu oposições ou quis dizer que este ponto não é assim tão importante.

 

Papa Francisco: Escute, um dos últimos Papa, falando sobre o Concílio, disse que havia dois Concílio: aquele Vaticano II, que se fazia na Basílica de São Pedro, e o outro, o Concílio dos Mídia. Quando convoquei o primeiro Sínodo, a grande preocupação da maioria dos mídia era: “Ah, poderão comungar os divorciados e os recasados?”. E como não sou santo, isso me incomodou um pouco, e depois me provocou um pouco de tristeza. Porque penso: “Mas aqueles mídias dizem isso e tudo mais, não se dão conta que não é um problema importante? Não se dão conta que a família, no mundo inteiro, está em crise? E a família é a base da sociedade! Não se dão conta que os jovens não querem se casar? Não se dão conta que a queda da natalidade na Europa faz chorar? Não se dão conta que a falta de trabalho e que as possibilidade de emprego fazem sim que o pai e a mãe tenham dois trabalhos e as crianças cresçam sózinhas e não aprendem a crescer em diálogo com o pai e a mãe? Estes são os grandes problemas! Eu não recordo daquela nota, mas com certeza se algo do gênero está numa nota é porque foi dita na Evangelii Gaudium...com certeza! Deve ser uma citação da Evangelii Gaudium, com certeza! Não recordo o número, mas com certeza é!

 (rb/FL)








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