2016-03-21 13:20:00

"A minha vocação é pregar" - irmã Madeleine Fredell


O suplemento mensal do jornal do Vaticano l’Osservatore Romano, “Mulher, Igreja, Mundo”, tem como tema de fundo neste mês de março de 2016, as mulheres e a pregação. O tom é dado pela religiosa dominicana, Catherine Aubin, segundo a qual o mundo e a sociedade em que Jesus viveu eram essencialmente patriarcais. As mulheres eram socialmente invisíveis, daquela invisibilidade que juridicamente significa menoridade, exclusão, mesmo. Com efeito, continua esta teóloga francesa, Jesus olha, vê, observa e conjuga a sua vida com a das mulheres que o seguem, o amam e o acompanham até à morte. Enquanto Simão, o fariseu (descrito no Evangelho de São Lucas) vê e julga, escruta e condena, excluindo – continua a irmã Catherine Aubin – Cristo dá ânimo, identifica e reconhece. Assim fazendo, convida todos, mulheres e homens, ao discernimento, a interrogar-se e à comunhão.

Com este pano de fundo, uma panorâmica sobre a história do cristianismo leva a considerar – frisa esta religiosa – aquelas figuras femininas, proféticas e carismáticas que, com a sua autoridade pessoal, em séculos agitados, contribuíram para a evangelização de um mundo que era ainda pagão e/ou uma Igreja hostil e dividida: Santa Genoveva, Santa Clotilde, Santa Joana d’Arco, Santa Ildegarda de Bingen, Santa Catarina de Sena…

Para além destas figuras históricas, o mensário “Mulher, Igreja, Mundo” dá espaço também a Madeleine Fredell, dominicana sueca que, num amplo artigo assinado por ela própria e intitulado “Pregar é a minha vocação”, revela o percurso que a levou do luteranismo ao cristianismo e, por fim, a abraçar a vida religiosa como dominicana.

Esta dominicana, introduz-nos segundo a teóloga Catherine Aubin no coração da pregação cristã, que é amor, na sua forma concreta: relação, inclusão de todos e o serviço da palavra. Com efeito, a pregação não é, em primeiro lugar, questão de palavras ou termos, e nem sequer questão de regulamentações ou leis, mas tem sim, como fundamento, o livre encontro do amor que dado e que é recebido. É, portanto, em primeiro lugar, questão de alegria e de necessidade de comunicar, que se torna para o pregador, homem ou mulher, uma necessidade vital de testemunhar, ensinar, anunciar, servir. As mulheres já pregam, conduzindo retiros e dando conferências em lugares onde os homens o fazem desde longa data. “Então porque é que as mulheres não podem pregar perante todos durante as celebrações [litúrgicas]?” – Pergunta-se Cathrine Aubin. E citando Enzo Bianchi, fundador da Comunidade Monástica de Bose, na Itália, ela recorda que não existe nenhuma proibição evangélica de as mulheres assumirem este papel e não é, portanto, impossível atribuir-lhes esta tarefa. Todas e todos aqueles que tiveram o encontro, de coração aberto, com Jesus não podem impedir-se de o dizer, de o anunciar, de o proclamar, porque é Ele, Cristo, que faz de todos, homens e mulheres encontrados ao longo do seu caminho testemunhos, mensageiros, apóstolos. Trata-se, portanto, de viver a Igreja como uma comunidade rica e aberta, interessada na escuta da diferença e de imaginá-la ainda mais viva e atraente – conclui a irmã Catherine Aubin.

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Nas páginas dedicadas às mulheres e pregações neste número de março, o mensário do Vaticano “Mulheres, Igreja, Mundo” apresenta para além do artigo sobre o percurso da dominicana Madeleine Fredell, dois outros artigos interessantes sobre este assunto: um é sobre as pregações de Santa Ildegarda de Bingen que viveu entre 1098 e 1179 na Alemanha; e outro intitula-se “E se fosse uma pregação? A difícil arte de reconhecer o amor no Evangelho de São Lucas”.  Mas, vamos aqui limitar-nos a percorrer em breves traços o artigo de Madeleine Fredell sobre o percurso que a levou a ser uma religiosa dominicana com a vocação de pregar…

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“Como se pode enfrentar o ser católica, feminista, sueca, e ainda por cima religiosa dominicana? Como se pode tornar católica depois de ter sido educada como mulher independente, politicamente empenhada em pé de igualdade com os homens? Porque permaneço na Igreja católica embora abraçando plenamente as políticas suecas sobre a igualdade de género?” – pergunta-se a irmã Madeleine Fredell no seu artigo - continuando: “Muitas vezes devo defender a minha fé, devo justificar o facto de ser católica. Sou desafiada por pessoas tanto no seio como fora da Igreja, e cada vez mais por mulheres prontas a abandonar o catolicismo. Alguns dizem-me para voltar à Igreja luterana, onde posso ser sacerdote. As duas chaves interpretativas decisivas do facto de me sentir perfeitamente à vontade na Igreja católica são a inclusividade e a racionalidade. No meu caso particular, devo perguntar-me, com honestidade, porque não me converteria nunca a uma outra confissão cristã. Hoje há muitas mulheres (e homens) que abandonam a Igreja católica. Isto é um desafio pastoral sério: as pessoas querem uma resposta senão definitiva, pelo menos algum instrumento para interpretarem as suas próprias experiências de vida” – escreve a irmã Madeleine Fredell acrescentando que há, obviamente “muitas razões pelas quais as pessoas querem abandonar a Igreja, e a grande maioria dessas razões não dizem respeito a questões feministas ou de igualdade, ma há que admitir que se trata de um aspecto que a Igreja deve enfrentar. Dá-me calafrio de cada vez que me pergunto: “A quem hei-de ir?” Com profunda reverência confio-me a Cristo e ao modo como é vivido e celebrado na Igreja católica. A minha história pessoal é profundamente ligada ao modo como concilio o ser católica, dominicana e feminista, e volto sempre ao “ser Igreja” como unidade na diferença construída na racionalidade. Ser católica e ser feminista são duas condições contraditórias?” – pergunta-se a irmã Madeleine Fredell mostrando, com base na sua história pessoal, que estes dois aspectos 2não têm que estar forçosamente em conflito”. E prossegue contando que foi crescida como uma feminista, mas acabou por apaixonar-se pela Igreja católica. Com efeito, em diversos momentos da sua vida que a levaram à Suíça, à França, ao Chile, Madeleine Fredell diz ter tido, ao lado do feminismo, a política, política de esquerda, como principal objectivo e actividade, acabando, todavia, por interessar pela teologia da libertação, mas também pelo Concílio Vaticano II, por Teilhard de Chardin, por Edward Shillebeeckx, Yves Congar, Catarina da Siena, Madeleine Delbrel, e ainda e, sobretudo, pelas comunidades cristãs de mentalidade muito aberta nas paróquias dominicanas em Grenoble. E ali foi um amor profundo pela Igreja católica, pela qual já se vinha apaixonando aos poucos. Então, ainda na universidade, inicia a fazer parte da capelania ecuménica e de um dialogo mais concreto entre a igreja católica e a luterana. “Foi um grande salto para mim” – escreve Madeleine Fredell. Celebravam ora em rito católico, ora em luterano, a mulher sacerdote luterana, capelã, “tornou-se uma óptima amiga minha”. Mas “não me bastava ser uma leiga empenhada. Queria mais. Sentia a chamada à vida religiosa assim como ao empenho político, mas também a ser sacerdote, sobretudo para pregar o Evangelho. Foi um tempo de ecumenismo “selvagem” (…). Muitos encorajavam-me a estudar teologia para me tornar sacerdote na Igreja católica. Tudo era possível e nós, mulheres católicas, éramos muitas a ir para a frente com grandes expectativas. Mas a minha vida tomou um outro rumo, quando, durante umas férias em Grenoble, na França, conheci a comunidade das religiosas dominicanas (…). Queria viver como elas, em casas comuns, no meio das pessoas, desempenhando trabalho comum, pregando o Evangelho através daquele tipo de vida. Uma das religiosas ensinava teatro a jovens marginalizados; outra trabalhava como enfermeira entre imigrados muçulmanos e uma outra estava a completar os estudos para se tornar bibliotecária e, por vezes, à noite ia lavar pratos num restaurante frequentado por marxistas. Havia por todo o lado confusão e diálogo e isto para mim era Evangelho. Ser cristãos e católicos significava estar sempre numa relação profunda com pessoas que tinham uma visão do mundo diferente da minha. Sou dominicana há 35 anos e nunca pus em questão a minha vocação. Há ainda muito por fazer no sentido de dar voz às mulheres na Igreja católica.” – diz a irmã Fredell, consciente de que na vida de fé, nada é estático, tudo muda continuamente e nada é impossível se se tem fé. “A transformação da Igreja por parte do Papa Francisco é para mim como que uma festa de aniversário. Talvez tenhamos uma visão completamente diferente das questões femininas, mas ele está a aplicar à vida eclesial palavras que tinha conhecido nos inícios dos anos 70. Misericórdia, ternura, confusão, coragem, unidade na diversidade. Embora não podendo ser sacerdote, em todos estes anos nunca tive a tentação de abandonar a Igreja católica. Sinto-me perfeitamente incluída nesta comunidade, chamada a ser “hospital de campo”. Há, todavia, um único aspecto que me entristece: não poder fazer homilias durante a missa. Pregar é a minha vocação como dominicana e, embora o possa fazer quase em todo o lado, por vezes mesmo na igreja luterana, estou convicta de que ouvir a voz duma mulher no momento da homilia, enriqueceria o nosso culto católico. A Igreja católica foi o meu primeiro amor, e com a graça de Deus continuo a sentir este amor por ela todos os dias. E faço-o como feminista, como exploradora de uma teologia criativa e viva e como dominicana politicamente empenhada.” – conclui a irmã Fredell no seu longo artigo “Pregar é a minha vocação”, publicado neste mês de março no mensário “Mulher, Igreja, Mundo”, suplemento do jornal do Vaticano, l’Osservatore Romano.  

(DA)








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