2016-02-27 09:58:00

Gasbarri: 47 anos na Rádio Vaticano, um balanço entusiasmante


No final deste mês de fevereiro conclui-se o serviço de quase meio século do Dr. Alberto Gasbarri na Rádio Vaticano. Ele deixa a Direção Administrativa da emissora e a organização das viagens apostólicas do Papa.

Curiosamente, foi precisamente neste mês de fevereiro que o Dr. Gasbarri realizou a sua última missão organizando a viagem do Santo Padre ao México com a histórica escala em Cuba para o encontro do Papa Francisco com o Patriarca Kirill. No voo para o México o próprio Papa Francisco quis expressar-lhe publicamente a sua gratidão.

Em entrevista à RV o Dr. Alberto Gasbarri fez um balanço destes anos que aqui publicamos numa tradução dos nossos colegas da redação brasileira:

Alberto Gasbarri:- “É um balanço entusiasmante. Eu era jovem, tinha apenas 23 anos, e a Rádio Vaticano 38, mas foi amor à primeira vista, apesar da diferença de idade. Hoje estou com 70 anos e a RV 85, mas o amor é sempre o mesmo. A Rádio Vaticano foi minha primeira família, ao menos em sentido cronológico. De fato, somente alguns anos mais tarde me casei. O ambiente de trabalho era estimulante e envolvedor. No início entrei na Direção Técnica como especialista em áudio e me encontrei inserido num pequeno grupo de técnicos superespecializados com níveis de preparação extraordinários, admirados e estimados inclusive em âmbito internacional. O ambiente multicultural das redações linguísticas era altamente interessante e dava a impressão de viver no centro do mundo e no mundo inteiro ao mesmo tempo. Este sempre foi um ponto forte da Rádio Vaticano. Após cerca de 47 anos rendo graças a Deus por ter-me dado a oportunidade de desempenhar meu trabalho a serviço da Igreja na sua universalidade, consciente de ter dado minha modesta contribuição para o desenvolvimento de um instrumento de comunicação eficiente e prestigioso para a difusão do Evangelho.”

RV: Quais recordações traz consigo de quando começou a trabalhar na Rádio Vaticano?

Alberto Gasbarri:- “Era final de 1969, havia na Rádio um único diretor-delegado que era Padre Stefanizzi. Um homem de grande capacidade e preparação técnica, e de um rigor sem igual. Para se chegar à admissão se tinha que superar vários obstáculos com provas seletivas teóricas e práticas que duravam cerca de dois anos. Ele ofereceu-me um molde que me plasmou para o resto da vida. Sou-lhe eternamente grato e ainda hoje o visito em sua veneranda idade de quase 99 anos. Estávamos aproximadamente na metade do Pontificado de Paulo VI. Um Papa de grande sensibilidade, cultura, fineza e humanidade. Obviamente, a relação que eu tinha com o Santo Padre era vivida, recordo-me, com uma sensação de grande veneração, mas também de temor reverencial. As poucas vezes que tive a oportunidade de estar perto de Paulo VI me paralisava e quase não conseguia falar. Foi um grande Pontífice para o desenvolvimento das comunicações. Efetivamente, na esteira do Concílio Vaticano II deu um impulso ao multilinguismo da Rádio Vaticano com o aumento das redações e o incremento de transmissões voltadas para novas áreas geográficas, sobretudo onde a Igreja sofria. Para as rádios em Ondas Curtas e Ondas Médias eram os anos da grande batalha das potências com a guerra fria e a luta das ideologias. Paulo VI foi o Papa iniciador das viagens apostólicas internacionais, conotação original que sem imaginar teria mudado fundamentalmente a minha vida futura.”

RV: Como foi sua relação com os Jesuítas? Por muitos anos o senhor foi o único diretor leigo da emissora...

Alberto Gasbarri:- “A minha relação com eles foi sempre muito familiar e construtiva. O empenho da Companhia de Jesus naqueles anos era muito forte. De fato, os Padres da Comunidade de então eram numerosos (cerca de 35 nas redações linguísticas e nos cargos de responsabilidade). Após a fase do Diretor único (que era sempre um técnico porque no início a Rádio Vaticano era prevalentemente um instrumento técnico), desenvolveu-se um novo organograma com o diretor geral que era o Pe. Martegani, o diretor dos programas que era o Pe. Blajot e o diretor do rádio jornal que era Pe. Farusi. Ademais, havia os Padres responsáveis pelas seções linguísticas. Todos, homens de grande cultura que faziam me sentir um eterno aprendiz. A minha memória é ainda hoje marcada por uma galeria de personalidades de religiosos de valor que incidiram na minha formação de homem e de católico. Tive a oportunidade de conhecer e frequentar vários Prepósitos Gerais recordando com particular devoção homens extraordinários como Pe. Arrupe e Pe. Kolvenbach. E também o privilégio de trabalhar ao lado de fortes personalidades como Pe. Borgomeo, um grande comunicador e administrador de alta envergadura, e de Pe. Quercetti, de espírito missionário puro e surpreendente, e tantos outros... até os nossos dias com o querido amigo Pe. Lombardi que todos conhecem muito bem.”

RV: Quais os momentos mais bonitos e os mais difíceis?

Alberto Gasbarri:- “Entre os momentos mais bonitos recordo certamente a cobertura radiofônica dos grandes eventos. Por ordem cronológica: o Jubileu de 1975, os dois conclaves de 1978, o Ano Santo extraordinário de 1983, o Jubileu do 2000, a eleição do Papa Bento XVI em 2005 e a de Francisco em 2013. Momentos enaltecedores para quem trabalha numa Rádio e que fazem você sentir viver na história. Entre os momentos difíceis, o dramático atentado a João Paulo II em 1981, a longa agonia e morte de João Paulo II e o sentido de vazio por ocasião da renúncia do Papa Bento. Ainda hoje sinto dentro de mim aquela dor que me comove. Entre os momentos difíceis não posso esquecer também a longa batalha que a Rádio Vaticano teve que travar para defender-se das injustas acusações de criar condições de dano e perigo com sua atividade de transmissão em Ondas Curtas e Ondas Médias. A emissora vaticana sempre observou escrupulosamente as regras internacionais e se tinha a nítida percepção de encontrar-se sob um verdadeiro ataque instrumental.”

RV: A Rádio Vaticano está passando agora por uma transformação. Como vê a reforma em andamento?

Alberto Gasbarri:- “Esta reforma é uma operação que a meu ver devia ter sido feita dez anos atrás. Ou seja, desde quando o mundo da comunicação começou a se transformar em multimídia. Infelizmente, porém, não havia ainda as condições favoráveis para uma reestruturação e uma integração dos órgãos midiáticos vaticanos devido a algumas rigidezes históricas e a uma certa inércia de criatividade. Devido a limitados recursos e à crise econômica se pensava apenas em reduzir os custos com simples manobras de contenção. A coragem e a determinação do Papa Francisco deram uma sacudida em toda a Cúria para adequar a máquina organizativa às modernas necessidades. Porém, a reforma do setor das comunicações terá sucesso e alcançará seu objetivo de eficiência somente se a coragem do Santo Padre for inspiradora e guia também para os reformadores, do contrário, será uma manobra ineficaz. Todavia, será importante que a reforma considere que a comunicação é irrenunciável na obra de evangelização da Igreja, por conseguinte, tenha consciência de custos inevitáveis, e preste atenção para não assumir como modelo de referência os dois critérios subjacentes da comunicação hodierna no mundo que são os do sujeitar-se ao sistema econômico vigente e à busca de agradar. Porque, do contrário, corre-se o risco de inspirar-se propriamente naqueles modelos de vida e de economia da teoria do “descarte” que o Papa Francisco não partilha.”

RV: Não poderíamos deixar de referir-nos à sua atividade de organizador das viagens papais. Poderia contar-nos algum pormenor curioso?

Alberto Gasbarri:- “Obviamente, teria muitos episódios divertidos para contar, mas conto um que me ocorreu quase no início deste ofício muito particular, que sempre considerei meu “pós-trabalho”, porque sempre considerei o da Rádio o “primeiro trabalho”. Trata-se de um episódio que mostra a dificuldade de relação que por vezes se pode ter com certas personalidades. Estávamos no final de 1982 em preparação para a viagem à América Central – a 17ª do Pontificado de João Paulo II –, que se realizou em março do ano seguinte. América Central, viagem de nove dias em oito países: imaginem, esse era o estilo do Papa João Paulo II. Este episódio deu-se na Guatemala. Chegamos com Pe. Tucci para fazer uma primeira inspeção e, como de costume, encontramos o núncio apostólico e os altos representantes da Conferência Episcopal da Guatemala. E entre estes altos representantes encontrava-se o famoso Cardeal Casariego, que era uma das figuras mais carismáticas da América Central, naquele período. É bom lembrar que nos anos oitenta um cardeal era algo muito mais importante daquilo que se considera hoje: eram figuras realmente carismáticas. O Cardeal Casariego acolheu Pe. Tucci e a mim. Viu Pe. Tucci com o “clergyman”, e me viu, naturalmente, com trajes de leigo. Então, afastou-se com Pe. Tucci e desabafou, dizendo: “Pe. Tucci, posso até suportar que o senhor, jesuíta, não venha com a batina, mas com o ‘clergyman’, mas não posso suportar que o senhor se apresente com um coirmão sacerdote vestido como leigo!”. Pe. Tucci respondeu-lhe: “Eminência, aquele que o senhor chama de ‘um coirmão vestido como leigo’ é um leigo, é o Dr. Gasbarri que é um leigo, é meu assistente, estreito colaborador”. Ao que o Cardeal Casariego disse: “Então peço que me desculpe, pensava que fosse um religioso... Mas então temos que encontrar uma bela namorada para este jovem!” – eu estava na casa dos trinta anos... e Pe. Tucci imediatamente,  com a resposta pronta, replicou: “Eminência, o senhor está favorecendo um adultério, porque o Dr. Gasbarri é casado e tem dois filhos...”. Esta foi minha primeira experiência com um dos cardeais considerados personagens históricos na América Latina, naqueles anos.” 








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