Card. Ravasi recorda Umberto Eco, um talento fascinado pelo sagrado


Milão (RV) – Realizou-se na tarde desta terça-feira, 23, no Castelo Sforzesco de Milão, o funeral de Umberto Eco, intelectual, semiólogo, escritor, falecido em 19 de fevereiro, aos 84 anos. Para uma recordação da personalidade de Eco e de seu interesse por temas religiosos, a Rádio Vaticano entrevistou o Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, Cardeal Gianfranco Ravasi, e que por longo tempo frequentou a Biblioteca Ambrosiana de Milão:

“A herança fundamental é a de ter sido capaz de mover-se em um horizonte muito amplo. Mesmo tendo competências muito específicas, nunca fechou-se dentro de um perímetro no qual pudesse somente explicitar a sua especialização. Era um homem realmente de grandes horizontes e neste sentido – falávamos isto frequentemente entre nós – se havia uma semelhança, mesmo na grande distância entre os dois, estava no fato de que ambos eram ecléticos, de múltiplos interesses”.

RV: E como era a relação de Eco com temas religiosos, com o sagrado? No fundo, ela obteve um grande sucesso literário precisamente com esta temática...

“Nunca se deve esquecer que Umberto Eco teve uma matriz profundamente católica, tendo sido até mesmo responsável pelos jovens da Ação Católica em Alexandria, quando vivia lá... Mais tarde, em um determinado momento, houve uma espécie de ruptura. Mas ele continuou a ter um interesse muito forte, criativo também, naquele âmbito que ele havia deixado um pouco para trás. E sobretudo, eu diria, são dois os campos nos quais o seu interesse se manifestava e que eu pude ininterruptamente verificar com ele, dentro dos espaços da Biblioteca Ambrosiana: uma biblioteca histórica como aquela não podia ser, senão que uma espécie de jardim – para ele – das maravilhas. Por um lado o amor pela Bíblia, pelos Textos Sagrados: famosa aquela sua declaração precisamente por apoiar o retorno da Bíblia ao ensino escolar, prescindindo das questões confessionais: “Por que os nossos jovens devem saber tudo sobre os heróis de Homero e não devem saber de Moisés? Por que a Divina Comédia, e não o Cântico dos Cânticos ou a Bíblia, estão no programa?”. O outro lado, pelo contrário, é o da cultura medieval: em particular, nós sabemos, a sua tese de láurea sobre a estética de Tomás de Aquino e, neste horizonte um pouco particular, havia também a sua paixão por Raimondo Lullo, este personagem de diálogo com o Islã, que conhecia árabe, que tinha interesse – este filósofo catalão – pelo mundo que passava da lógica à cavalaria, ao diálogo do gentio com os três sábios, um pagão e três sábios... Assim, este personagem era um outro dos componentes que constituía a sua curiosidade”.

RV: Portanto, poderíamos falar de um ateu que, porém, cultivava o diálogo com os crentes, como demonstrou a sua relação, o seu diálogo com o Cardeal Martini....

“Ele sempre estava interessado também em ver como uma pessoa que trabalhava no mundo da cultura pudesse estabelecer um equilíbrio entre Atenas, por um lado, e por outro Moisés ou Cristo. A fé e a razão. E assim as interrogações eram frequentes, sobretudo depois quando se tratava de questões do tipo ético, do tipo moral”.

RV: Alguns interpretam “O nome da rosa” também como uma advertência para desconfiar dos fanatismos religiosos, dos dogmatismos. Neste sentido, seria um ensinamento que Eco deixou também aos crentes?

“Eu acredito que sim, que esta tenha sido uma das chaves de leitura significativa deste romance que, por motivos diversos, era de certa forma uma primeira tentativa dele de entrar na narrativa. Eu penso que, por exemplo, mais elaborado seja “O pêndulo de Foucault”. Porém, sem sombra de dúvida, que esta dimensão – e devo dizer que ele mesmo me dizia isto – da religião que ultrapassa as barreiras progressivamente, até tornar-se não mais busca, um testemunho, mas sobretudo pesadelo, um pesadelo de morte até mesmo, seja um dos tantos fios condutores deste romance polimorfo. Foi ele que me fez recordar uma frase, que eu cito frequentemente, do filósofo inglês David Hume: “Os erros da filosofia são sempre ridículos, os erros da religião são sempre perigosos”. (JE)








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