Papa aos trabalhadores: lucro e capital não são um bem superior ao homem


Ciudad Juárez (RV) – Em um discurso no qual afirmou que o México precisa construir verdadeiras e concretas oportunidades de trabalho para os jovens, o Papa recordou que “sempre que a integridade de uma pessoa é violada, de certa forma, a sociedade inteira começa a deteriorar-se”.

No contexto do encontro – na fronteira do México com os Estados Unidos, onde, todos os anos, milhares de migrantes latino-americanos tentam atravessá-la ilegalmente –  o Papa ressaltou que a falta de trabalho gera situações de pobreza.

"E esta pobreza torna-se o terreno favorável para cair na espiral do narcotráfico e da violência. Um luxo que ninguém se pode conceder é deixar só e abandonado o presente e o futuro do México", advertiu.

Como consequência primeira disto, a mentalidade dominante  que “coloca o fluxo de pessoas ao serviço do fluxo de capitais, provocando em muitos casos a exploração dos trabalhadores, como se fossem objetos que se usam e jogam fora”.

Aqui, Francisco pontou às consciências:

“Deus pedirá contas aos escravagistas dos nossos dias, e nós devemos fazer todo o possível para que estas situações não ocorram mais. O fluxo do capital não pode determinar o fluxo e a vida das pessoas”.

Ao destacar o papel da Igreja, que “há de ser uma voz profética que ajuda a não nos perdermos no mar sedutor da ambição”, Francisco afirmou que “a única pretensão da Doutrina Social da Igreja é velar pela integridade das pessoas e das estruturas sociais”.

“Todos devemos lutar para que o trabalho seja uma instância de humanização e de futuro; seja um espaço para construir sociedade e cidadania”, exortou o Pontífice.

Ao discernir sobre o mundo que se quer deixar para as futuras gerações, Francisco propôs uma reflexão:

“Se é sempre bom pensar no que gostaria de deixar aos meus filhos, também é uma boa medida pensar nos filhos dos outros. O que o México quer deixar aos seus filhos?”

Por fim, ao instar o México a fazer escolhas que permitam as futuras gerações “ter na memória  a cultura de um trabalho digno”, em um mundo cujo destino não seja determinado pela competição, Francisco concluiu:

“O lucro e o capital não são um bem superior ao homem, mas estão ao serviço do bem comum. E, quando o bem comum é forçado a estar ao serviço do lucro e o único a ganhar é o capital, a isto chama-se exclusão”. (RB)

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Íntegra do discurso do Papa

Queridos irmãos e irmãs!

Quis encontrar-me com vocês nesta terra de Juárez, devido à relação especial que esta cidade tem com o mundo do trabalho. Agradeço não só a saudação de boas-vindas e os testemunhos que revelaram suas as ânsias, as alegrias e as esperanças, mas gostaria também de agradecer esta oportunidade de intercâmbio e reflexão.

 Tudo o que pudermos fazer para dialogar, para nos encontrar, para procurar melhores alternativas e oportunidades já é uma conquista que merece apreço e destaque. Obviamente não é suficiente, mas hoje não podemos permitir-nos o luxo de cortar qualquer possibilidade de encontro, discussão, confronto, pesquisa.

Esta é a única maneira que temos de poder construir o amanhã: ir tecendo relações duradouras, capazes de gerar a estrutura necessária para, pouco a pouco, se reconstruir os vínculos sociais consumidos pela falta do mínimo de respeito requerido para uma sadia convivência.

Obrigado e que este encontro sirva para construir futuro, seja uma oportunidade boa para forjar o México que o seu povo e os seus filhos merecem.

Gostaria de falar mais sobre este último aspecto. Hoje encontram-se aqui várias organizações de trabalhadores e representantes de câmaras e associações empresariais.

À primeira vista, poderiam considerar-se antagonistas, mas une-os uma responsabilidade comum: procurar criar oportunidades de trabalho digno e verdadeiramente útil para a sociedade e, sobretudo, para os jovens desta terra.

Um dos maiores flagelos a que estão expostos os jovens mexicanos é a falta de oportunidades de instrução e trabalho sustentável e rentável, que lhes permitam lançar-se na vida; isso gera em muitos casos situações de pobreza.

E esta pobreza torna-se o terreno favorável para cair na espiral do narcotráfico e da violência. Um luxo que ninguém se pode conceder é deixar só e abandonado o presente e o futuro do México.

Infelizmente, o tempo em que vivemos impôs o paradigma da utilidade econômica como princípio das relações pessoais. A mentalidade dominante pretende a maior quantidade possível de lucro, a todo o custo e imediatamente.

Não só provoca a perda da dimensão ética das empresas, mas esquece também que o melhor investimento que se pode fazer é investir no povo, nas pessoas, nas suas famílias. O melhor investimento é criar oportunidades.

A mentalidade dominante coloca o fluxo de pessoas ao serviço do fluxo de capitais, provocando em muitos casos a exploração dos trabalhadores, como se fossem objetos que se usam e jogam fora (cf. Enc. Laudato si’, 123).

Deus pedirá contas aos escravagistas dos nossos dias, e nós devemos fazer todo o possível para que estas situações não ocorram mais. O fluxo do capital não pode determinar o fluxo e a vida das pessoas.

Acontece, não raramente, que a Doutrina Social da Igreja veja as suas propostas colocadas em questão com estas palavras: “Estes pretendem que sejamos organizações de beneficência ou que transformemos as nossas empresas em instituições filantrópicas”.

Mas a única pretensão que tem a Doutrina Social da Igreja é velar pela integridade das pessoas e das estruturas sociais. Sempre que esta integridade, por várias razões, é ameaçada ou reduzida a bem de consumo, a Doutrina Social da Igreja há-de ser uma voz profética que nos ajudará a todos a não nos perdermos no mar sedutor da ambição.

Sempre que a integridade de uma pessoa é violada, de certa forma a sociedade inteira começa a deteriorar-se. E isto não é contra ninguém, mas a favor de todos. Cada sector tem a obrigação de preocupar-se pelo bem de todos; estamos todos no mesmo barco.

Todos devemos lutar para que o trabalho seja uma instância de humanização e de futuro; seja um espaço para construir sociedade e cidadania. Esta atitude não só cria uma melhoria imediata, mas, a longo prazo, tornar-se-á uma cultura capaz de promover espaços dignos para todos. Esta cultura, nascida muitas vezes de tensões, vai gerando um novo estilo de relações, um novo tipo de nação.

Filhos

Que mundo queremos deixar aos nossos filhos? Nisto, julgo que a grande maioria está de acordo. Eles são precisamente o nosso horizonte, são a nossa meta: por eles, hoje, devemos unir-nos e trabalhar. Se é sempre bom pensar no que gostaria de deixar aos meus filhos, também é uma boa medida pensar nos filhos dos outros.

O que o México quer deixar aos seus filhos? Quer deixar-lhes uma recordação de exploração, de salários insuficientes, de pressão laboral? Ou deixar-lhes na memória a cultura de um trabalho digno, um teto decente e terra para trabalhar?

Em qual cultura queremos ver nascer aqueles que virão depois de nós? Que atmosfera vão respirar? Um ar contaminado pela corrupção, a violência, a insegurança e desconfiança ou, pelo contrário, um ar capaz de gerar alternativas, gerar renovação e mudança?

Sei que aquilo que proponho não é fácil, mas sei também que é pior deixar o futuro nas mãos da corrupção, da brutalidade, da falta de equidade. Sei que muitas vezes, em uma negociação, não é fácil harmonizar todas as partes, mas sei também que é pior e acaba por fazer um dano maior a falta de negociação e a falta de avaliação.

Sei que não é fácil viver de acordo em um mundo cada vez mais competitivo, mas é pior deixar que o mundo competitivo acabe por determinar o destino dos povos. O lucro e o capital não são um bem superior ao homem, mas estão ao serviço do bem comum. E, quando o bem comum é forçado a estar ao serviço do lucro e o único a ganhar é o capital, a isto chama-se exclusão.

Comecei agradecendo vocês a oportunidade de estar juntos, agora quero convidar todos a sonhar o México, a construir o México que os seus filhos merecem; um México, onde não haja pessoas de primeira, segunda ou quarta classe, mas um México que saiba reconhecer no outro a dignidade de filho de Deus. A Guadalupana, que Se manifestou a Juan Diego demonstrando como os que aparentemente não contam sejam as suas testemunhas privilegiadas, vos ajude e acompanhe nesta construção. 

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