Papa e Kirill, encontro é um símbolo para o novo milênio


Moscou (RV) – Uma conversa “entre irmãos”, por uma unidade que “se faz caminhando”. Palavras do Papa Francisco pronunciadas logo após o encontro no Aeroporto José Martí, de Havana, com o Patriarca da Igreja Ortodoxa de Moscou e de todas as Rússias, Kirill. Na Declaração comum, firmada ao final do colóquio, o Pontífice e o Patriarca deram destaque a alguns temas de particular importância, em um período de “mudança epocal” para a civilização humana: recordaram, entre outros, as perseguições aos cristãos no Oriente Médio, a violência e o terrorismo, a crise da família em muitos países.

A reflexão à Rádio Vaticano do Núncio Apostólico na Federação Russa e Uzbequistão - e recém-nomeado Observador Permanente da Santa Sé junto à ONU em Genebra - o Arcebispo Ivan Jurkovič, parte precisamente da voz em defesa dos cristãos perseguidos:

“Isto me parece que seja o conteúdo mais profundo de todo o encontro, que é um evento por si só extraordinário, esperado, desejado, mas também um encontro de emergência. A comunidade cristã é sempre responsável por aqueles que sofrem e até mesmo tem a obrigação solene de recordar também quantos são mortos”.

RV: Existe, portanto, um “ecumenismo de sangue”, como definido pelo Papa Francisco...

“O Papa explicou também que nenhum perseguidor dos cristãos pergunta à qual confissão este pertençe. O que quer dizer que aqueles que odeiam o cristianismo nos consideram unidos”.

RV: Que consequência pode ter o apelo conjunto à Comunidade internacional, para colocar fim à violência e o terrorismo e trabalhar para restabelecer a paz no Oriente Médio na mesa de negociações?

“As complicações da vida internacional nos últimos anos foram um choque. Ninguém esperava que a vida internacional, as relações internacionais, pudessem se deteriorar assim tão rapidamente e sem encontrar respostas eficazes. Tudo o que se consegue fazer, talvez, seja postergar um pouco, mas as soluções não existem. Trata-se, sem sombra de dúvida, de duas personalidades muito notórias no mundo – o Papa e o Patriarca Kirill – e o efeito que terá a Declaração deles vai muito além das formulações verbais.

Trata-se, isto é, de um símbolo: existe uma verdadeira, serena solidariedade entre os cristãos, construtiva, não vingativa, não agressiva, com uma preocupação que deve ser acolhida e que deve ser acompanhada, talvez, também pela ação da comunidade internacional. O que me parece importante é que este valor simbólico que se sente também no povo, é enorme. A imagem do encontro no Aeroporto de Havana permanece quase um símbolo para o novo milênio. Trata-se, isto é, de uma nova maturidade também da comunidade dos crentes cristãos, maturidade que leva a esta direta responsabilidade com o destino do mundo”.

RV: Emerge ainda uma forte preocupação pela crise da família, portanto, família entendida como construída sobre o matrimônio, como ato de amor de um homem e uma mulher diante de outras formas de convivência que – como se diz – são colocadas no mesmo patamar....

“A Igreja Ortodoxa Russa, a tradição ortodoxa, sente-se forte, mesmo sofrendo as mesmas angústias que sofre a sociedade moderna, especialmente a instabilidade do vínculo matrimonial e tantas outras coisas ligadas à moral familiar. Mas a coisa interessante, é que o mundo oriental preservou esta solidez diante da lei de Deus. Mesmo, portanto, se não se sabe interpretar, mesmo se talvez não siga com a mesma disciplina, permanece este respeito pelo sagrado, enquanto a Europa perdeu este respeito radicalmente.

Os ortodoxos, pelo que ouvi por estes dias, repetiram que foram como “um pronto socorro” para a Igreja Católica, que se encontra em um ambiente muito descristianizado, onde os valores eternos são tão frágeis. Eu penso que existe um pouco de verdade nisto, mesmo se não se deva simplificar nada: todos vivemos em uma transformação da sociedade, que deveremos enfrentar serenamente, antes de tudo, com a vida cristã”.

RV: O que une as duas comunidade, em relação aos fundamentos da existência humana? Faz-se referência ao “direito inalienável à vida” diante do aborto, da eutanásia, manipulação por meio de técnicas de procriação...

“Penso naquilo que sempre foi o sentido comum, o sentido cristão: um olhar sereno à uma instituição tradicional tão importante como a família. Como se dissesse: quando nos olhamos nos olhos – mesmo que as Igrejas sejam estruturadas, tenham um líder, um responsável, bispos – me parece existir uma concordância total, não tanto no sentido dos detalhes, mas em não tocar aquilo que é fundamento antropológico da família cristã, aquilo que era depois também a família tradicional. Todo o território asiático-europeu é baseado no mesmo conceito da família, que agora é colocado em grave perigo pelas novas propostas com as quais, para uma pequena minoria de pessoas, procura-se mudar o conceito global de uma coisa tão preciosa, tão histórica”.

RV: Diz-se um “não” ao proselitismo. Depois, existe o capítulo das tensões entre greco-católicos e ortodoxos, o que não é negado...

“Declarações do gênero são declarações que constituem uma mensagem para a comunidade, mas as dificuldade são melhor compreendidas, de forma mais adequada, quando se está in loco. Para nós é um apelo a estar atentos àquilo que acontece in loco. Frequentemente, de fato, existem interpretações que modificam a verdade. Não é necessário, portanto, entrar em afirmações polêmicas, mas procurar sair desta situação não fácil com este novo olhar, este novo otimismo, também com um novo desejo de superar as posições quer de uma parte como da outra. Que coisa melhor do que um encontro assim para estimular um novo início de algo positivo?”

RV: “A unidade se faz caminhando”, disse o Papa com Kirill. Qual será o próximo passo?

“Sem sombra de dúvida, é promissor. Alguém já falou que talvez com isto se abra um diálogo mais sereno com toda a ortodoxia, mesmo que algumas Igrejas Ortodoxas tenham dificuldades em se relacionar com Roma, mas não todas. E este seria o primeiro passo: superar esta divisão radicalmente. Que depois não é uma divisão de princípio, mas sim de tradições. Isto foi completamente superado pelo evento de Cuba. Eu penso: normalizar, isto é, não fazer de um evento assim normal, como o de um encontro entre dois irmãos, algo de extraordinário. Este é um evento familiar, este é um evento mesmo relativamente frequente, se falarmos de um 'irmão', de algo assim tão normal, tão humano e tão necessário”. (JE)








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