Editorial: O grande amor de Deus


Cidade do Vaticano (RV) – Na semana que passou tivemos dois momentos importantes e intensos aqui no Vaticano. O primeiro, na segunda-feira, dia 11, o encontro do Papa Francisco com os embaixadores acreditados junto à Santa Sé para as felicitações de Ano Novo. O segundo, dia 12, o lançamento do livro-entrevista “O nome de Deus é misericórdia”. A obra é uma compilação de uma conversa entre o Pontífice e o jornalista, Andrea Tornielli.

Dois momentos aos quais a mídia mundial deu muita atenção. No primeiro, com grande respiro no que diz respeito à diplomacia, à política, às relações entre a Santa Sé e as nações, Francisco, num longo e denso discurso chamou a atenção sobre as situações de conflitos, de sofrimento, de desespero que ainda hoje ferem a humanidade. Ressaltou os sinais positivos que caracterizaram 2015 para a Santa Sé, como os inúmeros acordos internacionais ratificados, que demonstram “que a convivência pacífica entre membros de religiões diferentes é possível”.

O Papa Francisco, no seu articulado discurso buscou olhar para o mundo em ebulição com um olhar de esperança e espiritualidade. Tudo isso tendo em mente o Ano Extraordinário da Misericórdia, período no qual devemos olhar para a situação do mundo com olhos misericordiosos.

O Pontífice não deixou de elencar os problemas do mundo, mas não foi um discurso de condenação, de censura. Ao contrário, foram palavras de encorajamento, para que todos os homens e mulheres de boa vontade sejam capazes de responder e enfrentar os problemas que afligem a humanidade.

Nos dramas de início de milênio Francisco citou os últimos da sociedade, e de modo especial os migrantes. Aliás, o Papa dedicou a maior parte do seu discurso à emergência migratória, que em 2015 interessou principalmente a Europa, a Ásia e a América.

O Papa comentou as razões que levam à fuga milhões de pessoas: conflitos, perseguições, miséria extrema e alterações climáticas. Razões estas que são resultado da “cultura do descarte” e da “arrogância dos poderosos”, sacrificando homens e mulheres aos ídolos do lucro e do consumo. Citou as dramáticas imagens das crianças mortas no mar que testemunham “os horrores que sempre acompanham guerras e violências”. O tema das migrações é complexo, reconhece o Pontífice, e requer projetos a médio e longo prazos que devem ir além da lógica da emergência.

São problemas gravíssimos e o Papa quis dar um estímulo positivo, um impulso que é também um desafio para a comunidade internacional: sejamos misericordiosos, procuremos trabalhar neste sentido; a Santa Sé está disposta a colaborar com vocês, a estar ao seu lado, também o Papa, com a “certeza de que este ano jubilar poderá ser a ocasião propícia para que a fria indiferença de tantos corações seja vencida pelo calor da misericórdia”.

Já o segundo momento da semana, também ele dedicado ao tema da misericórdia, foi a apresentação do volume, em italiano do livro-entrevista, “O nome de Deus é misericórdia”.

Seria muita pretensão em poucas palavras falar de tão grande conteúdo e reflexão, mas gostaria de chamar a atenção para certas expressões de Francisco que podem nos ajudar a refletir sem mesmo ter lido o livro.

A misericórdia é “a carteira de identidade” de Deus é uma delas, e diz tudo.

“A nossa época é um tempo oportuno” porque hoje se vive um duplo drama: perdeu-se o sentido do pecado, e ele é considerado também incurável, imperdoável. Por isto, a humanidade ferida por tantas “doenças sociais” – pobreza, exclusão, escravidão do terceiro milênio, relativismo – tem necessidade de misericórdia, desta “carteira de identidade de Deus”, daquele que “permanece sempre fiel”, mesmo que o pecador o renegue.

Depois a vergonha, entendida como “uma graça”, porque torna o pecador consciente do próprio pecado.

Sobre a confissão: você vai ao confessionário “não para ser julgado”, mas para “alguma coisa maior do que o juízo: para o encontro com a misericórdia” de Deus, sem a qual “o mundo não existiria”. Enfatiza ainda Francisco: o confessionário não deve ser “nem uma lavanderia”, onde se lava o pecado a seco, como uma simples mancha, nem “uma sala de tortura”, onde se depara com “o excesso de curiosidade” de alguns confessores.

O Papa define-se como “um homem que tem necessidade da misericórdia de Deus”.

Outro aspecto é o da Igreja, a Igreja “em saída”, um “hospital de campanha” para os necessitados de perdão, que vai de encontro aos tantos “feridos” necessitados de escuta, compreensão, perdão, amor. É importante, de fato, “acolher com delicadeza aqueles que estão diante de nós, não ferir a sua dignidade”, afirma o Santo Padre, citando uma experiência pessoal, que remonta aos tempos em que era pároco na Argentina: uma mulher que se prostituía para manter os seus filhos, agradeceu a ele por sempre trata-la por “Senhora”.

Respondendo, depois, a uma pergunta sobre pessoas homossexuais, o Papa explica o que afirmou em 2013, durante a coletiva de imprensa no avião que o trazia de retorno do Rio de Janeiro, isto é, “se uma pessoa é gay, busque o Senhor e tenha boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”. “Eu havia parafraseado – disse - de memória o Catecismo da Igreja Católica onde explica que estas pessoas devem ser tratadas com delicadeza e não devem ser marginalizadas”.

Quem se descobre “doente na alma”, deve encontrar portas abertas, não fechadas; acolhida, não julgamento ou condenação; ajuda, não marginalização.

Na acolhida do marginalizado, ferido no corpo, e do pecador, ferido na alma, joga-se, de fato, “a credibilidade dos cristãos”, diz Francisco. Porque no fundo, como dizia São João da Cruz, “no anoitecer da vida, seremos julgados no amor”.

Em síntese, alguns pensamentos de Francisco que certamente irão nos ajudar a caminhar neste ano dedicado ao “grande amor de Deus”, a sua misericórdia. (Silvonei josé)








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