Porta aberta: Laudato si - De 134 a 142


Cidade do Vaticano (RV) - Ecologia integral: ambiental, econômica e social.

134. Embora não disponhamos de provas definitivas acerca do dano que poderiam causar os cereais transgénicos aos seres humanos e apesar de, nalgumas regiões, a sua utilização ter produzido um crescimento económico que contribuiu para resolver determinados problemas, há dificuldades importantes que não devem ser minimizadas. Em muitos lugares, na sequência da introdução destas culturas, constata-se uma concentração de terras produtivas nas mãos de poucos, devido ao «progressivo desaparecimento de pequenos produtores, que, em consequência da perda das terras cultivadas, se viram obrigados a retirar-se da produção directa».[113] Os mais frágeis deles tornam-se trabalhadores precários, e muitos assalariados agrícolas acabam por emigrar para miseráveis aglomerados das cidades. A expansão destas culturas destrói a complexa trama dos ecossistemas, diminui a diversidade na produção e afecta o presente ou o futuro das economias regionais. Em vários países, nota-se uma tendência para o desenvolvimento de oligopólios na produção de sementes e outros produtos necessários para o cultivo, e a dependência agrava-se quando se pensa na produção de sementes estéreis que acabam por obrigar os agricultores a comprá-las às empresas produtoras.

135. Sem dúvida, há necessidade duma atenção constante, que tenha em consideração todos os aspectos éticos implicados. Para isso, é preciso assegurar um debate científico e social que seja responsável e amplo, capaz de considerar toda a informação disponível e chamar as coisas pelo seu nome. Às vezes não se coloca sobre a mesa a informação completa, mas é seleccionada de acordo com os próprios interesses, sejam eles políticos, económicos ou ideológicos. Isto torna difícil elaborar um juízo equilibrado e prudente sobre as várias questões, tendo presente todas as variáveis em jogo. É necessário dispor de espaços de debate, onde todos aqueles que poderiam de algum modo ver-se, directa ou indirectamente, afectados (agricultores, consumidores, autoridades, cientistas, produtores de sementes, populações vizinhas dos campos tratados e outros) tenham possibilidade de expor as suas problemáticas ou ter acesso a uma informação ampla e fidedigna para adoptar decisões tendentes ao bem comum presente e futuro. A questão dos OMG é uma questão de carácter complexo, que requer ser abordada com um olhar abrangente de todos os aspectos; isto exigiria pelo menos um maior esforço para financiar distintas linhas de pesquisa autónoma e interdisciplinar que possam trazer nova luz.

136. Além disso, é preocupante constatar que alguns movimentos ecologistas defendem a integridade do meio ambiente e, com razão, reclamam a imposição de determinados limites à pesquisa científica, mas não aplicam estes mesmos princípios à vida humana. Muitas vezes justifica-se que se ultrapassem todos os limites, quando se faz experiências com embriões humanos vivos. Esquece-se que o valor inalienável do ser humano é independente do seu grau de desenvolvimento. Aliás, quando a técnica ignora os grandes princípios éticos, acaba por considerar legítima qualquer prática. Como vimos neste capítulo, a técnica separada da ética dificilmente será capaz de autolimitar o seu poder.

CAPÍTULO IV

UMA ECOLOGIA INTEGRAL

137. Dado que tudo está intimamente relacionado e que os problemas actuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos detenhamos agora a reflectir sobre os diferentes elementos duma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais.

1. Ecologia ambiental, económica e social

138. A ecologia estuda as relações entre os organismos vivos e o meio ambiente onde se desenvolvem. E isto exige sentar-se a pensar e discutir acerca das condições de vida e de sobrevivência duma sociedade, com a honestidade de pôr em questão modelos de desenvolvimento, produção e consumo. Nunca é demais insistir que tudo está interligado. O tempo e o espaço não são independentes entre si; nem os próprios átomos ou as partículas subatómicas se podem considerar separadamente. Assim como os vários componentes do planeta – físicos, químicos e biológicos – estão relacionados entre si, assim também as espécies vivas formam uma trama que nunca acabaremos de individuar e compreender. Boa parte da nossa informação genética é partilhada com muitos seres vivos. Por isso, os conhecimentos fragmentários e isolados podem tornar-se uma forma de ignorância, quando resistem a integrar-se numa visão mais ampla da realidade.

139. Quando falamos de «meio ambiente», fazemos referência também a uma particular relação: a relação entre a natureza e a sociedade que a habita. Isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida. Estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos. As razões, pelas quais um lugar se contamina, exigem uma análise do funcionamento da sociedade, da sua economia, do seu comportamento, das suas maneiras de entender a realidade. Dada a amplitude das mudanças, já não é possível encontrar uma resposta específica e independente para cada parte do problema. É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interacções dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise sócio-ambiental. As directrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza.

140. Devido à quantidade e variedade de elementos a ter em conta na hora de determinar o impacto ambiental dum empreendimento concreto, torna-se indispensável dar aos pesquisadores um papel preponderante e facilitar a sua interacção com uma ampla liberdade académica. Esta pesquisa constante deveria permitir reconhecer também como as diferentes criaturas se relacionam, formando aquelas unidades maiores que hoje chamamos «ecossistemas». Temo-los em conta não só para determinar qual é o seu uso razoável, mas também porque possuem um valor intrínseco, independente de tal uso. Assim como cada organismo é bom e admirável em si mesmo pelo facto de ser uma criatura de Deus, o mesmo se pode dizer do conjunto harmónico de organismos num determinado espaço, funcionando como um sistema. Embora não tenhamos consciência disso, dependemos desse conjunto para a nossa própria existência. Convém recordar que os ecossistemas intervêm na retenção do dióxido de carbono, na purificação da água, na contraposição a doenças e pragas, na composição do solo, na decomposição dos resíduos, e muitíssimos outros serviços que esquecemos ou ignoramos. Quando se dão conta disto, muitas pessoas voltam a tomar consciência de que vivemos e agimos a partir duma realidade que nos foi previamente dada, que é anterior às nossas capacidades e à nossa existência. Por isso, quando se fala de «uso sustentável», é preciso incluir sempre uma consideração sobre a capacidade regenerativa de cada ecossistema nos seus diversos sectores e aspectos.

141. Além disso, o crescimento económico tende a gerar automatismos e a homogeneizar, a fim de simplificar os processos e reduzir os custos. Por isso, é necessária uma ecologia económica, capaz de induzir a considerar a realidade de forma mais ampla. Com efeito, «a protecção do meio ambiente deverá constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada isoladamente».[114] Mas, ao mesmo tempo, torna-se actual a necessidade imperiosa do humanismo, que faz apelo aos distintos saberes, incluindo o económico, para uma visão mais integral e integradora. Hoje, a análise dos problemas ambientais é inseparável da análise dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos, e da relação de cada pessoa consigo mesma, que gera um modo específico de se relacionar com os outros e com o meio ambiente. Há uma interacção entre os ecossistemas e entre os diferentes mundos de referência social e, assim, se demonstra mais uma vez que «o todo é superior à parte».[115]








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