Canonização nos EUA: Humildade, virtude marcante de Frei Junípero Serra


Washington (RV) – Grande expectativa no Santuário Nacional da Imaculada Conceição, em Washington, onde nesta quarta-feira (23) o Papa Francisco presidirá a missa de canonização do Beato Padre Junípero Serra, apóstolo da Califórnia. Nascido em 1713 em Maiorca, Espanha,  Junípero Serra entra na Ordem dos Frades menores. Catedrático em teologia aos 35 anos, parte para o México e depois para a Califórnia, onde fundou numerosas missões. “Sempre em frente e nunca para trás”, dizia. A Rádio Vaticano entrevistou em Washington, com exclusividade, o Postulador Geral, Padre Giovannigiuseppe Califano:

“Um enamorado do Evangelho. Não encontro uma expressão melhor para sintetizar a personalidade espiritual e humana do novo Santo. Podemos dividir a sua vida de religioso em duas grandes fases: cerca de 35 anos vividos na sua pátria, em Maiorca – dos quais 20 como sacerdote da Ordem dos Frades menores – e outros 35 anos vividos como missionário no Novo Mundo, isto é, na região do atual México e da Califórnia. Tanto numa como na outra fase de sua vida, Padre Junípero foi um incansável pregador da Palavra de Deus. De fato, em Maiorca, aliou a sua atividade de docente de filosofia e de teologia na Universidade Lulliana, a uma intensa atividade pastoral, feita de missões, de pregações quaresmais e de homilias por ocasião das solenidades litúrgicas, quando era enviado como pregador. Esta mesma paixão pela Palavra de Deus e pela Igreja o motivou a ser missionário. Em 1794, Padre Junípero partiu para o Novo Mundo, nas pegadas dos grandes Frades menores que o haviam precedido, como São Francisco Solano e o Venerável Antonio Margil. Justamente a partir da leitura dos gestos destes missionários que nasceu nele este desejo. A sua primeira ação missionária se desenvolve no território da Sierra Gorda, mais de 200 quilômetro aos norte da Cidade do México. Ali permaneceu por oito anos, de 1750 a 1758. Dez anos mais tarde, em 1768, Padre Junípero foi enviado para as missões na Baixa Califórnia, a partir de onde estendeu sua ação apostólica em direção ao norte, fundando novas estações missionárias no território da atual Califórnia”.

- Lendo a biografia de Junípero Serra, se percebe um forte apelo missionário, com uma ação pastoral permeada também pela defesa dos nativos, a caridade pelos pobres....

“Sem dúvida. Os Frades Menores que partiam para missão no Novo Mundo, permaneciam por cerca de dois anos no Colégio Apostólico de São Ferdinando, na Cidade do México, para aprender a língua, usos e costumes das populações às quais eram enviados. Trata-se de um verdadeiro processo de “inculturação” – assim diríamos hoje – uma inculturação necessária aos religiosos para poder se comunicar com os nativos. Com a sua viva inteligência, Frei Junípero não teve dificuldade em aprender em pouco tempo a língua dos Pame, por meio da qual pode se aproximar das populações de Sierra Gorda, que foi o seu primeiro destino. Eu poderia dizer que este esforço de inculturação foi o primeiro ato de caridade do Padre Junípero em favor daquelas populações, isto é, o desejo de sentir-se um deles para estar próximo a todos, com coração de franciscano para compreender, para apoiar. E este desejo de identificar-se com os povos, com as culturas, o acompanhará pelo resto de sua vida, mesmo nos anos sucessivos, na missão na Califórnia”.

- Mas a atividade de Junípero Serra não se limitou a isto..

“Certamente não, porque aquilo que faziam os missionários, e Padre Junípero Serra por primeiro, foi uma autêntica obra de promoção humana. Os Frades Menores que chegavam nestas novas terras ensinavam às populações nativas a agricultura, a criação de gado, as artes, a música e a arquitetura. Era um modo para estabelecer condições de vida mais dignas para aquelas populações, que certamente estavam ainda sem o Evangelho, mas que poderiam ter sido mesmo presas fáceis de uma colonização sem escrúpulos. Ficaram para nós como exemplos maravilhosos desta atividade “artística”, de promoção, as grandes igrejas das missões de Sierra Gorda, que hoje são consideradas como Patrimônio Mundial da Humanidade. Além disto, é necessário recordar que Padre Junípero moderou a metodologia de abordagem que os militares, os espanhóis, costumavam usar quando se estabeleciam nestas terras. Como por exemplo, não impor a língua espanhola, ele deixou uma certa margem de liberdade para os cultivos, para os quais não era obrigatório dar uma cota-parte para a missão, não interferiu na gestão dos ganhos e das economias que pudessem vir destas pequenas atividades agrícolas ou da criação... Permitiu que os nativos se afastassem das missões para a troca de mercadoria com outras tribos, como era costume fazer em suas culturas. E sobretudo, interveio para pedir a atenuação das penas quando alguém incorria em uma violação da lei instaurada pelos espanhóis”.

- Então, como poderíamos definir o contato que teve Padre Junípero com os índios?

“Seguramente, como numa relação entre pai e filho. Padre Junípero tinha a consciência de ter gerado à fé em Cristo estes povos e portanto desejava administrar pessoalmente o Batismo quase que assumindo em relação a eles uma responsabilidade, uma responsabilidade de pai, mostrando que os Sacramentos criam um vínculo com o Senhor, mas também entre os homens. Quando consegue a autorização para administrar o Crisma – é um feito totalmente excepcional, como se poderia pensar – embora já estivesse cansado pelos anos e sofrendo, Padre Junípero viajou para ministrar este Sacramento às populações da Califórnia e se calcula que o número das Crismas chegaram a 5.309. Assim, em síntese, os índios constituíram o coração de seu apostolado: nos limites da obediência aos superiores, não teve respeito humano por quem ousava atacar, aproveitar ou subjugar os índios. Por este amor visceral e inteligente, Padre Junípero não teve medo de enfrentar abertamente as autoridades políticas e militares que queriam tirar da Igreja a missão de evangelizar, a missão primária para estes missionários, que com tanta generosidade, com tanto zelo, enfrentavam viagens, desconfortos, sofrimentos para levar Cristo aos povos”.

- Em Junípero Serra se encontram, portanto, as raízes dos Estados Unidos e do velho Continente no abraço do cristianismo...

“É suficiente recordar os nomes das grandes metrópoles da Califórnia para se dar conta do quanto o cristianismo caracterizou a cultura e a civilização dos Estados Unidos. Subindo do sul ao norte, encontramos San Diego, San Juan Capristano, Los Angeles, San Buenaventura, Sant’Antonio, Santa Clara, São Francisco, as grandes metrópoles... São cidades que tiveram origem nas estações missionárias estabelecidas  pelos franciscanos ao longo do assim chamado “Caminho Real”. Esta vasta área geográfica em que São Junípero atuou – portanto Maiorca, México e Califórnia – sugere de qualquer maneira como aproximar o norte e o sul do mundo, abatendo fronteiras: México, Estados Unidos, Mediterrâneo, países africanos, Europa.... São imagens, são ideias, que temos e vivemos neste momento... O caminho do Santo sugere um perene valor da solidariedade. No tempo de São Junípero as ajudas chegavam com os navios que partiam do México. Agora a trajetória da riqueza parece que invertida, mas não inverteu nem mudou o dever da solidariedade humana. Estamos convencidos de que esta solidariedade possa e deva nutrir-se dos ideais evangélicos, do amor pelo próximo, que é gratuito, do não olhar lucro pessoal, que não calcule o próprio interesse”.

- O que mais lhe toca a figura do Frei Junípero Serra?

“Penso que a virtude mais eminente do novo Santo seja a humildade. Não teria sido humanamente possível realizar uma obra de tal envergadura sem uma humildade heroica. O seu mais antigo biógrafo foi o discípulo Padre Palou, o primeiro a insistir com convicção sobre este conceito de humildade do Santo. “Se considerava o mais inútil...fazendo compreender ser servo e sem nenhuma habilidade...Quanto maior era a honra que se queria atribuir a ele, tanto maior era a repugnância que ele demonstrava, e utilizava todos os meios que a humildade e a prudência lhe sugeriam para evitar as ocasiões de elogio”. Se folhearmos a biografia de São Junípero, encontramos muitíssimas manifestações concretas desta humildade heroica. Basta pensar que quando era missionário em Sierra Gorda e, como diziam, havia estabelecido esta relação fraterna com as populações, lhe foi ordenado para retornar ao México, a Cidade do México, no Colégio de São Ferdinando, para depois partir imediatamente para as missões do Texas, pois se havia verificado que a Missão de San Saba havia sido destruída, e ele aceitou sem nenhuma hesitação esta mudança de serviço. Acontece, porém, que as autoridades espanholas julgaram muito perigosa esta nova empreitada e assim o Santo deixou o lugar onde estava com tanto envolvimento, retornou para a Cidade do México, devendo esperar bem dez anos para posteriormente retornar para as missões. Portanto, realmente uma grande humildade: sentir-se um servo inútil onde a obediência o chamava a ser. E nestes dez anos em que foi estável em sua atividade, da mesma forma foi missionário, porque se dedicou à pregação, às populações, ao ministério da confissão, foi também mestre dos noviços... Portanto, uma pessoa muito atuante que sabia estar onde a obediência o colocava. E quando estava no convento entre os seus freis, embora fosse uma pessoa conhecida, uma pessoa já também de sucesso, assumia o comportamento comum aos Freis menores, como se fosse o último dos noviços: era pontual aos atos comuns, à oração, praticava a mortificação... Realmente sabia estar no último lugar. Existem muitos outros destes episódios, em que se revela a humildade do Santo. Chega de Roma a patente para proceder à Confirmação, para administrar assim o Sacramento da Crisma. Lhe havia sido contestada a autenticidade da patente, porque não havia passado pela autorização das autoridades espanholas. Ele soube esperar, pacientemente, até que fosse reconhecido o seu direito para depois partir novamente com coragem e com força, não obstante a ferida que tinha na perna”.

-  Para recordar, como se formou esta ferida?

“A ferida na perna formou-se quando de sua chegada ao México, provavelmente causada por uma picada de inseto. Levou à uma infecção e ele levou pacientemente esta ferida pelos 35 anos em que foi missionário. Viajou sempre de pé: somente em uma circunstância foi usada uma padiola, justamente nos últimos anos, quando sofria, mas caminhou sempre com a dor e isto certamente por um desejo de conformidade a Cristo, por uma oferta mais autêntica da própria vida e justamente porque se considerava um nada”.

- Qual a atualidade deste Santo? O que seu exemplo diz para os dias de hoje?

“Gostaria de reiterar o conceito da solidariedade pelos outros, pois São Junípero foi de encontro às populações necessitadas que não conheciam Cristo e levou o Evangelho e levou a cultura, como diziam. E portanto, penso que esta interação entre os povos e as culturas seja uma mensagem de grande atualidade do novo Santo. Certo, para nós franciscanos é também uma alegria, uma grande satisfação espiritual ver um irmão nosso elevado à honra dos altares, mas é também uma grande responsabilidade, porque fazendo memória dos Santos, de seu zelo por causa do Evangelho, também nós podemos estar presentes no mundo. E certamente, em São Junípero, nenhuma virtude esteve ausente: uma fé robusta, uma esperança e uma caridade sobrenaturais, e todas as virtudes cardeais. Mas a humildade foi sem sombra de dúvida a virtude que unia todas as outras em um conjunto harmônico. Como verdadeiro filho de São Francisco de Assis, São Junípero vivia a humildade como alegre simplicidade franciscana, como resistência às honras e aos lugares de responsabilidade, como pronta e generosa obediência às ordens dos superiores. A humildade foi o seu hábito mais agradável”. (JE)








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