Especial: “Lixo se recolhe. Pessoas, se acolhe”


Nesta segunda matéria especial sobre a Casa do Menor, o fundador da instituição que trabalha com meninos e meninas de rua, lembra do trágico episódio que deu origem à Casa do Menor e como é possível – sim – recuperar um menino abandonado.

Neste especial que repropomos hoje, recordamos que Padre Renato Chiera esteve no Vaticano no início de abril onde encontrou o Papa Francisco, junto com um grupo da Casa do Menor que está em turnê pela Itália com o espetáculo “Deixem-me sonhar”.

RV: O senhor, provavelmente, já deve ter sido ameaçado de morte também…

Padre Renato Chiera: Eu já recebi muita ameaça de morte, sim. Agora, menos. Os meninos morrem… se “a gente” também tivesse que morrer para salvar a eles, eu acho que seria até um privilégio. O martírio maior para nós hoje é continuar amar estes meninos. É continuar ir contracorrente, porque nós somos cercados por toda uma sociedade que quer botar para a cadeia, que quer violência.

Lacuna do abandono

O grande problema dos meninos é o abandono. O grande problema dos meninos é a falta de amor. É a rejeição. Nós estamos com muita raiva dos meninos hoje no Brasil. Nós queremos penalizá-los, nós queremos criminalizá-los. Chamamos nossos meninos de monstros.

Eles não são monstros. Eles são filhos de Deus feridos porque não amados. Mas o amor, o acolhimento, vai fazê-los reerguer. A gente pode falar isso por experiência, porque não é uma teoria, é uma experiência de acolhimento que nós estamos fazendo, nas ruas, nas cracolândias, vamos amá-los, não tirá-los. Nós não vamos para recolher. Nós vamos para amá-los ou acolhê-los. No Brasil, se diz que tem que recolher. Eu digo, se recolhe o lixo. Pessoas, se acolhe.

A Paixão dos meninos de rua

O encontro com o Papa foi uma coisa inesperada e emocionante. Parece que o Papa estava falando para nós. Me veio uma emoção muito forte quando ele falou da Paixão dos meninos. A Casa do Menor nasceu a partir desta Paixão. Eu não comecei este trabalho porque eu quis: teve um chamado de Deus através de acontecimentos.

Um menino que eu acudi porque a polícia estava caçando ele, já tinha dado tiro, ele foi assassinado na porta da minha casa. Se chamava “Pirata” Carlos Martins. Isso me chocou muito.

Um dia um rapaz veio me pedir ajuda e me disse: padre, tu sabes que mataram 36 na tua paróquia neste mês? E agora tem 40 marcados para morrer. E eu sou o primeiro da lista, e eu não quero morrer. E, me olhando fixo, me dizia, e você nos deixa morrer todos. Matar todos. E você não faz nada? Então, eu senti que Deus estava me chamando a dar uma resposta a esta tragédia das crianças, a infância negada.

Rejeição x Família

Eu te digo que quem não foi amado é mais sensível ao amor do que qualquer pessoa. Eu fico impressionado quando os chamo de filhos. Aí dizem: você escutou? Ele me chamou de filho! Ninguém nunca me chamou de filho. Quem não é amado percebe o amor. Agora, não podes enganá-los. Não pode fingir de amar. Brincar, como o Papa falava. Não podemos brincar com as crianças porque aquilo que eles nos pedem é o essencial. (RB)








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