Colocar-se na perspectiva dos que sofrem para melhor entender o que diz o Papa, diz P. Lombardi


Cidade do Vaticano (RV) – Um dia após o retorno do Papa Francisco ao Vaticano, vindo da América Latina, a Rádio Vaticano pediu ao seu Diretor, Padre Federico Lombardi, para destacar alguns pontos-chave desta sua segunda viagem ao continente latino-americano e nona viagem internacional:

“Me tocou a presença das pessoas durante a viagem e a relação do Papa com elas. Havia um número incontável de pessoas presentes em todos os momentos desta viagem: a presença ao longo das ruas, devo dizer, é a coisa que mais me tocou pela sua dimensão e também pelo seu estilo, pela atmosfera, pela sua característica de intensidade e não somente emotiva, mas diria também de fé. O Papa percebeu estas coisas perfeitamente, provavelmente as previa e as conhecia já anteriormente e muito melhor do que nós. Porém, acredito que a intensidade, a dimensão desta presença tenha, em qualquer modo, surpreendido também ele e surpreendido um pouco a todos. Portanto, me tocou o fato da mobilização humana e espiritual dos países visitados e a sintonia profunda: o pastor que conhece as suas ovelhas, que está em meio a elas, que tem o odor das ovelhas. Portanto, este era o Papa Francisco nestes países da América Latina”.

RV: O Papa Francisco, obviamente, é uma pessoas universalmente conhecida e sempre mais familiar a muitos. Mas, na sua opinião, foi possível perceber um “algo a mais” na sua pessoa, após o retorno da “sua” América Latina?

“É justamente esta sua relação com o povo, que explica também melhor a nós, que viemos de uma outra cultura ou de uma outra experiência, o modo em que ele nos fala assim intensamente, também quando se dirige aos pastores, dizendo que devem estar próximos às pessoas, que não devem ser estranhos à vida das pessoas. Entendemos e experimentamos isto em modo mais intenso por ocasião desta viagem”.

RV: Na sua opinião, com esta viagem, o Papa Francisco ajudou a desfazer alguns estereótipos que se tem no Ocidente em relação à América Latina? Por exemplo, o Papa sublinhou o quanto a juventude deste continente, ligada à esperança, e estas energias novam podem oferecer aos outros continentes…

“Certamente. Vivemos uma relação de grande respeito, estima, amor ao Papa por estes povos, que em nenhum modo os consideramos como povos em espera, digamos, de ajudas: como povo ou pessoas subdesenvolvidas que devem ser ajudadas por uma caridade externa para poder atingir um melhor desenvolvimento humano ou espiritual, mas sim como atores protagonistas – eles próprios – de seu desenvolvimento e de seu caminho. Neste sentido, a mensagem do Papa foi de grande encorajamento de um ponto de vista quer humano que espiritual e eclesial, para que possam encontrar juntos – em modo solidário e ativo – a construção de seu futuro. Portanto, isto foi muito belo: um Papa que encoraja a serem protagonistas todos os membros destes povos, em particular, aqueles que são, quem sabe, mais pobres e que se sentem marginalizados”.

RV: Alguns criticam o Papa por ser muito voltado aos Movimentos Populares e às forças sociais – ou seja, aos pobres – negligenciando a assim chamada “classe média”. Uma pergunta, a propósito, feita durante a coletiva na viagem de volta a Roma. Que leitura poderia ser feita à este respeito?

“Foi tão interessante que o Papa tenha dito: “Mas, existe verdade nesta observação… Devo refletir sobre isto e ver como considerar”. Porém, o ponto de impostação do Papa me parece que seja fundamental e deve ser bem entendido: se nós reconhecemos que a situação do mundo não é ideal e que portanto existem realmente mudanças, e mudanças importantes e urgentes a serem feitas – quer no que diz respeito à impostação da economia, do governo e do caminho da humanidade, quer no que tange às consequências que esta impostação tem também sobre a criação, sobre o equilíbrio da criação, sobre o equilíbrio das relações sociais – então devemos ver qual é o ponto de perspectiva justo no qual devemos colocarmo-nos para entender o que é que não está certo e que efetivamente é urgente mudar. Este ponto de perspectiva – o Papa disse diversas vezes – é a atenção aos pobres.  É dalí, de onde se sofrem as consequências das coisas que não estão certas, que se pode entender verdadeiramente, profundamente e existencialmente que não estão certas e que portando devem mudar: dalí, e não somente pela sensibilidade evangélica que os coloca no coração do Evangelho, mas também por uma sabedoria humana que diz o que devemos mudar para construir uma sociedade mais humana e justa. Devemos olhá-la do ponto de vista das coisas que não estão certas e de quem sofre as consequências negativas. Então, neste sentido, a insistência do Papa é corajosa, é contracorrente, mas é muito compreensível, porque, se alguém se colocar do ponto de vista do centro do funcionamento de um sistema e de quem o faz funcionar, então é muito mais difícil que as coisas mudem efetivamente e que se veja e se entenda a urgência de mudá-las. Também a “classe média” certamente, tem um papel fundamental e podem existir países em que é extremamente importante. Mas se alguém olha – como faz o Papa – ao mundo no seu conjunto, as situações de iniquidade, de sofrimento e os problemas que manifestam a necessidade de uma mudança são de tal forma imensos e macroscópicos que a urgência das mudanças parece evidente. No Papa, encontramos também a insistência sobre o possível protagonismo ativo e criativo das pessoas que se encontram nas situações difíceis, como possíveis protagonistas ativos da mudança: não em forma de luta violenta, mas na forma de crescimento da solidariedade e da justiça. Isto me parece o significado muito importante do discurso do Papa aos Movimentos Populares e, em certa medida, o significado também desta viagem e dos gestos de solidariedade do Papa com estas populações. Atitudes que são propostas a nível também das dinâmicas do desenvolvimento mundial. Por isto, me parece muito significativo que o retorno do Papa ao seu continente e a sua sensibilidade à participação e à compreensão profunda e positiva da realidade e o que é o povo – de um ponto de vista quer geral, quer também especificamente cristão – seja uma contribuição extremamente importante para a reflexão da Igreja universal e também a humanidade”. (JE)

 








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