Liberdade religiosa, termômetro da liberdade em uma sociedade, diz Dom Gallagher


Estrasburgo (RV) – O multipolarismo, o compromisso dos governos na defesa da liberdade religiosa, a promoção dos direitos humanos por parte das grandes religiões, a relação entre democracia e liberdade de professar a própria fé. São estes alguns elementos que guiaram o pronunciamento  do Secretário para as Relações com os Estados, Arcebispo Paul Richard Gallagher,  no seminário sobre o tema “Construir juntos sociedades inclusivas: contribuições rumo ao encontro de Sarajevo sobre a dimensão religiosa do diálogo intercultural”, realizado no Conselho da Europa, em Estrasburgo, na segunda-feira (8). A iniciativa foi promovida pela Comissão dos Ministros do Conselho de Europa em vista de um congresso a ser realizado em 8 e 9 de setembro próximo, na capital da Bósnia e Herzegovina.

Diálogo: elemento decisivo da convivência 

O multipolarismo foi o primeiro ponto abordado pelo Arcebispo, que recordou como o atual contexto internacional é caracterizado pela presença de numerosos e diversos atores: os Estados nacionais, as suas sociedades, os organismos internacionais, as comunidades religiosas e assim por diante. Sujeitos diversos que frequentemente podem encontrar-se em contraste entre eles. “Todavia – acrescentou – este contexto relativamente novo na história da humanidade significa que todos os atores – e em medida muito maior em relação ao passado – devem colocar-se em relação com os outros naquela que pode ser descrita como uma abordagem transversal. Já há algum tempo, os Estados não somente estão empenhados no diálogo entre eles, mas também com as instituições internacionais, com as organizações da sociedade civil e com as confissões religiosas. Por sua vez, as organizações religiosas contribuem para uma contínua troca com a sociedade em que vivem, com as outras religiões e as autoridades civis. Portanto, o diálogo é elemento decisivo da convivência na época contemporânea.

Foi o Concílio II – explicou Gallagher – a indicar de qual modo a Igreja poderia ter relações com as outras religiões, e, de forma mais geral, com a atual sociedade e as suas múltiplas culturas. A renovação produzida pelo Concílio tornou possível também uma reflexão teológica: “O resultado foi uma nova compreensão da relação da Igreja com o mundo, um stress são que ainda hoje experimentamos”.

Diálogo: longo caminho percorrer

Na estação do multipolarismo, se registram muitos sinais positivos no diálogo entre religiões e culturas, explicou Gallagher. “Penso, por exemplo, na promoção da paz e na rejeição de toda forma de violência em nome de Deus ou da religião”. O caminho a ser percorrido é longo e requer determinação por parte de todos os homens e mulheres pertencentes a diversas religiões, pois devemos nos confrontar com “os sinais preocupantes de um percurso oposto”, isto é, com a exasperação das identidades que leva a formas “de extremismo e violência. Do mesmo modo as sociedades e os governos, fortemente secularizados, frequentemente se encontram em dificuldade no compreender “as características específicas da dimensão religiosa”.

Novos desafios dos direitos humanos

O representante da Santa Sé abordou após o tema dos direitos humanos, fazendo referência à “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, de 1798, na qual é afirmada a igualdade dos cidadãos diante de lei, a liberdade de pensamento e de religião. No entanto – explicou – no atual contexto, a cultura dos direitos está em contínua evolução e enfrenta novos desafios, como aqueles relativos à concepção da família, a defesa da vida humana, o problema da imigração. Acontece então que frequentemente as Cortes de Justiça europeias são chamadas a manifestar-se sobre temas não simples, que tocam muito de perto os direitos humanos. Neste mesmo plano, as religiões devem dar a sua contribuição à cultura comum “em diálogo com as filosofias do homem que tendem a excluir toda referência à transcendência”. A abordagem da Igreja a uma cultura dos direitos humanos – observou – é relevante e parte do princípio da fraternidade e da igualdade entre todos os seres humanos, portanto, o reconhecimento do valor dos pobres, dos marginalizados, da dignidade humana. Mais ainda – prosseguiu Dom Gallagher, citando o discurso de Bento XVI em Regensburg em 2006 – é indispensável a justa relação entre razão e fé. É de fato, a partir deste nexo que se pode derrotar toda forma de fanatismo e fundamentalismo enquanto nenhuma cultura pode dizer ter o “monopólio” dos direitos humanos. O desafio é, portanto, o de construir uma sociedade inclusiva, plural, dentro da qual encontre espaço também a dimensão religiosa do indivíduo.

Relação entre democracia e liberdade religiosa

A relação entre democracia e liberdade religiosa foi o próximo ponto abordado pelo Secretário para as Relações com os Estados, destacando a contribuição das religiões para a educação das consciências e frequentemente assumindo o papel de protagonistas na sociedade civil. “A liberdade religiosa – afirmou – é como um barômetro que indica com precisão o verdadeiro nível de liberdade dentro de uma sociedade. Sistemas despóticos de todas as épocas sempre miraram ter o consenso das Igrejas e seu controle”; não existem regimes despóticos – observou – que sejam favoráveis a uma autêntica liberdade religiosa. Ao mesmo tempo, as restrições da liberdade religiosa  conduzem a um enfraquecimento da fibra democrática da sociedade”.

A promoção da liberdade religiosa, além disto, é um instrumento essencial para derrotar a radicalização e a violência extremista. É necessário em tal sentido reconhecer a presença das comunidades e confissões diferentes da nossa em um mesmo território e a sua colaboração na construção de nossa sociedade. É importante admitir ainda, que “que nunca poderá existir uma identificação absoluta entre etnia e povo por um lado e pertença religiosa de outro”.

Empenho dos governos na promoção da liberdade religiosa

Por fim, o Arcebispo recordou como os Estados e os Governos devem empenhar-se na promoção da liberdade religiosa. Esta última não é algo de extrínseco, mas é um dos direitos fundamentais do homem que são interligados uns com os outros. Assistimos hoje – acrescentou – tentativas de limitar a liberdade religiosa nos locais de trabalho, nas instituições, nas estruturas de saúde. Por outro lado, também recentemente surgiram tensões entre direito ao respeito das próprias convicções religiosas e a liberdade de expressão, em alguns casos é tarefa dos governos e dos Estados encontrar o justo equilíbrio. “No entanto, a ideia que os direitos fundamentais possam estar em conflito direto um contra o outro é equivocado. Se os direitos humanos individuais são a expressão da dignidade da pessoa humana, como consequência não podem estar em contraposição uns contra os outros”. “Pegando emprestadas as palavras da República francesa, a liberdade e a igualdade – égalité et liberté -, não podem ser eficazmente promovidas sem aceitar o desafio da fraternidade – fraternité”.

Neste sentido, o Arcebispo Gallagher explicou o empenho da Santa Sé na promoção da liberdade religiosa também por meio do diálogo com as outras religiões, recordou o tema da perseguição aos cristãos, fazendo referência também aos tantos conflitos que marcaram a história da Europa até a guerra na ex-Ioguslávia.

Ao concluir, o Secretário para as Relações com os Estados auspiciou que as religiões trabalhem pela reconciliação. (JE)








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