Tragédia imigrantes: infelizmente, somos pouco evangélicos


Cidade do Vaticano (RV) - Domingo passado, no Regina Caeli, o Papa expressou seu “mais profundo pesar“ diante da tragédia no Mediterrâneo ao largo da costa líbia, em que morreram centenas de imigrantes. Francisco dirigiu “um veemente apelo a fim de que a comunidade internacional atue com decisão e prontidão, evitando que tragédias dessa natureza voltem a se repetir.”

“São homens e mulheres como nós – disse o Santo Padre –, irmãos nossos que buscam uma vida melhor, famintos, perseguidos, feridos, explorados, vítimas de guerras; buscam uma vida melhor... Buscavam a felicidade.”

Sobre essa nova tragédia, eis o que disse o presidente do Pontifício Conselho da Pastoral para os Migrantes e os Itinerantes, Cardeal Antonio Maria Vegliò, entrevistado pela Rádio Vaticano:

Card. Antonio Maria Vegliò:- “Estes que fogem de seu país, fazem-no com o intento de deixar para trás situações de pobreza ou – refiro-me a refugiados – situações de perseguições. Essas pobres pessoas não têm outra escolha. Quantas delas morrerão? Creio que morram mais pessoas do que sabemos nós. Deixamo-nos impressionar com os números, mas por trás de cada pessoa há uma família, mães que amamentam seus filhos...”

RV: De quem seria a responsabilidade por essa nova tragédia no Mediterrâneo?

Card. Antonio Maria Vegliò:- “Não se pode buscar um só culpado contra o qual apontar o dedo. Seria fácil e cômodo! De certo modo, todos somos responsáveis por essas tragédias. Ninguém pode se permitir observar o problema externamente, colocando-se fora. Não nos esqueçamos que, no fundo, o enriquecimento dos países do Norte é uma das causas da pobreza... da África, por exemplo. As instituições, a comunidade internacional, todos devem decidir resolver finalmente essa situação. Em muitos âmbitos, por exemplo, nas perseguições aos cristãos, a comunidade internacional parece não mais existir! Chego a perguntar-me se realmente existe uma vontade de resolver os problemas... Faço um exemplo: recordo que, quando mataram em Paris os responsáveis da revista satírica, houve uma multidão, um milhão de pessoas, tendo à frente todos os presidentes e os chefes de governo da Europa. No Quênia mataram 150 pessoas: você viu um chefe de Estado? Viu alguém fazer uma manifestação? É isso que é trágico. A Europa não pode limitar-se a dar uma resposta somente em termos de fronteiras eu de intervenções militares, como quem busca defender-se de um inimigo. Não se trata de uma invasão, mas de um drama humano, de gente que morre porque quer viver melhor.”

RV: Qual é o papel dos católicos, dos cristãos na sociedade, na política, para impedir essas tragédias? Lemos nestas horas na web, inclusive, frases que nos fazem refletir sobre como, talvez, o Evangelho não tenha entrado em nossa vida diária, e sobre como – passando das palavras aos fatos – se torna assim tão difícil acolher o estrangeiro...

Card. Antonio Maria Vegliò:- “O cristão não seria absolutamente um cristão se não se sentisse pessoalmente envolvido com o que está acontecendo. Não se pode limitar-se a observar os mortos, a fazer estatísticas, de modo passivo e egoísta, ficando, talvez, comodamente diante da televisão... Todo cristão deve ser um profeta de denúncia, porque não pode ficar calado por conveniências políticas. São dramas que nos atingem a nós como cristãos. Se não se intervém nessas situações, não se é cristão! Porque um cristão deve falar de justiça, de solidariedade, de acolhimento, de misericórdia, de socorro fraterno. Você evocava o Evangelho: somos tão pouco evangélicos, infelizmente! Por isso, devemos sempre dizer que o cristão é alguém que se empenha e que deve empenhar-se sempre mais. Em todo caso, devemos agradecer a todos os bons sacerdotes, a todas as instituições eclesiásticas, a todos os voluntários que estão trabalhando com afinco, assiduamente, para enfrentar esse problema e para buscar ajudar esses nossos irmãos que, infelizmente, morrem em busca de uma vida melhor.”

RV: Qual é o apelo que a Igreja dirige às instituições?

Card. Antonio Maria Vegliò:- “Faço votos de que, finalmente, sejam verdadeiramente tomadas decisões corajosas, concretas, porque me recordo que depois de Lampedusa (ilha situada no extremo-sul da Itália, porta de entrada na Europa para os imigrantes provenientes do norte da África, ndr) a Europa parecia ter entendido, parecia começar a reagir. Foi visitada pelo presidente, foram também outros, muitas autoridades, não só da Europa, mas também da Itália... Depois disso, o que foi dito ficou somente nas palavras... Tenho convicção de que são necessárias novas políticas europeias de asilo para as migrações que coloquem em primeiro plano o respeito pelos direitos humanos e pelas convenções internacionais. A classe política não pode instrumentalizar essas tragédias – como, ao invés, infelizmente, está acontecendo! É claro, são problemas, são problemas graves que apresentam pontos interrogativos também para o futuro imediato. Porém, a Europa deve buscar uma solução para o problema: não pode resolver o problema dizendo “Expulsem todos!”, ou “Que voltem para seus países”... Essas não são soluções. O problema existe, é preciso buscar soluções.” (RL)








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