Editorial: A força da fé


Cidade do Vaticano (RV) – Celebramos na última terça-feira, 24 de março o “Dia de oração e jejum em memória dos Missionários Mártires”, precisamente no dia em que recordamos o aniversário do assassinato de Dom Oscar Arnulfo Romero, Arcebispo de San Salvador (24 de março de 1980), que será beatificado no próximo dia 23 de maio. Uma iniciativa para recordar, através da oração e do jejum, todos os missionários que foram assassinados no mundo e os agentes pastorais que derramaram o sangue no testemunho do Evangelho. O dia teve como tema “Sob o sinal da Cruz”, numa iniciativa do Movimento Juvenil Missionário das Pontifícias Obras Missionárias da Itália. 

Só para termos uma ideia da situação desse drama, de acordo com a agência Fides nos últimos 34 anos, 1062 agentes pastorais perderam a vida “de modo violento”, 242 dos quais durante o genocídio de 1994 em Ruanda. Dados relativos a 2014 registram a morte de 26 missionários, entre os quais sacerdotes, religiosos, religiosas, 1 seminarista e 1 leigo. A violência teve maior impacto no continente americano, onde foram mortas 14 pessoas ligadas à Igreja Católica.

Tempos atrás o Papa Francisco afirmara que estamos vivendo uma época na qual temos mais cristãos mortos por causa da fé em Cristo do que no período dos primeiros séculos da Igreja. Já na sua carta para o Terceiro Milênio, o Papa João Paulo II se referia a uma realidade do século XX: estamos diante de um novo tempo de mártires, talvez o maior da história do cristianismo, pois nunca tantas pessoas sofreram por serem fiéis à sua fé. Nem todos morreram, mas milhões vivem sua fidelidade na insegurança e na privação. Vivem com o temor de que na noite batam à sua porta e expulsem de suas casas como se fossem nada.

As notícias que nos chegam de várias partes do Oriente Médio descrevem o drama de irmãos nossos que, pelo simples fato de serem cristãos, são perseguidos, torturados, assassinados. São muitos os exemplos; desde os cristãos na Síria e Iraque aos coptas no Egito. Mas também realidades no continente americano onde muitos “homens de Deus”, sacerdotes e leigos derramaram o seu sangue para defender a dignidade do irmão e serem testemunhas do Evangelho.

Vieram-me em mente diante deste quadro de nossos irmãos sofredores, pintado muitas vezes pelo sangue derramado, as palavras que o Papa Francisco mais de uma vez pronunciou em suas homilias matutinas na Casa Santa Marta, mas também nas Audiências Gerais e nos Angelus sobre os desafios de ser cristão.

Para os nossos irmãos perseguidos, o maior desafio é confirmar a sua fé, muitas vezes, diante da morte certa. E para nós que vivemos em realidades “graças a Deus”, mais tranquilas, qual é o desafio de sermos cristãos?

Francisco já falou de cristãos de sofá, cristãos de museu, cristãos de fachada, cristãos de confeitaria, mas eu gosto de uma expressão que ajuda a refletir a dimensão da palavra, cristão: o cristão deve espalhar pelo mundo o sal que é dado pelo Senhor, fazendo com que a vida tenha seu verdadeiro sabor.

O sal dos cristãos deve fazer sentir o verdadeiro sabor da vida e não apenas o gosto do sal. “O sal tem sentido quando dá sabor às coisas. O sal mantido num recipiente, disse Francisco, com a humidade, perde força”. O sal que recebemos deve ser doado, para dar sabor. Do contrário, se torna insípido e não serve.

Mas o sal tem também outra particularidade: quando bem usado, todos nós sabemos, não se sente o seu gosto, sente-se o sabor do alimento: o sal ajuda que o alimento seja mais saboroso. Esta é a originalidade cristã!

De acordo com o Papa, o sal deve ser usado de duas formas: primeiro, dar o sal a serviço das refeições, ou seja, a serviço das pessoas, a serviço dos outros; segundo, a transcendência para o autor do sal, o Criador, através da oração e da adoração. Ação e oração.

Muitos católicos afirmam que para ser cristão basta ir à missa aos domingos. Entretanto, e nos recordam os nossos pastores, o compromisso vai além das portas da Igreja. O cristão que se diz cristão e age como tal é aquele que se preocupa com o próximo, olha para as suas necessidades, caminha ao lado, não aceita as injustiças.

Devemos ser sal, e como os nossos irmãos que hoje são perseguidos e não abandonam a sua fé, devemos ser testemunhas e sinal de esperança. E para ser cristão é preciso, antes de tudo, ser “humano”. Quantos cristãos hoje morrem no deserto da sua tristeza, da sua murmuração, do não querer o estilo de Deus, de querer ser só ele.

“Ser cristão é sair de si rumo a Deus”, disse certa vez Francisco; o bom cristão sai, está sempre em saída: está em saída de si mesmo, em saída rumo a Deus; está em saída rumo aos outros para levar a mensagem de salvação. É tempo de Quaresma, tempo de conversão, tempo de sair de nós mesmo e do nosso mundinho para encontrarmos o irmão que sofre e ser testemunha do amor de Deus. Neste momento, em todo o mundo são muitos os que dão esse testemunho, até a efusão do sangue.

Estamos para iniciar a Semana Santa, durante a qual meditaremos a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. Vamos viver esta semana como verdadeiros cristãos, recordando-nos sempre de nossos irmãos que padecem por causa da fé. Confiemos no Senhor, pois a vida de um cristão só é possível através da fé n’Aquele que tudo pode e tudo faz.

E que a Páscoa de Cristo, para a qual nos preparamos nesta Quaresma, seja também para nós o início de uma vida nova, aberta ás sugestões do Espírito – a própria Ressurreição; Boa Semana Santa a todos. (Silvonei José)








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