Editorial: Mar da esperança


 

Cidade do Vaticano (RV) – No grande mar da esperança, as utopias encontram o seu fim, e o sonho de uma vida melhor naufraga, levando consigo todo desejo de uma vida digna. O Mar é o Mediterrâneo que nos últimos dias voltou a cobrar duramente o alto preço de vidas, que tentavam atravessar a “piscina dos deuses”, em busca de um horizonte cheio de expectativa.

Mas no “mar da esperança” se continua a morrer e se continua a usar quilos de tinta para escrever rios de palavras que ciclicamente são destinadas a cair numa simples retórica. Quase todos os dias, desta parte do sul da Europa chegam notícias de tentativas de atravessar esse mar em embarcações improvisadas que, quando não chegam a um “porto feliz”, deixam seus “peregrinos” no meio do caminho, sem vida, na indiferença total, em um mar que já se tornou cemitério.

Nos últimos dias a notícia correu o mundo e ainda hoje se contam os mortos: uma tempestade no Canal da Sicília matou pelo menos 300 pessoas a bordo de três embarcações. Destas, 29 migrantes morreram de frio.

Mas a tragédia perto da ilha italiana de Lampedusa – a mesma ilha onde Francisco chorou por outros mortos engolidos pelas águas azuis -, segundo os testemunhos recolhidos pelas autoridades, poderia ser maior e o número de mortos chegar até mesmo a 400.

Os vários barcos de borracha selaram o destino destas pessoas em um mar agitado: um dos barcos teria afundado e os outros esvaziados, criando pânico e com ele a morte. Ainda segundo a reconstrução dos eventos esses homens e mulheres, também crianças, foram obrigados nas praias da Líbia, a subir nestas embarcações sob a mira de pistolas, metralhadoras, apesar do tempo incerto.

O Papa Francisco no final da Audiência Geral da última quarta-feira, na Praça São Pedro lançou mais um apelo à solidariedade depois desta última tragédia no Mar Mediterrâneo. “Acompanho com preocupação as notícias que chegam de Lampedusa, - disse o Papa - onde se contam mais mortos entre os imigrantes devido ao frio no decorrer da travessia do Mediterrâneo. Desejo garantir a minha oração às vítimas e encorajar novamente à solidariedade, para que a ninguém falte o necessário socorro.”

O mundo olha para eventos como este e não encontra respostas para tamanha tragédia anunciada. E nesta tragédia, as opiniões são cada vez mais conformes: a Europa – eldorado de pobres deserdados – está cada vez mais imóvel diante do horror dessas mortes: existe uma ausência total de política. Sim, afirmam os  comentaristas internacionais, aqueles ligados ao drama das pessoas que foram obrigadas a deixar suas casas, devemos chamar as coisas pelo seu nome e o que está ocorrendo é um problema político.

As opiniões convergem para o drama humanitário, para os grupos criminosos de tráfico de pessoas, mas também para o fato que o mesmo deve ser enfrentado com realismo político, que neste momento, segundo com quem você conversa, está totalmente ausente. E a sociedade, os homens de boa vontade, as vítimas, desejam respostas, pois não é mais suportável um comportamento como esse, de total indiferença.

Aqui na Itália o drama dos imigrantes via mar é destaque na imprensa que coloca no banco dos réus o projeto europeu de controle das fronteiras chamado Triton, considerado inadequado para a busca e socorro de náufragos. Todavia, alguns chegam até a afirmar que não se deveria nem mesmo ajudar os náufragos, demonstrando assim uma total insensibilidade diante do drama da vida humana. Desde novembro do ano passado o projeto Triton substituiu o projeto anterior chamado “Mare Nostrum”, que apesar das muitas críticas tinha conseguido salvar a vida de milhares de pessoas em fuga de guerras, doenças, do Estado Islâmico, da fome. Organizações não-governamentais importantes como Anistia Internacional e Caritas disseram que o projeto Triton é inadequado para administrar os fluxos migratórios e limitado para levar socorro aos migrantes em alto mar. E a afirmação é ainda mais dura: socorrer refugiados custa, e parece que ninguém está disposto a pagar; e quem paga então são os pobres deserdados com suas próprias vidas.

Este é um problema de todos, porque envolve a pessoa humana. Francisco já está rouco de pedir para que o ser humano volte ao centro das atenções e que a sua dignidade seja preservada. Os migrantes que batem à porta da Europa são homens e mulheres, crianças e idosos que viveram na pele todo tipo de abusos e violências, uma das quais, a violência da fome.

É preciso pensar e criar soluções que vão além de um resgate em alto mar, que possa ir a fundo nas causas desses fluxos migratórios desordenados. Seria impensável e irreal afirmar que a única solução é fazer com que permaneçam nas suas terras. Para muitos permanecer significa morrer. Todos sabemos que a vontade de viver é algo intrínseco no ser humano, e não podemos negar a ninguém este direito. Os governos de países potentes devem sim, ter uma visão mais ampla do que ocorre na África subsaariana, no Oriente Médio, na Europa Oriental, na Ásia e criar instrumentos mais eficazes, junto com políticas que permitam o fluxo de migrantes mas também a possibilidade de não ser obrigado a deixar a sua terra de origem.

São peças de um mosaico complicado, que todos devem contribuir para que o quadro seja completo. Neste momento o único mosaico que se forma é o da dor e do sofrimento de pessoas que se tornaram somente números em uma estatística fria: são 400, muitos dos quais sem direito sequer a uma sepultura. (Silvonei José)








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