2015-02-06 18:56:00

RDC - Igreja preocupada com falta de democracia - D. Ambongo


A necessidade duma alternância democrática em África ”foi o tema de uma conferência-debate realizada terça-feira em Paris, sobe a égide, entre outros, da organização caritativa “Secour Catholique-Caristas França. De entre os intervenientes, D. Fridolin Ambongo, Presidente da Comissão Justiça e Paz da CENCO, Conferência Episcopal da República Democrática do Congo.

Sabe-se que a questão da alternância política é uma questão candente na RDC . Em finais de Janeiro, o voto sobre o projecto de reforma da lei eleitoral, em favor do actual Presidente, Joseph Kabila, provocou violentes recontros entre as forças da ordem e opositores a essa lei; violências que se concluíram com diversos mortos e feridos e levou a numerosas detenções.

A calma parece ter voltado, nomeadamente a Kinshasa, capital do país e epicentro dos protestos, mas permanece muito frágil. Entrevistado por Manuella Affegee, da secção francesa da Rádio Vaticano, Dom Fridolin Ambongo, Presidente da Comissão Justiça e Paz da CENCO, evoca a situação actual, e as questões que ainda permanecem em aberto e que preocupam…

Qual é a situação actual na RDC?

“Há uma certa acalmia em Kinshasa; as pessoa ansiavam por isso. Desde que essa lei foi modificada, há uma certa acalmia. No entanto, houve muitas detenções. Todas essas pessoas que foram detidas e postas na prisão são, de forma geral, consideradas como malfeitores, como pessoas que fazem pilhagens, etc., o que não é verdade. Do nosso ponto de vista, há talvez pessoas que provocaram danos, mas também há personalidades que foram injustamente detidas. Para nós trata-se de prisioneiros políticos.”

O que pedis actualmente ao Governo?

“Simplesmente a libertação dessas pessoas. Um poder constituído não tem o direito de deter alguém se não cometeu nenhum crime. Se uma pessoa exprime a sua opinião política, isto não é um delito; aliás é constitucional. Então, quando se detêm pessoas e se inventam coisas para as acabrunhar, isto é inaceitável. Nós pedimos a sua libertação! Como sabe, desde esses acontecimentos internet está cortada. Não podemos comunicar por internet. Os sms foram também suprimidos. Isto não é normal! Mesmo só do ponto de vista económico, como é que as coisas podem  funcionar?”

Acha que a democracia está em perigo na RDC?

“Diria que sim, temos muitas inquietações, embora seja preciso dizer que perante as revoltas do povo, o Governo recuou um pouco. Mas, até hoje o Governo não esclareceu a sua posição em relação à permanência no poder, para além de 2016, do actual Presidente, Joseph Kabila. Há um silêncio absoluto!

Um segundo elemento que nos inquieta, é a publicação do calendário eleitoral. Até agora a CENI, Comissão Eleitoral Nacional Independente só publicou um calendário parcial. Porque é que não publicam um calendário global que inclua as eleições presidenciais e legislativas do próximo ano?! Estes dois pontos nos fazem temer que o poder tenha ainda outras intenções e não sabemos que intenções. Isto nos inquieta!”

 

É, portanto, neste contexto, que interveio na conferência-debate sobre a alternância democrática em África. Concretamente, porque é que a alternância política em África constitui um verdadeiro desafio?

“Há dois objectivos que nós procuramos atingir com a nossa missão de advocacia, aqui, no Ocidente. Antes de mais do ponto de vista político: a necessidade duma alternância política, democrática nos nossos países, nomeadamente na RDC, no Congo Brazzaville, no Burundi, no Ruanda e noutros países chamados em causa neste domínio. O primeiro objectivo consiste, portanto, neste esforço. Vemos que os nossos povos estão politicamente maduros. Há uma maturidade política da parte do povo, o qual já não aceita ser manipulado como se fazia há décadas atrás. O povo endireitou as costas, quer assumir o seu destino e diz não a todas as manobras que visam simplesmente manter no poder alguns indivíduos.

O segundo objectivo da nossa visita é uma advocacia junto das potências ocidentais para que adoptem uma lei restritiva sobre a questão da gestão dos recursos naturais no nosso país, um pouco à maneira da lei americana denominada “Dodd-Frank”, porque estamos convencidos de que não haverá verdadeira democracia nas nossas regiões enquanto os nossos recursos naturais continuarem a ser geridos, como actualmente, por grupos, às vezes mesmo por grupos mafiosos, e a beneficiar só uma pequena oligarquia em detrimento dos interesses gerais do povo. Democracia e transparência na gestão dos nossos recursos naturais: eis os dois objectivos da nossa advocacia”.

Falou dum possível  papel da comunidade internacional, um papel de pressão. E no que toca ao papel da Igreja em tudo isto?

“Sabe qual é a realidade na RDC! A Igreja católica é uma mãe educadora. E enquanto mãe, o nosso papel é o de acompanhar o povo nos seus esforços, na sua procura da dignidade, da respeitabilidade, da democracia. Nisto estamos ao lado do povo para o acompanhar. Mas a Igreja é também educadora. O nosso papel é o de educar o povo no sentido da democracia, no sentido da reivindicação dos seus direitos, de não recorrer à violência. É um trabalho que começamos há mais de uma década através do nosso programa intitulado “Educação cívica e eleitoral”.

Todos os problemas que evocais – a alternância política, democrática… – em que é que tudo isto implica os europeus?

“Nós consideramos que a Europa tem um papel determinante naquilo que se passa na RDC. Todos os ditadores da África foram apoiados pelas potências ocidentais. Para que o sistema, para que as ditaduras em África possam funcionar, é preciso que tenham um padrinho nalgum lado. Então, falando a esses padrinhos – o que nos faz muito bem hoje – vemos que a Europa está a mudar. Ela já não cauciona as ditaduras e não aceita mais essas veleidades de mudança constitucional para a manutenção no poder de uma pessoa. Acho que uma página foi voltada.” 

(DA/MA)








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