Editorial: Meus irmãos mais pequeninos


Cidade do Vaticano (RV) – Estamos nos aproximando do fim do ano, e como sempre nos detemos consciente ou inconscientemente a fazer balanços procurando as falhas e os acertos do ano que finada, imaginando, criando perspectivas para o ano que virá. Nos últimos 48 anos desde Paulo VI, os Pontífices nos têm dado uma mensagem que nos ajuda a olhar o ano que passou e nos projeta para ano que nasce. Falo das mensagens para o dia 1º de janeiro, Dia Mundial da Paz. Nelas estão contidas reflexões que envolvem o dia a dia de bilhões de pessoas, reflexões que entram no âmago de questões que muitas vezes passam despercebidas pela nossa realidade que corre em ritmo muito veloz para identificar o que realmente ocorre ao seu redor. E isso podemos perceber com a mensagem que o Papa Francisco nos dirige para este próximo Dia Mundial da Paz, 1º de janeiro de 2015, que fala das formas modernas de escravidão.

Um texto denso no qual o Santo Padre, partindo do projeto de Deus para a humanidade, busca inspiração em São Paulo onde diz que o próximo é um irmão.

Num texto articulado afirma que devemos “globalizar a fraternidade” para derrotar o “abominável fenômeno” da escravidão. A mensagem que tem como título “Não mais escravos, mas irmãos”, descreve as causas profundas do tráfico de pessoas, entre as quais “as redes criminosas que o administram”; exorta os Estados a aplicarem mecanismos eficazes de controle para não deixar espaço à corrupção e à impunidade.

Os termos usados pelo Papa Francisco para definir esse “crime contra a humanidade” são fortes e diz que é um “abominável fenômeno”. Nas duas partes em que se dividem a mensagem, Francisco na primeira descreve as faces da escravidão e os rostos das vítimas do trabalho-escravo, os imigrantes privados da liberdade, os que sofrem abusos, os detentos de modo desumano, os explorados pelos patrões, os escravos sexuais, as crianças-soldado, as pessoas vítimas do tráfico de órgãos ou de formas mascaradas de adoção, reféns de terroristas.

Mas se são tantas as faces da escravidão, são também muitas as suas causas. Antes de tudo o “pecado que corrompe o coração do homem”, que se traduz na rejeição da humanidade do outro, ele se torna objeto, um meio e não um fim. Há também outras causas como a pobreza, o não acesso à educação e ao trabalho, redes criminosas que administram o tráfico de seres humanos, conflitos armados, terrorismo, o uso criminoso da Internet para atrair os mais jovens. E depois a corrupção que, sublinha o Papa, passa através de componentes das forças da ordem e do Estado.

Já na segunda parte da Mensagem Francisco exorta a derrotar a escravidão com uma ação “comum global”, através da “globalização da fraternidade” que saiba contrastar a “globalização da indiferença” tão difundida no mundo contemporâneo. Aponta três modos possíveis: prevenir o crime da escravidão, proteger as vítimas e perseguir os responsáveis. Portanto, ocorrem leis justas sobre migração, trabalho, adoção e deslocalização das empresas para tutelar os direitos fundamentais do homem e respeitar a sua dignidade.

Francisco chama em causa também todos os atores da sociedade, pede o reconhecimento do papel social das mulheres, trabalho digno e salários adequados. Alerta para as formas modernas de escravidão, que priva ainda hoje “milhões de pessoas – crianças, homens e mulheres de todas as idades – da liberdade”. Estas pessoas são submetidas e subjugadas quando o pecado corrompe o coração do homem e o afasta de seu Criador, diz o Papa.

Para vencer a escravidão é preciso um compromisso comum que seja capaz de acabar com a indiferença geral em relação às formas modernas de escravidão: não podemos aceitar que isso seja “normal”. Francisco ressalta então Santa Giuseppina Bakhita e o trabalho das congregações religiosas, especialmente femininas, que silenciosamente, há tantos anos, trabalham em favor das vítimas.

O Papa olha para a comunidade cristã, “lugar da comunhão vivida entre os irmãos”, cuja diversidade de origem e estado social não diminui a dignidade nem exclui da pertença ao povo do Deus. Sejam, portanto, respeitadas a dignidade, a liberdade e a autonomia do homem. Fazemos nosso o apelo do Papa Francisco para que não nos tornemos cúmplices deste mal, não afastemos o olhar à vista dos sofrimentos dos irmãos e irmãs, privados de liberdade e dignidade, mas tenhamos a coragem de tocar a carne sofredora de Cristo, o Qual Se torna visível através dos rostos inumeráveis daqueles a quem Ele mesmo chama de “meus irmãos mais pequeninos”. (Silvonei José)

 








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