A "Igreja dos Pobres" na articulação do Concílio


Cidade do Vaticano (RV) - No nosso espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos continuar a tratar das redes de relações no Concílio, falando na edição de hoje, das redes constituídas durante o evento conciliar, com destaque para a “Igreja dos Pobres”.

Nas edições passadas, tratamos das redes de relações já existentes e que foram reforçadas durante o evento conciliar. Hoje, falaremos das redes que se estabeleceram durante as sessões. O Padre José Oscar Beozzo, na tese “Padres Conciliares Brasileiros no Concílio Vaticano II”, cita três destas redes: o Ecumênico, a Igreja dos Pobres e o Coetus Internationalis Patrum.

O grupo chamado por Dom Helder Câmara de "Ecumênico" tinha a sua frente o Cardeal de Malines-Bruxelles Dom Leo Joseph Suenens, um dos moderadores do Concílio. Tinha o apoio secretarial da Conferência Episcopal Francesa e buscava articular diversas Conferências Episcopais. Também era denominado de "Conferência dos 22", em referência ao número de conferências episcopais e organismos que o compunham, como por exemplo, o CELAM.

O episcopado brasileiro teve intensa participação nesta rede, mesmo com as mudanças ocorridas na Presidência da CNBB ao final da terceira sessão. O grupo reunia-se na Domus Mariae, mas tinha sua secretaria geral no Colégio Francês. Inicialmente, os encontros eram realizados nas terças-feiras, passando mais tarde, a serem realizados nas sextas-feiras. O CELAM convidava, mas era a França que fazia todo o trabalho, como cuidar da organização e policopiar.

Já o grupo "Igreja dos Pobres", era formado inicialmente por dois grupos principais de 9 bispos brasileiros e 11 de língua francesa. Posteriormente o grupo brasileiro cresceu, passando a contar com 16 bispos.

Ao final da quarta sessão, o grupo mais permanente de 39 bispos, selou em 16 de novembro de 1965 - numa concelebração discreta realizada na Catacumba de Santa Domitilia - um compromisso com a pobreza e o serviço aos mais pobres, assinando o que passou a ser conhecido como "O Pacto das catacumbas". Este compromisso, recolheu a assinatura de mais de 500 padres conciliares.

Na tese 'Padres Conciliares brasileiros no Vaticano II', Padre José Oscar Beozzo traz o depoimento do Bispo de Crateus, Dom Antonio Fragoso, um dos brasileiros participantes deste grupo que se reunia no Colégio Belga:

"Éramos 36 bispos, um Patriarca, Maximos IV, alguns cardeais, entre eles Giacomo Lercaro e uns arcebispos e bispos. De bispos, lembro-me de Mons. Himmer de Tournai, da Bélgica, de mim e de outros não me lembro. O grupo começou na primeira sessão. Tínhamos como secretários Paul Gauthier e Marie Therèse Lescase. O tema era a Igreja e os Pobres, começando pela identidade entre Jesus e os pobres. Lembro-me do argumento central: quando afirmamos a identidade entre Jesus e o pão consagrado: 'isto é o meu corpo', nós o adoramos e tiramos consequências para nossa espiritualidade, liturgia e tudo mais. Quando se afirma a identidade entre ele e os que não tem pão, casa, nós não tiramos as consequências para a espiritualidade, liturgia, ação pastoral. Lembro-me que, na sessão final, fomos celebrar, numa das catacumbas, a eucaristia final. Assinamos um compromisso nosso com os pobres: dar uma atenção prioritária aos pobres (não ter dinheiro em banco, patrimônio) e este compromisso chegou a ser assinado por 500 bispos".

Padre Beozzo fala ainda sobre uma dura descoberta feita por Dom Fragoso: "O Concílio permitiu-me descobrir (a releitura foi feita depois) que os pobres não estavam no coração e no horizonte dos bispos. Por isto, o Concílio não deu maior atenção ao tema. O concílio permitiu-me sair daquele pessimismo sobre a natureza e dar-me alegria, mas não o vi se reconciliando com os pobres". (JE)

(Fonte: Padres conciliares brasileiros no Vaticano II: Participação e Prosopografia. 1959 - 1965. Pe. José Oscar Beozzo)

 

 








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