Cidade do Vaticano (RV) - Já se tornou tradicional
iniciarmos sempre o Ano Novo com uma mensagem do Santo Padre, na qual ele nos chama
a atenção para aspectos do nosso cotidiano e nos indica, nos dá pistas, para vivermos
o ano que está nascendo com propósitos que vão além do nosso egoísmo pessoal: isto
é, propósitos que envolvem somente a nossa pessoa e aqueles que nos rodeiam. As reflexões
apresentadas pelos Sucessores de Pedro ao longo dessa iniciativa de início de ano,
- que começou com Paulo VI em 1º de janeiro de 1968 -, inserem-se no amplo leque de
temas que o Papa, e com ele a Igreja, deseja fazer com que as pessoas reflitam e se
identifiquem com as realidades que muitas vezes passam despercebidas. Com o nosso
caminhar apressado, de cabeça baixa, com preocupações a mil, nos esquecemos de que
fazemos parte de um mundo que vive ao nosso redor, onde se consumam alegrias, mas
também tristezas, onde pessoas vivem no maior luxo, e outras de modo irreconhecível
na miséria da sarjeta: tudo isso misturado com os conflitos, guerras, indiferenças,
mortes, sofrimentos, desolações. O Papa Francisco, através do Pontifício Conselho
da Justiça e da Paz, divulgou nos dias passados, o tema da sua Mensagem para o 48º
Dia Mundial da Paz, que iremos comemorar em 1º de janeiro de 2015. “Não mais escravos,
mas irmãos”: somente o tema, já nos dá o tamanho da importância da reflexão que Francisco
nos propõe e que, já hoje, nos leva a refletir de maneira mais ampla sobre um tema
muitas vezes submerso na indiferença das nossas sociedades opulentas e ao mesmo tempo
martirizadas pela extrema pobreza e violência. Sim porque, como diz o texto de apresentação
do tema “julga-se habitualmente que a escravidão seja um fato do passado. No entanto,
esta praga social continua muito presente no mundo atual”. A presença dessa praga
em nossos dias nos leva a pensar que a humanidade não evoluiu no seu “ser civilizado”,
mas ao contrário, usa, essa “civilização” chamada moderna, para modernizar modos ainda
mais terríveis e desumanos para escravizar o próximo, para cancelar a sua identidade
de “ser humano”, de “filho de Deus”. Assim não seremos jamais todos irmãos com “igual
dignidade”. Estamos falando de um mundo onde o ser humano não é mais sujeito, mas
objeto, onde tudo é permitido em busca daquele ter, possuir, daquela riqueza e poder
que deve ser conquistado a todo custo, passando por cima de todos, da dignidade de
quem se encontra no caminho. A escravidão nasce da negação do outro: o outro não existe
como pessoa, é mercadoria a ser desfrutada. “A escravidão representa um golpe de morte
para a fraternidade universal e, por conseguinte, para a paz. Na verdade, a paz existe
quando o ser humano reconhece no outro um irmão ou irmã com a mesma dignidade”, diz
o texto de apresentação do tema do Dia Mundial da Paz. Vemos na sociedade atual
que se inventa a cada dia novas maneiras de se aproveitar do outro produzindo formas
abomináveis de escravidão. Basta abrirmos os jornais para identificarmos que o mundo
moderno está doente, porque não cuida do seu bem mais precioso, a pessoa humana. Lemos
com freqüência o número sempre crescente do tráfico de pessoas, do comércio de mulheres
e crianças, da prostituição; do trabalho escravo – situação que ainda vivemos no Brasil
- da mentalidade de subjugar o outro. Tudo em nome do poder, do dinheiro. Temos
uma ferida aberta que sangra na nossa sociedade moderna e para combatê-la – afirma
o texto de apresentação do tema – “deve-se reconhecer acima de tudo a inviolável dignidade
de cada pessoa”. Sim, reconhecer o outro, esse é o ponto de partida, reconhecer a
sua dignidade, o seu valor. Para isso, é necessário o compromisso da informação,
da educação, da cultura em favor de uma sociedade renovada e que dê ênfase à liberdade,
à justiça e à paz. O Papa Francisco não se cansa de pedir respeito pelo irmão, respeito
pela sua dignidade. O tema do Dia Mundial da Paz de 2015, - que tem tudo a ver
com o que está ocorrendo nos dias de hoje, em países onde a paz é uma utopia, precisamente
pelo não respeito da dignidade do irmão -, nos dá a oportunidade para continuarmos
a refletir junto com a Igreja no Brasil, sobre o tema da escravidão e tráfico de pessoas.
No ano passado a CNBB escolheu como tema da Campanha da Fraternidade precisamente
o tráfico de pessoas, “Fraternidade e Tráfico Humano” e o lema, “É para a liberdade
que Cristo nos libertou”: mais um convite para nos convertermos e irmos ao encontro
dos irmãos mais necessitados e sofredores. Francisco refaz este convite. (Silvonei
José)