Homilia do Cardeal Filoni na Missa conclusiva das celebrações dos 500 anos da diocese
do Funchal (15 junho 2014)
Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Com estas palavras, começamos
a nossa liturgia eucarística e, ao mesmo tempo professamos a nossa fé trinitária.
Fizemos um pequeno gesto com a mão, tocando a fronte e o peito e, em seguida, os ombros
esquerdo e o direito, quase a significar que queremos abraçar nesta fé trinitária
toda a realidade do nosso ser. Nesta solenidade litúrgica celebramos, segundo
o ensinamento de Jesus, que revelou aos seus discípulos a natureza íntima de Deus,
a comunhão de Três Pessoas, professada pela fé católica: creio em um só Deus, Pai
todo-poderoso; creio em um só Senhor, Jesus Cristo; creio no Espírito Santo, Senhor
que dá a vida. Jesus quis que nesta fé trinitária fossemos baptizados, ou melhor,
imersos e nela vivêssemos.
Queridos irmãos e irmãs desta venerável Igreja
do Funchal, sinto a alegria de estar aqui hoje convosco. É um prazer, nesta solenidade,
partilhar e comemorar os Quinhentos Anos da criação desta vossa amada Diocese. Saúdo
cordialmente o vosso Bispo, S.E. Rev.ma Dom António José Cavaco Carrilho, a quem agradeço
o caloroso acolhimento; os Bispos e o clero aqui presentes, o Sr. Núncio Apostólico
e todas as Autoridades civis e militares.
O vosso Bispo, Dom António Carrilho,
não queria que este importante evento passasse despercebido, e por isso, durante um
triénio (2011-2014) programou momentos muito significativos de preparação espiritual
e pastoral, bem como passou em revista o percurso histórico desta Igreja local. E
é neste contexto que ele quis pedir ao Santo Padre, o Papa Francisco, a quem vai a
nossa afectuosa saudação, o envio de um seu Delegado Especial, título com o qual,
eu hoje tenho a honra de presidir a esta Eucaristia, bem como a alegria de estar aqui
e rezar convosco.
Ainda existe um aspecto que liga a minha pessoa a este grandioso
evento que estamos a celebrar. Como Prefeito da Congregação para a Evangelização dos
Povos (Propaganda Fide), chamado a ocupar-me das missões, ou seja, do anúncio do Evangelho
a todos os povos, não posso esquecer que a Diocese do Funchal desempenhou, durante
estes cinco séculos, um papel muito importante no apoio à obra missionária, encontrando-se
na rota para as Índias e África, então consideradas terras distantes, onde era necessário
levar o Evangelho.
Quão grata é a Congregação de Propaganda Fide a esta Igreja
local, por ter ajudado e apoiado milhares de missionários que passaram nestes ilhas
antes do grande salto, com os navios da época, para a América, África e Ásia!
Fazendo,
portanto, uma análise histórica e pastoral, Funchal desempenhou, naqueles tempos heróicos
das missões, a importante tarefa, como escreveu o Papa Leão X na sua Bula de instituição
da Diocese, de 12 de Junho de 1514, “Pro excellenti praeminentia” (isto é: pela extraordinária
importância) em apoio à acção missionária da Igreja para as novas Terras que eram
então abertas ao conhecimento e ao comércio. Em seguida, com o passar do tempo, com
as novas organizações eclesiásticas e os demais modernos meios de comunicação e de
transporte, a Diocese do Funchal concentrou-se particularmente sobre a sua natureza
de Igreja particular no serviço aos seus fiéis, sendo hoje rica de 96 paróquias, dezenas
de sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos activos na vida pastoral.
Neste
contexto, pode-se agora compreender a dinâmica do plano pastoral trienal (2011-2014)
desejado pelo Pastor desta Diocese em vista do jubileu que celebramos: “Diocese, Igreja
em Missão”, com o objectivo de construir “Comunidades cristãs vivas e apostólicas”,
fundadas no amor de “Deus Pai que acolhe e congrega os Seus filhos”; de “Jesus Cristo
(que) caminha connosco e reparte o Pão”; e do “Espírito Santo que cria unidade e envia
em missão”. Como bem diz o Catecismo da Igreja Católica, de facto, existe a Igreja
e foi querida pelo Senhor para “anunciar e instaurar no meio de todos os povos o Reino
de Deus inaugurado por Jesus Cristo” (Compêndio, n.150); a Igreja, portanto, “é, por
sua própria natureza, missionária” (Catecismo n. 767).
Este aspecto da missionariedade
da Igreja, como sabeis, é muito caro ao Papa Francisco, que o faz objecto de reflexão
e de contínua exortação. Há uma semana, celebrando na Basílica de São Pedro a Solenidade
de Pentecostes, o Santo Padre disse que naquele dia a Igreja nasceu “em partida para
anunciar a todos a Boa Notícia”. E acrescentou: “é a Mãe Igreja, que parte para servir”.
Já na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, que é um documento programático da sua
visão eclesiológica, o Santo Padre escreveu: “Sonho com uma opção missionária capaz
de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e
toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do
mundo actual que à auto-preservação” (n. 27). É por isso que posso dizer aqui, hoje,
que a programação concebida pelo vosso Bispo, no triénio que termina com esta solene
celebração, não é apenas em sintonia coma visão do Papa sobre a Igreja de hoje, mas
também projecta a vida desta Diocese para uma nova dinâmica, onde estejam colocados
todos “os agentes pastorais em atitude constante de «saída» e, assim, favoreça a resposta
positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade” (Idem).
A Igreja
particular que está no Funchal tem ainda a sensação de querer reavivar o espírito
missionário, que tão significativamente a distinguiu desde o início da sua criação,
e percebe ainda hoje a vocação estimulante de um novo e vigoroso empenho missionário.
Não há nada mais significativo na vida de um cristão e de uma Igreja do que a sua
própria vocação missionária. Porém, é necessário um novo e forte impulso não só nos
métodos, mas também no ardor evangelizador, como bem costumava dizer o Santo Papa
João Paulo II.
No entanto, para que o referido impulso possa ter efeito, é
necessário também que cada cristão tenha uma fé profunda e que ame a sua fé; que dê
um testemunho coerente numa sociedade multicultural em crise de valores morais e espirituais,
em particular esta, caracterizada pelo fenómeno do turismo e pelas migrações. Estes
são dois aspectos da nossa sociedade de grande relevância e de complexa acção. Portanto,
o primeiro ambiente social em que é necessário reavivar a fé é o da família. Um ambiente
que se torna dia após dia mais delicado, mas que é também “o lugar onde Jesus cresce”,
disse o Papa Francisco, há poucos dias, aos membros da Renovação no Espírito, motivo
pelo qual hoje existe uma tendência a debilitá-la e destruí-la. “Fidelidade, perseverança
e fecundidade”, estes são os pilares de uma família que tem o seu fundamento em Cristo.
Fidelidade ao amor que tem como referência o amor de Cristo pela Igreja; perseverança
como elemento, como termómetro que indica o amor forte e incansável, assim como muitas
vezes Jesus perdoa à sua Igreja, isto é a nós; fecundidade como sinal de vida e de
vitalidade do casamento em si, como Jesus faz a sua Igreja ser sempre mãe. Onde a
comunidade cristã é fecunda, aí o Senhor escolhe vocações para uma missão especial:
vida de serviço aos irmãos e de consagração a Deus como dimensão de amor total a Ele
e ao Evangelho. O que é que existe de mais profundo e alegre que ser capaz de dizer:
teus pecados te são perdoados, isto é o meu Corpo, este é o meu Sangue? O que é que
poderia ser mais agradável que ser capaz de consolar os aflitos e partilhar a sua
cruz quotidiana, especialmente no serviço aos pobres e aos marginalizados, como bem
ensinou Madre Teresa de Calcutá? Que os jovens se abram a este apelo e sejam generosos
para com a voz do Espírito!
Em tal perspectiva, são bem oportunas as palavras
do Evangelho de hoje (Jo 3,16-18), no qual Jesus explica a Nicodemos que Deus desde
sempre, sem discriminação ou interrupção, “amou o mundo” e não quer que “ninguém se
perca”, nem que o mundo seja “condenado”. Na lógica de Deus Criador e Pai de todos
os seres humanos, toda a realidade é preciosa para Ele, e por isso envia o seu Filho
unigénito para mostrar o seu amor eterno. O que Deus querpara nós éa “vida”; uma “vida
eterna”, ou seja, expressão plena de Si. Deus é Deus de vida eterna.
Parece
muito bonita a oração, ou melhor, a súplica de Moisés, cujas palavras ouvimos na 1a
leitura desta Missa: “Se encontrei, Senhor, aceitação a vossos olhos, digne-Se o Senhor
caminhar no meio de nós”(Ex 34, 8-9). Moisés pensava num Deus que não é estranho,
que não está em cima, longe e fora, mas que está “no meio” do seu povo! Neste tempo
em que muitos gostariam que Deus ficasse fora do mundo e vivem a sua vida como se
Deus não existisse, Moisés e a Igreja rezam: “Digne-Se o Senhor caminhar no meio de
nós!” Mesmo que nós sejamos um povo de dura cerviz - reza ainda Moisés, e a Igreja
com Ele, identificando-se em suas palavras - “Vós (oh Deus) perdoareis… e fareis de
nós a vossa herança”. Gostaria de concluir estas reflexões com uma exortação retirada
da 2a Epístola de São Paulo aos Coríntios (2Cor 13,11): “Vivei com alegria… vivei
em paz” e “o Deus de amor e da paz estará convosco”. Irmãos e irmãs, como o amor
trinitário de Deus, também o amor eclesial deve sair de si mesmo e doar-se aos outros.
Em primeiro lugar, àqueles que não conhecem o amor de Deus, ou dele se encontram afastados,
ou não se sentem humanamente dignos de serem amados, porque se sentem pecadores. Este
é o vosso programa e o compromisso para os quais Jesus chama hoje a Igreja no Funchal!
E, por fim, irmãos, uma prece muito especial aos nossos Padroeiros:
Nossa
Senhora do Monte e São Tiago olhai para esta Diocese que é vossa; velai pelos nossos
emigrantes e quantos nos acompanham através da televisão, da rádio e da internet;
abençoai e protegei todas as famílias, na sua união e fidelidade; abençoai e protegei
as crianças e os jovens, os idosos, os doentes, os pobres, os desempregados, todos
os que perderam a coragem de sonhar e de acreditar em Deus e nos homens. Que não lhes
falte a saúde, a paz e a concórdia, o trabalho, o ânimo e a alegria da fé e da esperança
para a vida de cada dia.
Os meus Parabéns, Igreja do Funchal!
Que
o Senhor te faça, desde agora, caminhar neste milénio consciente do teu passado, plenamente
convicta do teu presente e que te coloque missionariamente em direção ao futuro, ao
serviço de Deus e dos irmãos. Ámen! Assim seja!